Capítulo 62

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Enquanto Anne falava com a senhora Lynde sobre Mathew e Jeanne, lhe fazendo diversas perguntas e descobrindo que o breve romance entre ambos fora frustrado pela trágica morte do irmão mais velho de Mathew e Marilla, Tania dormia um sono agitado, assombrado por um pesadelo.

Assim que fechou os olhos para cair no sono, os abriu em um lugar diferente. Em um penhasco. Era sempre um penhasco.

Ela não estava ali; sabia que não estava; não, Tania estava em sua cama confortável e quentinha, em Greengables. Mas então como sentia tão claramente o vento lhe açoitar os cabelos? Como a grama pinicava seus tornozelos de maneira tão incômoda?

- Melhor acabar logo com isso - murmurou. Sempre que tinha um pesadelo e percebia que estava em um pesadelo, a Stacy tentava morrer o mais rápido possível, pois quando morria, acordava.

Ela caminhou até a beirada do penhasco, mas paralisou.

A água era vermelho sangue, e fedia como o lavabo infestado de ratos do orfanato.

A jovem respirou fundo, tampou o nariz e pulou.

No momento em que a ponta de seu pé tocou a superfície da água, ela sentiu todo o seu corpo queimar como se estivesse sendo mergulhado em ácido.

Mas não acordou.

Abriu os olhos e, curiosamente, conseguiu enxergar no mar de sangue. No mar de lava, talvez. Sua pele ardia como mil queimaduras.

O que viu foi ainda mais apavorante do que pular.

Em frente a ela, quase lhe tocando as bochechas, estava sua mãe.

Só que não era sua mãe.

As unhas haviam sido substituídas por garras, os olhos estavam completamente brancos, e seus dentes, que costumavam ser separados por um buraquinho no meio, eram presas pontudas.

Aquele demônio aquático com as feições de sua mãe a arrastou até o fundo enquanto ela se debatia.

Mas Tania parou quando viu algo a alguns metros de si.

Seu pai. Deitado, imóvel, de olhos fechados. Ao redor dele a água era límpida e cristalina. Annabeth desaparecera.

A Stacy nadou até lá e entrou na pequena bolha de água limpa, sentindo o ardor do ácido passar.

Ela tocou a mão do homem, esperando, quase desejando que ele acordasse e a atacasse, como a mãe fizera.

Mas ele não se mexeu. Apenas continuou deitado na areia, quieto, pálido e gelado.

A garota sentiu seu sangue ferver, queimá-la de dentro para fora. Seu pai nunca terminava vivo, nem nos melhores sonhos ou nos piores pesadelos; ele sempre estava morto no fim das contas.

Tania tirou a mão da dele e a levou ao coração, e um buraco se abriu ali. E sangrou, sangrou e sangrou, até que aquele pequeno pedaço de água deixasse de existir, e houvesse apenas sangue, tanto sangue.

Aquele pesadelo tinha que acabar. Ela não aguentava mais prender o folego, não entendia como aguentara tanto tempo, e a vontade de respirar lhe venceu. A Stacy ingeriu o líquido vermelho e ácido em goladas, até que sentisse que estava pegando fogo, que era apenas mais algumas gotas de sangue naquela imensidão.

Estava de volta ao penhasco.

Mas suas mãos estavam cheias de sangue.

E seus pulmões ainda queimavam.

E ela só queria que aquilo acabasse logo. Ela precisava que acabasse.

Tania encarou suas mãos ensanguentadas, e de suas palmas começou a jorrar mais sangue. Sangue quente, viscoso. Por algum motivo, a garota sabia que era o sangue de sua família. Mamãe, papai.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora