Capítulo 101

245 36 1
                                    

Enquanto eles respiravam lentamente, brincando com os dedos um do outro, Gilbert tentava entender por que ela estava tão insegura? Chegou à mesma conclusão da última vez que se perguntara aquilo.

- Me desculpe por ter viajado.

- Hm?

- É isso, não é? É por isso que tem tanto medo? Se eu já a deixei uma vez, o que me impede deixar de novo? - adivinhou. Ela apertou suas mãos com mais força. E negou com a cabeça.

- Lembra quando éramos pequenos? E tudo era mais fácil? E você não sabia nada da minha vida antes de Avonlea? - ele assentiu. Ela mordeu o lábio - Eu te contei. Você viu as cicatrizes, físicas e conotativas, e disse que tudo bem; que me amava com elas. E eu continuei contando, porque achei que podia.

- Você pode - interrompeu. Tania sacudiu novamente a cabeça.

- Gilbert eu abri rachaduras na armadura, e não parei até ela quebrar. E agora não consigo fazer outra. E sei que essa é uma metáfora horrível que eu já usei antes, mas é a única que tenho. - suspirou profundamente - Eu achei que ninguém podia me amar; não de verdade, não de todos ângulos. Mas você ama, não entendo como ou porque, mas ama. Só que a dor pesa, meu amor, e quanto mais cicatrizes você vê mais difícil é sustentá-la; e se algum dia ficar pesado demais para você, eu não vou mais conseguir segurar tudo sozinha. Então preciso parar de colocar mais peso, entende?

- Não. Não consigo entender.

- Tudo bem - sua voz era um fio - tudo bem - repetiu, fechando os olhos e engolindo em seco.

- Não consigo entender porque não é pesado, Nia; é mais leve. É bom. É confiar. Querida você faz alguma ideia do quanto é incrível a aprender mais sobre você? De como é bom te entender? E saber que posso amar até as coisas das quais você mesma não gosta? Tania Stacy, entre te abraçar enquanto você chora e saber que pode estar sofrendo em silêncio na minha frente, eu escolho a primeira opção sem pensar duas vezes. Se coloque no meu lugar por um segundo, e vai acreditar - ela tentou imaginar. Se esforçou para controlar a respiração.

- ...Eu não conseguiria dormir, comer ou fazer qualquer outra coisa se pensasse que você poderia estar - fungou - com dor e escondendo p-por achar que - soluçou - que poderia me fazer te amar menos - enterrou novamente o rosto na curva do pescoço dele, que a abraçou e afagou seus cabelos enquanto ela chorava alto.

- Tania eu vou exagerar porque preciso mesmo que você compreenda, está bem? - ela assentiu contra o ombro dele - Se algum dia algo terrível acontecesse comigo, e eu tivesse medo, um medo enorme de que as feridas que aquilo deixou fossem te afastar, e todos os dias chorasse e te implorasse de novo e de novo que dissesse que me amava e cuidasse de mim e repetisse que estava tudo bem até perder a voz; isso mudaria o quanto você me ama? Faria você preferir a minha companhia apenas quando eu estivesse bem? Se isso acontecesse, Fadinha, ia querer que eu escondesse de você toda a dor para que a sua vida fosse, talvez, um pouquinho mais fácil?

- Não! - ela precisou se esforçar para não gritar - Não não não não - e continuou repetindo a palavra como um mantra enquanto chorava profusamente e o apertava contra si com cada vez mais força - não diga isso, por favor, por favor, nunca mais repita algo assim, Gilbert Blythe.

Ele não pôde evitar um suspiro de alívio.

- Entendeu? - ela assentiu. Repetidamente. Até que ele parasse sua cabeça com a mão - Eu amo você, Tania Volkova Stacy. E se é mesmo tão pesado assim, não posso em sã consciência permitir que carregue tudo sozinha.

(N.A.: o tanto que eu chorei escrevendo isso aqui é antiético, insultante e inumano. Minha cabeça está doendo)

...

Eles ficaram abraçados pelo que pareceram horas, até que o rastro das lágrimas sumisse das bochechas. Ela nunca mais queria soltá-lo. Nunquinha. Queria fundir seu corpo no dele. Rastejar por suas veias. Se aconchegar dentro de sua caixa torácica. Coisa de gente louca. Expulsou os pensamentos.

Ouviram uma batida na porta e Diana abriu com cautela.

- Oi gente - entrou nas pontas dos pés e fechou devagarinho - tudo bem?

- Tudo. Ficaram com medo de termos sido abduzidos ou coisa assim? - como esperado, foi Tania que disse.

- Ah, não. Imaginamos que talvez estivessem com fome; já são quase quatro da tarde, e acabamos de tomar chá com bolinhos de chuva. Ruby separou alguns para vocês.

- Ruby? - ela se pôs de pé num pulo - Di, ela está bem? Acha que talvez esteja disposta a conversar? Quero muito resolver toda essa bagunça.

- Demos um chacoalhão nela, querida - empurrou-a de levinho para que se sentasse na cama e lhe entregou uma das duas xícaras de chá que segurava na mão esquerda - está tudo bem, hm? - entregou a segunda xícara ao Blythe e colocou o pote de bolinhos no colo dele - Tome o chá, coma os bolinhos e vá para casa descansar. Anne dirá a Marilla que você decidiu passar a noite aqui.

- Obrigada, Diana - apertou a mão da amiga - a tia Amy está bem?

- Ela e Percy estão conversando à beira do riacho já faz um bom tempo, e parece estar tudo bem; falando nisso, preciso levar chá e bolinhos para os dois - beijou a bochecha de Nia e bagunçou os cabelos de Bert, antes de sair e encostar a porta.

A Stacy praguejou de repente.

- O que foi? - alarmou-se.

- Esqueci de enxaguar a tinta, meu cabelo deve estar prestes a cair - se apressou até o banheiro e enxaguou as mechas na água gelada da pia.

Graças a Deus, o universo, os deuses ou a sorte, seu cabelo não caiu. Na realidade, ficou deslumbrante, e ela deu pulinhos de alegria ao se olhar no espelho.

Eles comeram em um silêncio confortável, e foram embora sem se despedir de ninguém; os veriam no dia seguinte, de qualquer maneira.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora