Capítulo 20

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Ao fim da aula, Anne recebeu a tarefa de levar a lição e os livros de Gilbert até a casa dele, e nem teve que pedir nada antes de Tania tirá-los de suas mãos e seguir caminho até a casa dos Blythes.

Lá, ela bateu na porta, mas ninguém atendeu. Tentou abrir, sabia que eles não se importariam, mas estava trancada.

- Gilbert! - chamou - Gilbert Blythe! - bateu com mais insistência. John abriu, parecendo muito pálido e fraco, respirando com dificuldade - Senhor Blythe! - ela exclamou de olhos arregalados, já passando um braço ao redor dele e ajudando-o a voltar para a cama.

- Não se preocupe Tania, estou bem.

- O senhor não parece bem - colocou a mão na testa dele, que parecia suavemente aquecida, mas nada preocupante - onde está Gilbert?

- Estou aqui - o moreno entrou no quarto - tudo bem?

- Sim, sim - John disse com indiferença.

- Por que não conversamos na sala? - o jovem Blythe perguntou a Tania, que concordou com a cabeça e o seguiu.

- Eu não sabia que seu pai estava pior, ele parecia tão bem quando eu vim aqui - colocou os livros em cima da mesa.

- Sim. Teve febre ontem, achei melhor não ir pra aula hoje e ficar de olho nele - Gilbert parecia cansado. Não só fisicamente.

Ele estava exausto.

- Como você está?

- Bem.

- Você não parece bem.

- Então pare de olhar.

- Estou falando sério; como se sente?

- Não sei.

- Como foi a noite?

- Difícil. Não tenho ideia de como eu consegui dormir.

- As vezes tudo que dá pra fazer é deitar na cama e torcer pra adormecer antes de desmoronar - Gilbert olhou para ela, que olhava para ele de maneira quase..dormente. Foi só naquele momento que ele percebeu um coisa: Tania já havia estado exatamente na mesma situação que ele se encontrava agora, e aquela constatação o fez se sentir menos sozinho. Ele abriu um sorriso fraco, que ela devolveu - você vai sobreviver.

- As vezes eu torço para o oposto - ele disse, olhando para baixo, ficando chocado, mas aliviado por finalmente ter dividido aquilo com alguém. Tania ficou muda, mesmo que tentasse, não conseguia fazer as palavras saírem. Aquilo estava errado, ninguém deveria se sentir daquela maneira. Não mesmo - não vai dizer nada? - ele olhou novamente pra ela, cujos olhos estavam cheios de água. Foi quase um minuto inteiro antes de ela abrir a boca.

- Não - disse, respirando fundo - você não está falando sério - ele continuava com os olhos pregados nos dela - Gilbert - ela tentou pensar em meio ao desespero que fazia seus pulões pararem de funcionar - o-olha - tentou puxar o ar, mas era como se estivesse embaixo d'água. Tania não precisava de água para se afogar - eu sei que.. - engoliu em seco - que esse tipo de coisa pode causar alguns pensamentos intrusivos, m-mas - o coração dela batia cada vez mais rápido - você não pode seguir e- foi rapidamente interrompida.

- O quê? Não! - ele disse, puxando-a para um abraço - Eu nunca.. - respirou fundo - desculpa - pediu. Ela começou a chorar pra valer.

- V-você disse q-

- Que as vezes eu penso que seria mais fácil - ele falou suavemente, segurando-a com mais força, ela não parava de tremer - só isso. Desculpe.

- Nunca mais diga isso - ela pediu, a mão no peito dele, sentindo seu coração bater calmamente - por favor - sua cabeça girava, ela não conseguia respirar. Sentia como se o mundo a estivesse esmagando.

- Não vou, prometo - ele se afastou dela devagar, segurando seu rosto com as mãos - você está bem?

- Quem se importa? - a menina perguntou, começando a se sentir profundamente culpada. Ele estava preocupado com ela - é o seu pai que está morrendo.

- E é você quem está tremendo - ele disse.

- E-eu só.. - ela sentia que estava prestes a desmaiar. Tentou terminar a frase, mas nem conseguiu abrir a boca, olhando para Gilbert como se ele fosse desaparecer a qualquer momento.

- Não se preocupe comigo.

- Não me preocupar com você? Meu Deus, você percebe o que acabou de me dizer?

- Que eu nunca me mataria? - levantou as sobrancelhas - Percebo - deu um beijo na testa de Tania, que finalmente conseguiu fazer o ar entrar por suas narinas. Gilbert ficaria bem. Ele não havia falado sério. Era só um pensamento ruim. Ele não a deixaria.

Ela levantou o olhar para ele, vendo os olhos castanho cheios de preocupação.

- Me promete que nunca vai morrer? - ele deu risada.

- Prometo que vou morrer o mais tarde fisicamente possível - ele disse, e Tania riu também, antes de abraçá-lo de novo - e que quando a morte pegar minha mão, eu vou segurar a sua com a outra e jurar te encontrar em todas as vidas que vem depois dessa.

Ficaram abraçados em silêncio pelo que pareceram horas, Gilbert fazendo um carinho suave nos cabelos dela até que estivesse bem (dentro do possível).

- Você parou de tremer - ele constatou, ainda sem soltá-la - e está respirando direito.

- Uhum - murmurou, apertando os braços mais forte em torno dele.

- Por que estava tremendo? E com falta de ar?

- Acontece as vezes. Quando eu estou com medo ou muito nervosa. É como se meus pulmões se recusassem a funcionar.

- Como assim? - Tania tentou pensar em um jeito simples de explicar.

- Eu não preciso de água pra sentir que estou me afogando - Gilbert a apertou mais contra si - também acontecia com a minha mãe, foi assim que ela me explicou como se sentia; depois que ela morreu, começou a acontecer comigo também - não queria soltá-lo por nada nesse mundo, mas acabou por se afastar antes que começasse a chorar de novo.

- Do que estava com medo? - ela tirou o cabelo do rosto dele levemente.

- De que você fizesse alguma coisa impulsiva da qual ia se arrepender.

- Não se preocupe.

- Mamãe também disse pra eu não me preocupar com ela - sua voz não passava de um sussurro. Odiava pensar naquilo.

- E o que aconteceu? - ela tinha a impressão de que ele já sabia a resposta, mas não queria acreditar. Tania não achava que tinha forças para dizer aquilo. Nunca tinha dito em voz alta.

- Ela se matou.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora