Capítulo 109

165 30 2
                                    

A querida Mary oferecera a Nia que dividisse quarto com ela, mas a jovem lhe garantiu que não se importava em passar a noite com Bert e Bash.

Mais tarde, com Tania e Gilbert apertadinhos na cama de solteiro e Sebastian em um colchão no chão, a mulher entrou no quarto.

- Como vocês estão? Satisfeitos?

- E perfumados. Abençoada você por deixá-lo tomar banho - disse Blythe, que não perdia uma oportunidade de caçoar do amigo.

- Sim, Deus a abençoe, Mary. Você é um anjo - sorriu bobamente.

- Eu trouxe o seu recibo - Sebastian parecia se sentir atraído até pela pequena pausa que ela deu antes de falar. Seus amigos entendiam perfeitamente como era. Ele se levantou e pegou o papel das mãos finas da mulher, abriu a carteira, tirou algumas notas e as entregou a Mary, que contou o dinheiro - você me deu a mais - estendeu o dinheiro extra, mas Bash empurrou sua mão.

- Eu esperava um café da manhã - seus grandes olhos brilhavam à luz cálida das velas. Mary guardou as notas no bolso.

- Eu sei mesmo cozinhar, não sei? - os cantos de sua boca tremeram, mas ela não se permitiu sorrir - Boa noite, então - fechou rapidamente a porta.

Bert esperou apenas o suficiente para que ela não pudesse mais ouvi-los antes de provocar:

- "Deus abençoe, meu anjo" - disse em uma imitação zombeteira da voz do amigo.

Os três riram, arquejando com o esforço para não fazer barulho.

- Pode caçoar a vontade, Blythe. Não fugi da minha garota como alguns que conheço.

- Bash - Nia brigou quando o sorriso de Gilbert caiu quase imperceptivelmente - é um tópico sensível - fez bico, antes de bater um travesseiro da cara do namorado, que, ao invés de devolver a travesseirada, a atacou com cosquinhas - Não! Para - soluçou entre as gargalhadas - por favor! - perverso, ele continuou até que ela não conseguisse mais respirar, antes de deitar-se em cima dela e embrulha-los no edredom quentinho - Eu te odeio, Gilbert Blythe. Minha barriga está doendo - brigou, emburrada, ainda corada.

- Também te amo - agraciou-a com um beijo suave - Durma bem.

- Impossível dormir mal - se aconchegou melhor nele. Por baixo das cobertas, Bert subiu um pouco a barra da camiseta dela, para roçar de levinho os dedos em sua barriga. Tania sentiu cada pelo de seu corpo se arrepiar, e soltou um longo suspiro. O espaço (ou a falta deste) entre sua pele e a dele parecia ser o palco favorito das estrelas.

Blythe se esqueceu de perguntar o que a incomodara mais cedo, e ela não fez questão de dizer que sua inquietude se dera ao fato de ter sentido um formigamento entre as pernas por a mão dele estar por dentro da blusa, na base de sua lombar.

------------------------------------------------------

Eles tomaram um café da manhã quieto, mas o silêncio foi agradável. Agradeceram a Mary e pegaram o primeiro trem do dia na estação, bem mais vazia do que estivera na tarde anterior.

As aulas haviam sido canceladas naquele dia, pois o casamento de Prissy com o sr. Philips se daria no fim da tarde, então eles não tinham pressa no caminho até a casa de Bert e Bash.

Chegaram em casa ainda preguiçosos. Enquanto Sebastian preparava pão nuvem, o casal lia algo de alguma das irmãs Brontë, emaranhado sobre o sofá velho da sala.

Depois de comer o pão fofo e beber xícaras fumegantes de café com leite, Bash se aconchegou com um cobertor e um livro perto da lareira, e os jovens decidiram brincar com as teclas do piano, no andar de cima.

Sentados no banquinho, a perna dela sobre a dele, os dois tocaram algumas teclas da melodia que Diana apresentara na festa da tia Jo.

Tania respirou fundo, deitou a cabeça no ombro de Gilbert, parou de tocar e disse:

- Podemos conversar sério?

Os ombros dele se tencionaram um tantinho.

- Eu deveria estar com medo? - perguntou com uma risada trêmula.

- Não - levantou a cabeça para olhar nos olhos dele - eu só.. me preocupo com você. E quero expor minhas preocupações. Porque eu te amo e quero o melhor para você. Só isso.

- Está bem - disse devagar, se virando completamente de frente para ela - fala.

Agora que tinha a total atenção do garoto, sua garganta entalou. Engoliu em seco. Inspirou, apertou os olhos, expirou.

- Acho que o estágio com o doutor Williams pode te fazer mal - ele franziu a testa.

- ..Explica.

- Quero dizer - hesitou. Ele estava tão animado - no consultório, você estava tenso, desconfortável. Estar lá deve ter trazido de volta algumas memórias desagradáveis. E, hm, acho que você não deveria se submeter a isso - ainda com um vinco profundo entre as sobrancelhas, ele se levantou.

- Eu.. escuta, Tania, entendo sua preocupação. Mas não posso desperdiçar uma oportunidade como essa.

- Mas ainda não está cedo para procurar estágios? Outras oportunidades surgirão, em lugares mais favoráveis, tenho certeza. Não estou dizendo que você deva negar logo de cara, mas acho que precisa pensar melhor. Pesar as consequências.

- As consequências são aprendizado e uma adição para o meu currículo - disse, já um pouco exasperado - não pode simplesmente ficar feliz por mim?

- Estou feliz, Gilbert. Orgulhosa demais, de verdade. Só não quero que faça algo que o entristeça por-

- Por uma oportunidade única! Caramba, não posso acreditar que está me pedindo isso - deixou os braços frenéticos caírem ao lado do corpo, irritado.

- Só estou pedindo que pense mais um pouco. Que não se machuque, sinta dor, sem necessidade - se levantou também, nervosa. Ele não estava entendendo. Estava com raiva.

- Tania, está doendo! Dói o tempo inteiro, mas não deixo que isso me impeça de lutar pelo meu futuro. Meu pai morreu, e eu nunca mais vou poder vê-lo ou falar com ele, mas sei que ele se orgulharia do meu esforço. Então não vou negar uma proposta assim por causa de desconforto. E acho que quem deveria pensar melhor é você, antes de me dizer o que fazer com a minha vida. Eu não vou deixar a dor me controlar - disse firme, respirando pesadamente. Gilbert não gritara, nunca gritava; mesmo assim, ela se encolheu.

- Queria ser tão forte quanto você. - deixou escapar, se arrependendo imediatamente - Só quero o melhor para você, Bert. Sinto muito se cometi um erro - prendeu o cabelo atrás das orelhas - vou para Greengables, te vejo no casamento.

- Nia - segurou a mão dela; não forte, apenas o suficiente para fazê-la parar - não foge, por favor.

- Prefiro continuar essa conversa quando estivermos ambos mais calmos - disse, trêmula, mas firme - desculpa - saiu, tomando o cuidado de não deixar a porta bater, se forçando a caminhar até sua casa, ao invés de correr.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora