Capítulo 41

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Naquela tarde, quando descobriu que Jerry jamais havia aprendido a ler, Anne decidiu ensiná-lo ela mesma.

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No barco, na hora de dormir, Gilbert nem tinha começado a cantar a música quando Bash o repreendeu.

- O fiscal não é o único que não gosta dessa canção.

- Eu só estava me divertindo - deu de ombros.

- Bem, então pare.

- Você está certo, o fiscal é um alvo fácil.

- Não é por isso.

- O que há com você?

- Eu trabalho com isso a dez anos. Mais. É tudo o que tenho. Não serei promovido, não passo disso. E não tem nada pra mim em terra firme. Você é um garoto branco, tem opções. Você é um turista, Blythe. Eu preciso disso. Não me faça perder esse emprego, entendeu?

- Claro - Gilbert respondeu, novamente, como no dia que havia deixado Avonlea, sendo abatido pelos problemas de pessoas que não eram privilegiadas como ele - me desculpe - deitou-se em sua rede, ainda refletindo.

- E você canta muito mal, a propósito.

- Na sua opinião! - riu.

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- Ahhh - suspirou Anne - este não é o dia mais lindo de todos que já existiram? Sou tão feliz por viver em um mundo onde há Outubros, vocês não? - sua alegria era contagiante enquanto a pequena família Cuthbert ia de Charrete até a praia - ainda estou tentando entender porque vocês não foram mais à praia desde que Tania era criança.

- Nunca parei pra pensar niss-

- Nunca pensou nisso? - rebateu Anne indignada.

- Não encontramos uma oportunidade, eu acho - explicou Mathew.

- Mas vocês tiveram todas as oportunidades! - insistiu - Por 4 anos! Eu amo muito vocês três, mas isto é sem dúvida um mistério. Um mistério! - Tania não gastou saliva para expor que já havia matado aula algumas vezes ao longo dos anos para ir até ali - Tenho desejado ir à praia todos os dias dos meus 14 anos mas nunca tive a chance. Mal posso esperar para descobrir o que nós estivemos perdendo, pois estou certa de que temos perdido muito! - aí elas viram o penhasco.

- Pare - pediu Tania, olhando para Anne, sorrindo marota - para a charrete, pare!

- Qual o problema? - as duas desceram do veículo, deram as mãos e saíram correndo, sem nem mesmo olhar para trás quando Marilla as chamava, sorrindo como crianças travessas, até a beirada do penhasco, que dava no mar congelante lá embaixo. Exatamente como o penhasco do qual a mãe de Tania havia pulado, mas a milhares de quilômetros de distância. O mesmo penhasco para o qual correra quando contou a Gilbert sobre "a coisa da tremedeira". Ela lembrava-se vividamente de sugerir que eles vivessem ali para sempre, virassem dois velhinhos excêntricos dos quais as criancinhas teriam medo. Deuses, como ela estava com saudade dele.

Elas ficaram paradas na beirada, sentindo o vento balançar seus cabelos e sorrindo para o nada, como se não tivessem uma única preocupação na vida.

Então Anne acenou para Mathew e Marilla, e elas logo voltaram correndo para a charrete, extasiadas.

...

Enquanto Anne ajudava Mathew a estender o lençol na areia, Tania já tirava o vestido para ficar apenas com o mais simples dos seus, recentemente adquiridos, muitos collants de ballet; ela havia chegado a conclusão de que eram a vestimenta mais apropriada para nadar, de maneira que também emprestara um antigo para ruivinha.

- Isso não é glorioso? - a citada jovem perguntou, admirando o mar, antes de tirar o vestido e puxar a irmã adotiva para o mar, rindo sem reservas.

- Meninas? O que estão fazendo? Voltem aqui! Anne! - ela sabia que Tania conseguia nadar, mas Anne nunca fora ensinada - Mathew, detenha-as, é perigoso! Anne, volte aqui neste instante! - a garotas apenas riam, jogando água uma na outra.

- Entrem! Entrem, é maravilhoso! - suas bochechas doíam de tanto sorrir. Seguindo as ordens de Marilla, Mathew, agora só de roupas debaixo, foi atrás das meninas, também entre risadas.

- A água está bem gelada, não?

- Está perfeita! - gritou Tania que, mesmo sendo friorenta, não poderia ser incomodada na praia. Ela e Anne estavam indo cada vez mais fundo, a água já batia em seus quadris.

- Mathew, volte aqui!

- Entre - convidou à irmã, que apenas se atreveu a tocar as ondas com as pontas dos pés.

- Não seja tolo!

- Entre Marilla, vamos nadar - Tania insistiu. Marilla subitamente não estava mais rindo.

- Anne! - berrou desesperada, apontando para onde, um segundo atrás, estava Anne.

- Oh céus - a morena apressou-se em mergulhar, tateando a esmo pela irmã, e conseguiu agarrar a mão dela, que havia ido além de onde seus pés alcançavam a areia.

Ela puxou para fora da água uma ruivinha risonha, que, para o grande alívio de todos, não havia se afogado.

- Fiquei tão entusiasmada, que esqueci que não sei nadar - riu-se Anne, sendo acompanhada por Tania. Como era avoada aquela menina!

- Ela está bem? - Marilla gritava - Anne, você está bem?

- Estou bem - acenou alegremente, e a mulher permitiu-se sorrir de volta.

Mathew e Tania então fizeram um esforço conjunto para ensinar a Shirley a nadar, e em alguns minutos tiveram sucesso.

...

Embrulhadas em toalhas felpudas e sentadas sobre a areia macia e gelada, as jovens Cuthbert se deliciavam com queijo e torradas.

- Será que podemos comprar o Meia-noite de volta com o dinheiro da colheita? - a Stacy pediu esperançosa, e Anne assentiu vigorosamente.

- Tenho certeza de que teremos o suficiente - Mathew sorriu para elas, que soltaram exclamações de animação.

- Amei esse lugar - Nan murmurou, olhando para o mar. Com delicadeza, Tania puxou-a pela mão até lá - eu adoro olhar pelo horizonte e imaginar todos os lugares que existem além dele, e todas as possibilidades.

- Amo essa palavra; possibilidades - disse pausadamente, enunciando as letras - me dá tanta expectativa - sorriu para o horizonte.

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Do Oceano Atlântico, Gilbert sorria de volta, aproveitando intervalo para admirar as águas esverdeadas tão sólidas e inquietas. Como os olhos esverdeados e inquietos dela.

Por que tudo o lembrava de Tania?

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- Eu não posso falar sobre isso! - Tania ouviu Nate gritar no dia seguinte, e foi logo correndo até o quarto dele, onde o encontrou conversando com Anne, que segurava o livro de geologia aberto no capítulo sobre ouro - Me desculpe - ele pediu para a menina, ao ver que a morena lhe lançava um olhar mortal, parada no batente da porta - é só que.. eu estou num dilema moral - disse baixinho - logo vou saber o que fazer - olhou de esguelha para a Stacy, que agora encarava com discreta curiosidade - quero, acima de tudo, fazer a coisa certa. Pode compreender?

- Posso, mas- Nate pegou a mão dela com suas duas, e Tania crispou-se.

- Preciso que guardem esse segredo, até eu resolver as coisas - olhou para Tania em um implorar silencioso, e ela apenas assentiu - e acabar com esse tormento no meu coração - tormento era algo que as duas entendiam - podem fazer isso? - sussurrou, olhando profundamente nos olhos de Anne, que assentiu - Shh - tocou os lábios com o dedo indicador, e a garota repetiu o ato.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora