Capítulo 82

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- Você esteve em muitos portos exóticos? - Anne perguntou a Sebastian no jantar - Por favor, nos conte.

- Nova York, Boston, Maine, Jamaica, Brasil, Ilhas Canárias-

- Tem uma favorita?

- A minha ilha, é claro - sorriu para a ruiva.

- Consigo entender. Nosso Panto de Natal é sobre uma ilha mágica.

- Panto?

- Pantomima - Tania explicou, segurando a mão de Gilbert por baixo da mesa. A mão que usava o anél - aquela apresentação teatral em que estamos trabalhando.

- Será maravilhosa - disse Nan com um suspiro sonhador - os figurinos estão fantásticos, graças a Nia e Marls.

- Ah, pare com isso - brincou Marilla.

- Por que eu não tenho um ingresso, Blythe? - Bash provocou.

- Porque você disse que ficaria em casa até a Primavera! - Bert rebateu com um sorriso, fazendo todos rirem.

- Ah, Sebastian, essa gente não compreende o nosso sofrimento - a Stacy disse dramaticamente - quero ver se vão rir quando morrermos de frio.

- Você me entende, Tania Stacy - colocou a mão sobre o coração, acrescentando ao drama, e risadas foram ouvidas.

- Mas pensando bem - Bert voltou ao assunto - você seria de grande ajuda com o cordame; o que me diz?

- Por que não? Adoraria aprender mais sobre essa ilha mágica - sorriu, erguendo seu copo na direção de Anne.

- Um brinde à Ilha - falou solenemente.

- À Ilha - brindou seu copo no dela.

- Feliz Natal - Gilbert acrescentou, erguendo o copo no centro da mesa.

- Feliz Natal - os outros disseram em conjunto, brindando.

...

Mais tarde, deitada em sua cama com as velas apagadas, Tania não conseguia dormir.

Queria dizer a Anne que Gilbert lhe dera o anel, lhe falar sobre como ficara emocionada, contar a história da praia.

Mas também queria muito, muito mesmo, contar a Ruby.

Nos últimos meses, Ruby Gilles virara sua melhor amiga. A pessoa para quem dizia tudo, que ouvia suas ideias mirabolantes para o livro, que passava a aula inteira conversando com ela, que experimentava roupas ridículas em lojas e fazia Nia rir até chorar de suas imitações das velhas senhoras fofoqueiras de Avonlea.

E agora aquilo estava acabado, Ruby a odiava.

- Nan - chamou.

- O quê? - ela também estivera acordada pensando.

- Acha que Ruby vai me perdoar algum dia?

- Acho que ela ama você bem mais do que gosta de Gilbert.

- Isso não responde minha pergunta.

- Você é bem mais importante pra ela do que ele é, Nia; só precisa esperar que ela perceba. Você e Ruby são como eu e Diana, são almas destinadas.

- Não acho que sejamos como vocês. Não estamos conectadas pelo destino, Anne, estamos conectadas pelo acaso; porque um dia ela se sentou do meu lado na carteira e eu disse alguma coisa que a fez rir, e ela decidiu que me queria por perto. Se Ruby tivesse sentado em qualquer outro lugar naquele dia, nós não seríamos amigas; mas se Diana morasse em outro continente, vocês duas acabariam se conhecendo de alguma maneira. Entende o que quero dizer? Ruby só vai me perdoar se ela quiser.

- Acho que eu e você somos almas destinadas, Nia. Afinal, qual é a probabilidade de pararmos no mesmo orfanato e depois sermos adotadas pela mesma família? O universo conspirou para que você fosse minha irmã - a Stacy sorriu.

- Eu amo você, Anne, demais, não há palavra grande ou complicada o suficiente para descrever.

- Eu amo você, Tania. Agora vamos calar nossos cérebros deprimentes e dormir.

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Tania estava deitada no sofá da sala, lendo Razão e Sensibilidade da Jane Austen, quando ouviu alguém abrir a porta, entrar e parar a um metro de distância dela.

Ergueu os olhos devagar e, de pé no meio da sala, estava Perseu Gilles. Um líquido vermelho pingava de seu braço esquerdo.

- Você está sangrando no meu carpete - disse, sem emoção, olhando-o de cima abaixo. Percy piscou devagar e olhou para o braço, como se só naquele momento percebesse estar machucado.

- Estou.

- Por que está sangrando no meu carpete?

- Achei que sangrar no carpete do rei da Inglaterra seria um pouco insultante.

- O carpete dele deve valer mais do que você valeria no Mercado Negro. - concordou - Precisa de ajuda?

- Seria bom - mordeu o interior da bochecha.

Tania marcou a página do livro e o colocou na mesinha de centro cuidadosamente, antes de se levantar e guiar o garoto até a cozinha.

Nia pediu que Percy lavasse o corte enquanto ela pegava o quite de primeiros socorros.

Após se sentar no banco ao lado dele, colocar um balde embaixo de seu antebraço e esterilizá-lo com soro fisiológico, ela analisou o corte.

- Não é fundo. Não precisa de pontos; vou fazer um curativo e te dar um frasco de analgésico. Sua mãe tem gaze em casa? - ele assentiu - Peça para ela fazer um novo curativo todos os dias.

- E-eu não queria que ela soubesse - engoliu em seco.

- Então faça o curativo você mesmo. Não é difícil, veja - prendeu um pedaço de gaze ao lado do corte com esparadrapo, enrolou a gaze ao redor do antebraço dele algumas vezes e a prendeu com mais esparadrapo - lembre-se de lavar com soro fisiológico - sorriu sem mostrar os dentes e o guiou até a porta - como se machucou, afinal?

Perseu abriu e fechou a boca algumas vezes.

- Encontrei meu pai em Carmody.

- Ok - o encarou por alguns segundos - e?

- Por que está sendo tão insensível?

- Você sangrou no meu carpete - argumentou, ainda sem emoção.

- Tania!

- Estou tentando não surtar, Percy - esfregou os dedos na testa - foi muito horrível?

- Eu joguei um saco de farinha nele.

- E aí Clint tirou uma espada do chão e cortou seu braço?

- Ele estava segurando uma garrafa de cerveja quebrada. Trocamos algum socos e a garrafa raspou no meu braço.

- Sinto muito - tocou de levinho o ombro dele - precisa de mais alguma coisa?

- Clint Gilles a sete palmos do chão - ela apertou os lábios - obrigado pelo curativo.

- Vem aqui se precisar de qualquer coisa.

- Pode deixar.

- E, hm...

- Sim?

- Como a Ruby está?

- Deprimida.

- Eu estraguei tudo?

- Ela está com saudades de você.

- Se eu for na sua casa amanhã ela vai me mandar embora?

- Estou certo de que vai te ouvir. Nem está mais triste pelo Blythe; chorou por ele durante dois dias e depois nada mais; só está triste porque você escondeu dela.

- Ah - mordeu o lábio inferior até sentir a pele rasgar e o sangue quente lhe escorrer pelo queixo - tchau.

- Tchau.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora