Capítulo 111

191 33 0
                                    

- Fadinha - Gilbert abriu um sorriso curto e hesitante, que ela devolveu, nervosa.

- Oi, Bert - soltando o ar, ele se apressou até Tania e levou a mão a seu rosto, mas parou a poucos centímetros, esperando permissão. Ela apoiou a bochecha gelada na palma macia dele, fechando os olhos por um segundo. Sentiu a testa dele encostar na sua, seus narizes se tocarem, mas afastou-se antes dos lábios roçarem; reconciliação primeiro, depois o beijo. Sem dizer mais nada, entrelaçou sua mão livre na do namorado e o guiou até seu quarto.

Mathew, Anne e Marilla nem questionaram; aqueles dois tinham o hábito irritante, mas fofo, de esquecer que haviam outras pessoas no recinto quando estavam juntos.

Eles subiram as escadas em silêncio, a passos cuidadosos, e fecharam a porta do quarto.

Ao estarem sentados na cama, as pernas cruzadas, um de frente para o outro, ele foi o primeiro a dizer alguma coisa.

- Sinto muito mesmo por ter ficado irritado ontem. Me perdoa? - as pontas de seus dedos estavam quase encostando nos nós dos dela.

- Sim. Claro. - esticou os dedos, que tocaram nos dele - Desculpe por dizer que você não deveria fazer o estágio.

- Desculpe por não te escutar - segurou as mãos dela, buscando seus olhos, que encaravam com afinco o colchão.

- Sinto muito por deixar a dor me controlar - Gilbert apertou as mãos da Stacy - eu fujo quando algo me machuca, e acabei sugerindo que você fizesse o mesmo; por acidente, juro. Peço perdão.

- Eu fiquei com raiva porque você estava certa. Foi horrível entrar naquele consultório de novo. Mas mantenho minha posição, vale a pena. Eu aguento.

- Sei que sim. - correu os dedos pelos dele, por todas as elevações e dobrinhas, e os beijou - Eu amo você, Gilbert Blythe.

- Eu amo você, Tania Stacy. E vou amar mais ainda se olhar para mim - ela soltou uma risada solitária, respirou fundo e ergueu os olhos. Bert soltou uma das mãos dela para tocar sua têmpora e acariciar seu cabelo e ali, naquele momento, com ele, Nia estava completamente vulnerável.

Aquilo ficava mais frequente conforme o tempo passava, conforme eles se aproximavam. De repente, Tania olhava para o Blythe, aceitando o toque do qual tanto costumava fugir, e parecia completamente exposta, como se seus olhos fossem uma janela aberta para o coração. Ele gostava muito daqueles momentos.

Gilbert era dela o tempo inteiro, mas ela só era dele por alguns segundos, por uma brechinha nos instantes mais inesperados: quando estavam abraçados e ela se permitia segurá-lo com uma força um pouquinho maior do que seria necessário, quando ele estava falando sobre algo de que gostava e ela se perdia na covinha de sua bochecha, quando estavam lendo e suas respirações sincronizavam, quando davam as mãos e sentiam aquele pequeno choque térmico, pois as dela estavam sempre frias e as dele, sempre quentes.

- Então estamos bem?

- Estamos - Bert garantiu com um sorrisinho, fazendo menção de puxá-la para perto; Nia, que estivera apenas esperando a confirmação de que podia, afundou no peito dele em um abraço apertado.

--------------------------------------------------------

Alguns dias depois.

Tania e Gilbert estavam sempre juntos, eram uma pessoa só àquele ponto. Então, quando ela disse que iria pintar na casa de Cole, ele simplesmente colocou alguns livros e canetas em uma mochila e a acompanhou.

As aulas estiveram suspensas na última semana, pois seja lá quem fosse ensinar na escola de Avonlea precisava daquele tempo para se acomodar na nova casa. Nas noites de sexta e sábado aconteceriam apresentações no teatro de Charlottetown, então as bailarinas ganharam a quinta de folga pela primeira vez em semanas; como Nia estivera ocupando suas manhãs com estudos e escrita, e as tardes com ensaios e costura, não pintava a o que parecia uma eternidade, então aproveitaria o dia livre.

Passaram o caminho até a fazenda dos Mackenzie refletindo a fundo demais o fato de mulheres usarem vestidos e saias.

Bert confidenciou que quase enlouquecera na Pantomima, quando a Stacy havia usado calças pela última vez, e ela lhe deu um empurrão. Ele acrescentou que assistir aos ensaios dela era tortura por não poder agarrá-la e, ao dizer isso, obviamente, a agarrou.

Ainda arrumando os cabelos e entre risadas ofegantes, Tania explicou que na realidade os moradores do campo ainda eram um pouco retrógrados e que, se ele prestasse atenção, veria diversas mulheres usarem calças em Charlottetown e em Carmody.

Gilbert brincou que adoraria experimentar uma saia a qualquer dia, e ela respondeu muito séria que ele ficaria lindo. Entretanto, como eles eram melhores amigos antes de qualquer coisa, acrescentou que pisaria na barra para fazê-lo tropeçar.

Nunca perderam a mania de apostar corrida: a alguns metros da casa do amigo, se puseram a correr o mais rápido que conseguiam. Nia também nunca perdeu a mania de trapacear e, ao perceber que estava ficando para trás, puxou a mochila dele, fazendo-o cair de bunda no chão, que estava cheio de lama devido à neve recém derretida. A garota riu até perder o ar, e ele jogou lama na cara dela, que não pôde fazer nada além de rir ainda mais.

Bateram na porta sujos e sorridentes, e Cole apenas ergueu as sobrancelhas e lhes ofereceu um pano ao ver seu estado.

...

Bert encontrou um pedacinho do chão que não estava coberto de tinta e espalhou seus livros ali, enquanto sua namorada e o amigo se estabeleciam no canto oposto do cômodo.

O reabastecimento daquele mês trouxera algo que assustava Cole: uma tela de 1,5x2 metros. Como conseguiria pintar aquela monstruosidade?

(Apesar de estar decididamente focado em esculturas, ainda não desistira da pintura. A escultora que havia conhecido na festa lhe dissera que trabalhar com argila estabilizava os punhos, e ele estava contando com aquilo.)

Ele e Tania decidiram pintá-la juntos, mas ainda não faziam ideia de o quê pintar, então deixariam para outro dia. Naquele dia, ela queria pintar a festa da tia Jo, então apoiou uma tela grande na parede, pegou pincéis de todos os tamanhos e tintas de todas as cores, pois ainda não se decidira em relação à paleta e ao estilo da pintura, e pôs-se ao trabalho.

O Mackenzie optou por tentar algo abstrato: já que ainda não conseguia fazer detalhes precisos, abraçaria sua dificuldade.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora