Capítulo 76

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Sua cabeça estava apitando, quase como uma sirene de emergência, avisando que ela havia falado demais, que estava em perigo.

- Shhh - Gilbert sussurrou no ouvido de Tania, abafando a sirene - escute meu coração, querida. Consegue estalar os dedos no ritmo dos batimentos?

Nia não percebera, mas estava tremendo um pouco. Mas Bert percebeu, e acabou por sugerir que ela fizesse algo que sempre o acalmava: lembrar que seu coração batia por ela assim como o dela batia por ele.

As palmas da Stacy estavam cobertas por um suor frio que dificultava o ato de estalar os dedos, e ao sentir a umidade ela precisou de desencostar do peito de Gilbert para olhar para as próprias mãos e confirmar que não estavam ensanguentadas. Não estavam. Ela as limpou na saia mesmo assim.

Ao perceber sua dificuldade, Bert pegou a mão dela e apertou algumas vezes. Acatando a sugestão, ela passou a apertar os dedos dele sempre que seu coração batia.

Depois de alguns segundos, a tremedeira diminuiu e o Blythe relaxou, respirando fundo contra o cabelo dela.

- Obrigada - murmurou contra a clavícula dele.

- Não precisa agradecer - tirou as mãos de dentro da camisa dela para segurar seu rosto e fazê-la olhar para si - está tudo bem?

- Tudo - garantiu, também fazendo carinho nas bochechas do namorado.

- Você estava tremendo - insistiu.

- E agora não estou mais.

- Está sim - tirou a mão dela do próprio rosto, e dava pra ver que os dedos estavam trêmulos.

- É o frio - deu de ombros. Gilbert beijou-lhe os nós dos dedos.

- Promete? - Nia assentiu. Era só o frio. Só isso - Está bem - os dois continuaram se olhando por alguns segundos, até ele passar seus braços ao redor da cintura dela e levantá-los.

Quando ambos estavam de pé, Bert a guiou até o quarto dele e a colocou na cama, empurrando seu peito de levinho com as pontas dos dedos para que se deitasse, antes de se ajoelhar no chão ao lado dela e começar a brincar com seus cabelos.

- Não quero dormir - Nia disse.

- Você adora dormir. Principalmente no Inverno.

- Não gosto mais.

- E o que mudou sua opinião? - Gilbert abriu um sorriso divertido ao constatar que ela soava como uma criança que estava claramente exausta mas não queria parar de brincar com os irmãozinhos.

- Não quero ter pesadelos.

- Você sempre teve pesadelos, querida - Tania se irritou; ele não entendia, não estava nem tentando entender.

- Mas antes eu conseguia parar de pensar neles. Não posso dormir, Gilbert, não mesmo - se sentou, pois estava sentindo seus olhos pesarem.

- Teve algum pesadelo enquanto dormia no sofá mais cedo?

- Aquilo foi apenas um cochilo. Por que quer tanto que eu durma?

- Porque você está parecendo um panda, meu amor. Não me lembro da última vez que a vi tão cansada.

- Estou bem, Blythe - mas não teve forças para resistir quando ele a empurrou novamente para se deitar - já disse para não se preocupar.

- E eu já ganhei essa discussão - rebateu.

- Não ganhou porcaria nenhuma - murmurou - e eu não estou dormindo, estou apenas descansando os olhos - falou quando estes se fecharam contra a sua vontade.

- Tudo bem, Fadinha - Nia sentia o sorriso na voz do namorado enquanto ele se levantava. Ela estendeu um braço e sacudiu a esmo, tentando agarrar o pulso dele - o que foi? - segurou sua mão para fazê-la parar.

- Coberta - resmungou. Um edredom pesado a envolveu, e ela se aconchegou - Bert?

- Hm? - perguntou parado à porta.

- Fica? - ao invés de responder verbalmente, Gilbert subiu na cama, entrou embaixo do cobertor e passou os braços ao redor da cintura de Tania, apertando as costas dela contra seu peito - Pode continuar aqui até que eu acorde?

- Uhum - esfregou o nariz na nuca dela e deixou um beijo ali - posso continuar aqui para sempre.

...

Na escola, Cole se equilibrava no topo de uma escada para pintar um pedaço do cenário da Pantomima. Já havia pintado 1/4 do que deveria quando Billy Andrews, que carregava algumas tábuas de madeira, passou por ele, batendo as tábuas na escada 'por acidente'. Cole oscilou de um lado para o outro, tentou se segurar, mas a escada caiu com tudo, e o levou junto.

O garoto atingiu o chão com um berro de dor, fazendo todos se reunirem ao seu redor. O pulso dele estava dobrado de maneira preocupante e seu rosto se avermelhava conforme ele se esforçava para respirar. Billy pedia mil desculpas e mais um pouco, e Ruby lhe olhava feio.

O Mackenzie foi levado às pressas até o médico, e saiu de lá com o braço engessado.

Mas eles tinham outro problema:

Como terminariam de fazer o cenário se ninguém ali conseguia pintar?

...

Diana bateu na porta da casa do Blythe na esperança de ser recebida por Tania, que não estava em Greengables. Ao invés disso, a porta foi aberta por um homem adulto de olhos grandes e pele castanha, e a Barry precisou se esforçar muito para conter uma exclamação. Para Diana, Bash era tão comum quanto um alien esverdeado.

- C-com licença, senhor - sua voz afinou ao fim da frase - Gilbert está?

- Boa tarde, senhorita - Sebastian disse, cordial - ele está lá em cima.

- Poderia chamá-lo, por favor? - ela ainda gaguejou um pouco. O que uma pessoa de cor fazia em Avonlea?

- É claro! Gostaria de entrar? Está congelando.

- Vou esperar aqui, obrigada - sorriu constrangida.

Bash subiu as escadas e, ao encontrar a porta do quarto de Gilbert aberta, entrou.

- Blythe, uma garota me pediu para cham- calou-se ao perceber que Tania dormia, passando a falar aos sussurros para Bert, que corria os dedos pelo cabelo dela - uma garota me pediu pra te chamar - o jovem franziu a testa.

- Quem?

- Não perguntei o nome. Parece ter a idade de vocês, mas bem mais dinheiro. Está com um vestido que vale mais do que meu guarda-roupa inteiro.

- Diana - concluiu. Já estava se levantando quando olhou para Nia; "fica até eu acordar?". Será que deveria acordá-la? Ela parecia tão relaxada. Não, Tania ficaria irritada se ele a acordasse quando estava dormindo tão bem. Blythe beijou a têmpora dela e saiu da cama, acompanhando o amigo até o andar debaixo, onde Diana Barry se encontrava de pé no batente da porta, rangendo os dentes de frio - Di! O que está fazendo aí fora? Vamos, entre - fechou a porta quando ela entrou - do que precisa?

- Tania está aqui?

- Sim, está lá em cima.

- Poderia chamá-la? - Gilbert abriu a boca e a fechou.

- É mesmo necessário? - não queria acordá-la.

- Sim. Precisamos que ela pinte o cenário da Pantomima.

- Achei que Cole estivesse fazendo o cenário - franziu a testa. Nia já estava encarregada de coreografias e figurinos, não poderiam ter lhe dado mais um trabalho, poderiam?

- Ele estava, mas caiu da escada e machucou o pulso.

- Ele está bem? - alarmou-se.

- Sim, já foi ao médico e colocou gesso. Mas agora precisamos de outra pessoa para pintar e eu não tenho tempo ou habilidade suficientes e..

- Tania é a única que consegue - completou com um suspiro.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora