Capítulo 78

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No fim do dia, ao terminar de pintar o cenário, Nia desceu as escadas, tomando cuidado para não pisar nas mãos de Gilbert, e ele a abraçou por trás assim que seus pés tocaram o chão. Tania se desvencilhou do namorado e foi ajudar Diana com os figurinos.

O que ele fizera de errado?

Depois de ficar tempo demais parado encarando a Stacy, Bert caminhou devagar até o canto da sala onde alguns garotos estavam trabalhando nas partes do cenário que exigiam habilidade com construção.

...

Já anoitecera quando Anne foi embora. Sua irmã ficara pra trás para terminar uma boina que estava costurando, acompanhada do Blythe, que martelava alguma coisa.

Já que antes o ambiente era ocupado pelo falatório de Nan e ela havia acabado de sair, a sala caiu em um silêncio pesado, sendo cortado apenas pelo som das marteladas de Gilbert.

Depois de um minuto, Tania deixou as mãos caírem na mesa com um baque.

- Dá pra parar com esse barulho infernal? - rugiu.

- Dá pra parar de me dar um gelo? - rebateu, mas colocou o martelo no chão - Que coisa, Nia! Até entenderia se estivesse me ignorando por causa de Ruby, mas única pessoa aqui além de nós pela última hora foi Anne, pelo amor de Deus! - ele observou a namorada, frustrado, enquanto ela encarava firmemente uma manchinha na parede - Se não pela Ruby, por que está me evitando? Eu realmente não consigo pensar em nada que tenha feito para deixá-la irritada.

- Você não fez nada - murmurou - esse é o problema - apoiou a testa na mesa, os braços em volta do rosto, e respirou fundo.

Bert soltou o ar devagar, engatinhou até a jovem e acariciou seu cabelo preso.

- Qual é o problema? - virou a cabeça dela para ver seu rosto, encontrando-o perfeitamente seco, ao contrário das lágrimas que esperava. A menina apoiou o queixo nas mãos, suspirando novamente.

- O problema é que deveria ter um problema.

- Ainda não entendi.

- Nem eu entendi - deu de ombros, inflou as bochechas e as esvaziou.

- Pode tentar explicar?

- Como vou explicar algo que não entendi?

- Do mesmo jeito que explica álgebra.

- Eu entendo álgebra.

- Ninguém entende álgebra - Nia deu um sorrisinho.

- O problema é que não tem problema - repetiu, pois era a única boa explicação que tinha.

- E isso a fez ficar irritada comigo porque..?

- Não estou irritada com você - finalmente olhou para ele, com um bico.

- Pois parecia.

- Eu só - hesitou - não queria que me obrigasse a entender o que estou sentindo.

- Não estou te obrigando.

- Está pedindo - deu de ombros - dá na mesma. Não consigo te negar nada - tirou uma teia de aranha do cabelo dele - e o senhor sabe muito bem disso - falou em tom brincalhão.

- Não sabia, na verdade. Obrigado pela informação, será bastante útil - Tania riu, depois apenas olhou nos olhos dele por alguns segundos - quer que eu te leve pra casa?

- Acho que encontrei uma explicação que faz algum sentido - ignorou a pergunta e limpou a garganta. Engoliu em seco. Na verdade a resposta já estava na ponta da língua quando ele perguntou - desde que meus pais morreram, sempre tem alguma coisa errada, uma sensação de falta. E eu tinha aprendido a lidar com ela; mais ou menos. Mas aí você foi embora, e ficou mais forte, e de repente tudo era um problema de novo. E agora você voltou, e a sensação voltou a ser suportável; ou algo próximo a suportável - estava divagando - e agora o lugar em que a parte mais recente ficava está vazio. O que falando em voz alta não faz muito sentido, porque a sensação é vazia. Mas é, não sei, basicamente isso. Não tem nada de errado, pelo menos nada além do normal, e é esquisito.

- Então você está com raiva de mim por que faço seus problemas parecerem menores? - o canto da boca dele tremeu.

- Não estou com raiva de você! E, bem, sim - Blythe piscou devagar, depois rápido.

- Você é uma pessoa tão confusa, Tania Stacy.

- E você adora se meter em confusão, não é, Gilbert Blythe? - provocou com um sorrisinho. Bert sorriu de volta, aquele sorriso virado para baixo que fazia senhorinhas quererem apertar as bochechas dele - Desculpe pelo gelo.

- Tudo bem - sussurrou, encostando seus lábios nos dela suavemente - está realmente tarde, amor. Quer que eu te acompanhe até Greengables?

- Posso dormir na sua casa? Nan vai saber onde estou.

- Se quiser se mudar é só dizer - brincou - Avonlea inteira vai nos julgar por morarmos juntos antes do casamento, mas a gente aguenta. Sebastian pularia de alegria, acho que gosta mais de você do que de mim.

- A única coisa que fiz na frente de Sebastian foi piadas sem graça e chorar.

- Eu posso.. - disse devagar - ter passado o ano inteiro falando de você - enrugou o nariz. Tania sorriu.

- Nesse caso - roçou seus lábios nos de Bert - ele deve me considerar uma deusa - lhe deu um selinho curto - ah, se todos me enxergassem pelos seus olhos, Gilbert Blythe - tocou de levinho as maças do rosto dele.

- Você seria coroada rainha do mundo - sorriu maroto, antes de beijá-la. Uma de suas mãos agarrou o quadril dela, e a outra subiu para puxar o pincel e soltar seu cabelo, onde ele prontamente embrenhou os dedos, sentindo os nós que provavelmente estavam ali a dias. Ele não se importou; na verdade, decidiu que os desembaraçaria para ela quando chegassem em casa.

- Hmm - Nia mordeu o lábio inferior de Bert, e ele quase deixou escapar um gemido. Quase - Posso?

- O-o quê? - o moreno se engasgou. O que ela queria dizer?

- Posso dormir na sua casa? - explicou, não entendendo a reação dele - O que achou que eu estava perguntando, Blythe?

- E eu lá vou saber? Algo que Julia Quinn escreveria, quem sabe - o queixo de Tania caiu, e ela começou a rir.

- Gilbert Blythe! - brigou - Seu tarado - cobriu a boca com as mãos.

- Ei, eu não disse nada. Você que assumiu que estou me referindo algo inapropriado, eu poderia muito bem estar falando de algo romântico.

- Estava? - ergueu uma sobrancelha em provocação.

- Isso não vem ao caso. Já leu Bridgerton? - estranhou.

- Você já? - rebateu.

- Não. Mas alguns caras da turma já, e deu pra entender do que se tratava quando eles falaram sobre. E você, mocinha?

- Quando peguei a coleção numa livraria, a reação imediata de Marilla foi dar um tapa na minha mão. Não foi difícil adivinhar - deu de ombros, seu rosto ainda muito perto do dele, seus olhos brilhando com a proximidade. Mordeu o lábio - não tem ideia do quanto estou adorando esse papinho - sorriu brincalhona.

- Eu adoro qualquer palavra que sai da sua boca - devolveu, imediatamente colando seus lábios nos dela.

(N.A.: sei que a Julia Quinn não era nem nascida nessa época, mas é bem por aí que os livros dela se passam, então espero que perdoem a inconsistência de eles serem citados aqui. Tudo vale no amor e na fanfic, obrigada de nada.)

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora