Capítulo 61

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As duas voltaram para Greengables, caminhando e sendo acompanhadas pelo corvo.

- Nia, você as vezes pensa nas fantasmas que vimos na outra noite?

- De vez em quando, por quê?

- Elas estavam vivendo um romance - disse, com a testa franzida.

- Estavam - Tania deu de ombros.

- Eu não sabia que duas garotas podiam viver um romance. Agora que sei, me parece um tanto óbvio, é claro. Mas sempre achei que casamentos só aconteciam entre um homem e uma mulher. Quero dizer, não há nenhum livro sobre romance entre duas garotas.

- Você já leu os poemas de Emily Dickinson? Ela escreveu mais de trezentos poemas românticos para Sue.

- Sempre achei que fossem para Charles Wadsworth - a Stacy negou com a cabeça.

- Sue foi o verdadeiro amor de Emily. É o que meus pais diziam, e eles eram bem estudados.

- Mas então por que não há casais de mulheres e casais de homens?

- É claro que esse casais existem, Nan, mas precisam ser discretos.

- Por quê?

- Porque a maioria das pessoas acha que é errado.

- Mas como amar pode ser errado?

- Não sei, querida. Do mesmo jeito que ter a pele negra é considerado inferior em diversos países; as pessoas não gostam do que é diferente delas.

- Mas ser diferente é o que torna as pessoas interessantes! Digo, imagina se todos fossem iguais? A vida seria tão tediosa!

- Realmente.

Ao chegar na fazenda, elas ficaram alguns minutos esperando na cerca, já que o horário em que o carteiro passava estava próximo.

- A carta está endereçada para Anne Shirley-Cuthbert vinda de um porto distante? - perguntou esperançosa ao entregador.

- Receio que não - entregou o envelope a ela e seguiu seu caminho.

As irmãs correram até a casa, Anne porque estava curiosa sobre carta, e Tania porque estava com frio.

Ao entrar, a Shirley foi diretamente até Mathew, o destinatário, e sua irmã subiu às pressas para colocar um casaco quentinho, uma calça forrada de lã e meias.

Enquanto a Shirley limpava a casa por ordem de Marilla e sentia a tentação de abrir as cartas que Jeanne enviara a Mathew lhe vencer aos poucos, a Stacy lia O Retrato de Dorian Gray embrulhada em três cobertores.

Quando Tania chegou ao quinto capítulo, a curiosidade venceu Anne, e ela leu as cartas que Mathew nem sequer abrira.

...

- Mathew, estou certa de que já está claro, mas tenho pensado em você desde o nosso reencontro no ano passado. Se tiver vontade de responder, significaria muito pra mim. Você é um homem especial. Sua Jeanne - leu Anne para Tania, Ruby e Diana na casinha de madeira do bosque - já ouviram algo mais romântico? - a Barry e a Gilles deram risadinhas. A Stacy sorriu amarelo; não era certo ler a correspondência de Mathew, muito menos uma tão privada.

- O que significa? - perguntou Biby com um sorriso.

- Não estão vendo? Uma viúva, achando que o amor ficou no passado, de repente reencontra o homem mais gentil e maravilhoso, que ela conheceu na escola, apenas para descobrir que ele viveu a vida inteira sem a felicidade do amor verdadeiro - ela parecia saborear cada palavra que lhe saía da boca.

- Eles se conheceram na escola? Eu e Gilbert nos conhecemos na escola! - animou-se Ruby. Ela havia voltado a sonhar, após convencer seu coração machucado de que nem todos os homens eram monstros; Gilbert Blythe definitivamente não era.

- Será que Mathew esperou por ela esse tempo todo? - Anne desviou do que Ruby dissera; não queria que Tania ficasse desconfortável.

- E por que ele não escreve de volta? - estranhou Diana.

- Ele não tem as palavras - sussurrou a Shirley.

- Seria terrível viver uma vida sem amor verdadeiro - afirmou Ruby, refletindo sobre os próprios pensamentos; ela cogitara ser uma solteirona, mas aquilo parecia tão distante.

- Serei uma agente do romance - decidiu a ruiva, ficando de pé.

- Como pode ter certeza de que eles estão apaixonados? - a Barry questionou.

Anne franziu a testa. Ela não tinha certeza.

- Nia, vamos pra casa - agarrou a irmã pela mão, levantando-a em um pulo - preciso falar com Mathew - Tania não reclamou, afinal estava com sono.

Elas se despediram das amigas com beijos nas bochechas e foram até Greengables. Ruivinha entrou no celeiro e sua irmã correu até a casa quentinha para se embrulhar em cobertores e dormir.

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- Prontinho, aqui está - disse animadamente o barman do pub onde Gilbert e Sebastian haviam entrado - um rum e um babash.

Blythe brindou com Bash e bebeu seu rum, falhando em conter uma careta.

- Certeza que isto não vai te matar? - perguntou ao amigo, cuja bebida era ainda mais forte.

- Não. Isto que faz ser bom, o perigo. Saborear a morte faz você se sentir vivo - Bert estendeu a mão para pegar o copo - mas isso não é pra você, novato. É babash, especialidade local; seu corpo franzino se reviraria todo.

- Cara.. - refletiu - ver o mundo, experimentar coisas novas. O que pode ser melhor?

- Ouro é melhor.

- Era um golpe.

- A garota bonita que te convenceu disso é melhor. O amor da sua vida está te esperando na sua terra e você prefere carregar carvão? - zombou.

- Não sei se pode dizer que ela é o amor da minha vida - mas ele sabia, sabia perfeitamente que sim, ela era o amor de sua vida, sempre fora, sempre seria.

- Você é louco - concluiu Sebastian - se uma mulher bonita me esperasse em casa, com ouro ou não, eu já estaria fora daqui.

- Não é assim com a Tania. Ela não é só uma garota bonita - disse com o olhar sonhador.

Bash riu dele.

- Seja homem, Blythe.

- Eu sou.

- Só um menino deixaria a mulher da sua vida esperando.

- Um menino iria encarar o perigo de frente - abriu um sorriso ladino - e engolir? - bebeu em uma golada todo o babash que restava no copo do amigo.

- Não, não, não! - gritou Bash, mas já era tarde demais; Gilbert se levantara da cadeira e correra para fora para vomitar. O homem lhe deu tapinhas nas costas - pronto, queridão - caçoou - agora é um homem de verdade - deixou algumas moedas no balcão e já foi puxando Blythe para conhecer mais da cidade.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora