Capítulo 21

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- Ela se matou. Pulou de um penhasco naquela mesma noite - seus olhos pousaram nos dele por um segundo, mas ela não conseguiu sustentar o olhar por mais do que isso - vou pra casa.

- O quê? Enlouqueceu? Você não pode soltar uma bomba dessas e simplesmente ir embora! - parou na frente dela e agarrou seus ombros - Como assim ela se matou?

- Se matou, Gilbert. Decidiu que estava cansada da vida e se mandou. Assim como eu estou fazendo agora, te vejo amanhã - beijou-lhe a bochecha e correu porta afora, sem nem olhar para trás. Correu, correu e correu mais um pouco. Já havia passado de Greengables fazia tempo, mas nem ao menos desacelerou o passo. Ela correu até chegar à beira de um penhasco, onde vários e vários metros abaixo estava o mar congelado.

Tania fechou os olhos. Ela sentia a brisa gelada congelar seu nariz e jogar seu cabelo para todos os lados, o vento estava tão forte que se ela fosse um pouquinho mais leve, ele a jogaria lá embaixo, e tudo estaria acabado; sem mais dor, sem mais dificuldades, sem aquela saudade avassaladora que perfurava seu coração toda vez que olhava para os cabelos vermelhos de Anne, para os olhos castanhos de Gilbert ou até mesmo para a grama macia que tinha o mesmo tom de verde dos olhos que ela herdara do pai. Tudo a lembrava de sua família, e aquilo frequentemente parecia demais para suportar. Ela não queria se esquecer de seus pais, só queria conseguir pensar neles sem sentir que seu sangue havia sido substituído por cacos de vidro. As memórias que ela guardava com tanto carinho, não lhe traziam mais alegria. Não depois de tudo. As memória felizes, na realidade, eram as que mais doíam.

Tania estava com a mãe no momento em que ela se matou. As duas saíram para uma caminhada noturna até o penhasco, adoravam ir até lá e ficar bem na pontinha, as fazia se sentirem infinitas!

A jovem se lembrava com clareza das últimas palavras da mãe.

As duas estavam deitadas na grama, olhando para o céu e tentando contar as estrelas, quando a ruiva se virou para ela e disse:

- Para que uma estrela nasça, algo precisa acontecer: uma nebulosa gasosa deve entrar em colapso. Você sabia disso? - a garotinha negou com a cabeça - É verdade. Então colapse. Desmorone, minha filha. A dor não é sua destruição. É o seu nascimento - logo depois de dizer aquilo, a mulher beijou a testa da filha, levantou-se, andou até a beirada do penhasco, e pulou. Será que havia se arrependido durante a queda? Ou havia sido seu último suspiro um expiração de alívio?

Tania de vez em quando pensava em fazer o mesmo, mas tinha algo que a impedia, um sentimento escondido, bem no fundinho de seu coração, mas que tinha uma força sobrenatural: raiva.

Por mais que não admitisse, nem mesmo para si mesma, ela tinha raiva de sua mãe. Ela havia desistido, simples assim. Havia deixado a filha, sem mais nem menos, como se ela não valesse nada. Não importava o quanto tentasse, Tania não conseguia perdoá-la; não via sentido no perdão. Aquela noite era o motivo de tudo que a morena havia passado, de suas inseguranças, de suas cicatrizes.

Mas ali estava um paradoxo: ela gostava de suas cicatrizes. Afinal, elas ficaram com ela por mais tempo do que a maioria das pessoas.

Havia mais uma coisa que a impedia de desistir, uma coisa que estava mais em seu cérebro do que em seu coração.

Não era um sentimento, era uma ambição; uma vontade tão grande e desesperada que chegava a gritar.

Que gritava para que ela vivesse.

Todas as pessoas existem, mas quase nenhuma vive.

Tania estava entre a minoria. Ela vivia. Ela sentia tanto, tanto, tanto, que só existir não seria o suficiente.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora