Capítulo 71

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- As vezes acho que você só finge gostar de mim por causa do meu chocolate quente, Bert - Tania brincou, já pegando e lavando canecas e uma panela empoeirada. Gilbert a abraçou por trás e apoiou o queixo no ombro dela.

- Talvez - admitiu, rindo, e deu um beijo molhado na bochecha da namorada - e por causa da sua voz, e dos seus olhos e o seu cabelo e a sua boca e as suas sardas e a maneira como a sua mente funciona e as coisas que você fala e as suas mãos e o jeito que você finge ficar incomodada quando digo coisas fofas e o fato de que suas bochechas estão ficando vermelhas - completou com uma risada.

Nia riu e deitou a cabeça no peito dele, olhando nos seus olhos de cabeça para baixo.

- Eu te amo - disse baixinho.

- Eu também te amo - beijou a testa dela, que se endireitou e voltou a enxaguar as canecas - e amo o seu chocolate quente - completou, fazendo Tania e Bash rirem. Como a risada de Sebastian ainda estava trêmula, Gilbert foi até o antigo quarto do pai pegar casacos no baú.

Nia o observou discretamente até que entrasse no quarto.

- O que eles deram pra vocês naquele navio? - ela perguntou a Bash assim que o Blythe sumiu de vista.

- Muito trabalho, senhorita.

- Trabalho com o quê? Pesos? - ironizou, lembrando-se de como o aperto de Gilbert em sua cintura estava mais firme. E de como os músculos da barriga dele estavam definidos.

- Coisas pesadas - ele assentiu, rindo do olhar distraído da Stacy.

- Meu Deus - ela murmurou, ainda indignada com o quanto Bert estava forte. Ao perceber que ele estava demorando, foi até o antigo quarto de John e encontrou o namorado em frente ao baú aberto, olhando para um suéter cinza - está tudo bem? - ele teve um leve sobressalto.

- Sim - disse, mas a maneira como enterrou o rosto no pescoço dela e apertou seu torso dizia o contrário.

Tania correu os dedos pelo cabelo dele e beijou o canto de seu rosto.

- Não precisa estar - sussurrou, porque ela sabia que doía ver as coisas antigas dos pais e saber que eles nunca as usariam de novo.

Estranhando a demora, Bash foi até o quarto, mas parou no batente ao encontrar os dois abraçados.

Tania continuou acariciando o cabelo e as costas de Gilbert por treze segundos, o tempo que ele levou para se recompor e notar que Sebastian estava ali.

Ele caminhou devagar até o amigo, o irmão, e lhe entregou o suéter.

- Meu pai ficaria feliz por isso ser apreciado - disse, lembrando-se da vez em que uma Tania de pouca idade estava ali para jantar e reclamou de frio, e John embrulhou aquele casaco nela, que, aos onze anos, era pequenina o suficiente para ser quase engolida pela lã - e você está patético - acrescentou, rindo de como os dentes do homem batiam.

- Obrigado, senhor Blythe - Bash disse solenemente em direção ao teto, e vestiu rapidamente o suéter.

Os três voltaram para a cozinha e, a meio caminho da despensa, se lembraram de que estava vazia.

- Querem ir até Greengables? - Nia sugeriu - Deveriam ficar para jantar também, e vão precisar ir à cidade fazer compras amanhã se não quiserem fazer todas as refeições em Greengables pelo resto do inverno.

Sebastian ficou um pouco relutante com a ideia de sair dos cobertores, mas Tania garantiu que haviam edredons tão quentes quanto aqueles na casa dela, e o único momento de frio seria a caminhada até lá.

Em meio a reclamações de frio de Nia e Bash e risadas de Bert, eles foram até Greengables.

Sebastian entrou primeiro, ansioso para sair da nevasca, e Gilbert e a namorada vieram atrás, dividindo o casaco do garoto.

- Boa tarde, Marilla - Blythe cumprimentou alegremente.

- Gilbert! Bem vindo de volta, eu estava mesmo querendo falar com voc- travou ao notar Bash - olá - disse - temo que não tenhamos sido apresentados - o olhou de cima abaixo, estranhando; jamais conhecera uma pessoa de cor.

- Me chamo Sebastian, trabalhei no navio com o Blythe - ofereceu a mão para Marilla, que a apertou hesitante.

- Ora, mas você está congelando! - disse imediatamente - Tania, por que não pega um cobertor para este pobre homem? - a Stacy sorriu. Os instintos cuidadores da Cuthbert venciam o receio.

Devagar, não querendo se afastar do calor do abraço de Gilbert, ela foi até o baú da sala pegar dois edredons.

Ao voltar, enrolou um em Bash e um em si, logo voltando para os braços do namorado.

- O que queria falar comigo, senhorita Cuthbert?

- Ah, sim. Gostaria de passar o Natal conosco? - Nia se apertou mais contra Bert, que beijou o topo da cabeça dela - O seu amigo também está convidado, é claro.

- Eu adoraria, muito obrigado pelo convite - pensou em perguntar se Sebastian concordava antes de responder, mas o jeito que os olhos dele brilharam ao ver pimentas na despensa aberta já era resposta.

A conversa foi substituída por gargalhadas vindas do andar de cima. Tania identificou as risadas de Anne, Cole e Diana.

- Cole e Di estão aqui?

- O menino dos Mackenzie veio pegar alguns retalhos para usar na decoração da Pantomima de Natal que vocês vão fazer, e Diana trouxe vestidos para experimentar.

Nia arrastou Bert escadas acima, e os dois pararam no batente do quarto dela, ao se depararem com a seguinte cena:

Diana, com um vestido azul-petróleo cujas mangas bufantes eram maiores que a cabeça dela; ao seu lado estava Anne, usando uma cartola e, ao lado dela, estava Cole, com um vestido branco e uma coroa.

Por alguns segundos, todos apenas se encararam de olhos arregalados, e então, como se tivesse sido combinado, caíram na gargalhada.

...

Ao invés de jantar em Greengables, Gilbert e Bash levaram uma caçarola para a casa do Blythe para comer lá.

Na saída, Bert não resistiu e puxou Tania para um canto.

- O que acha de ir lá em casa amanhã? Precisamos conversar, quero saber de tudo que você não me contou por cartas, e estou certo de que foi bastante - ergueu a mão esquerda dela e beijou a palma, que estava marcada por uma cicatriz suave causada pela vara de marmelo do professor Philips. Bert não sabia como ela fora parar ali. Nem que Percy havia voltado. Nem de como Tania as vezes ficava muito triste sem nenhum motivo aparente. Ele não sabia de nada ruim, basicamente.

- Desculpe por não ter contado tudo.

- Tudo bem, não estou reclamando - deixou mais um beijo no pulso dela, antes de abraçá-la - só quero saber como foi o seu ano.

- Também quero saber como foi o seu - ela disse, separando o abraço para selar seus lábios nos dele - estou certa de que foi maravilhoso.

- Foi. Gostaria de repeti-lo um dia - Nia sentiu como se tivesse levado um soco no estômago - com você, é claro. Não consigo ficar sem você de novo. Nunca mais - ela suspirou de alívio e o beijou mais uma vez - também temos muito cafuné para colocar em dia - acrescentou em tom brincalhão ao sentir os dedos da namorada correndo pelo próprio cabelo, e voltou a beijá-la. A Stacy sorriu, e não se perguntou se poderia fazer aquilo de acordo com a 'etiqueta do beijo', porque sabia que Bert a amava, e só aquilo importava, pelo menos por alguns segundos.

- Te amo.

- Te amo - esfregou o nariz no dela, beijou sua testa e foi embora.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora