Capítulo 26

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- De onde você tirou isso? - riu - "você é o objeto da minha afeição e desejo" - zombou, tentando não pensar no fato de que estava extremamente corada.

- De um poema que meu pai escreveu pra minha mãe - ela ficou imediatamente séria.

- Por que não me disse isso antes de eu rir? - reclamou - Poxa Gilbert, me sinto uma pessoa horrível - o garoto sorriu fracamente.

- Eu sabia que você ia achar engraçado - deu de ombros.

- Não acho mais - disse, indignada consigo mesma por ter rido daquilo.

- Tem um livro de poemas na verdade, esse era o mais fofo, os outros são bem tristes e.. diretos.

- Diretos?

- O primeiro é literalmente: 'Para Beatrice _ Querida, adorada, morta'.

- Caramba - (Nota da autora: se querem saber quais são os outros poemas do livro, pesquisem "poemas de Lemony Snicket" no Google. Eu sou uma grande fã de Desventuras em série, e achei legal colocar uma referência aqui. Ps: se você nunca assistiu Desventuras em série, assista! Ps2: se já assistiu, você é legal :), eu gosto de ti). Os dois ficaram algum tempo em silêncio - sente falta dela?

- Eu nunca a conheci.

- Não foi essa a pergunta - insistiu. Gilbert pensou por um segundo.

- Sinto. É estranho que eu sinta saudade?

- Não. Nem um pouco - se aproximou dele e pegou sua mão - eu não consigo nem imaginar como teria sido não conhecer minha mãe - sorriu suavemente - você lembra dela? O sorriso ou algo assim? - ele assentiu, o canto de sua boca subindo um pouco enquanto seus olhos se enchiam de água - Do que lembra?

- Da voz dela, dizendo que me amava - fungou - acho que foi a última coisa que ela disse - uma lágrima escorreu por sua bochecha. Esta que foi seguida por outra. E mais uma. E logo ele estava chorando pra valer. Tania o abraçou e lhe deu um beijo no topo da cabeça.

- Desculpe, eu não queria te fazer chorar - sussurrou, passando a mão pelos cachos curtos.

- Tudo bem - disse baixo, enterrando o rosto no ombro dela e enrolando os braços em sua cintura, enquanto respirava fundo o cheirinho de chuva que ela, por algum motivo, sempre emanava, mas também um aroma leve de café coado - você está com cheiro de café.

- Tenho vivido à base de café nos últimos dias - apoiou o queixo no topo da cabeça dele e suspirou, apertando-o mais forte. O choro dele só aumentava, e Tania temia que fosse demorar a parar.

...

Os dois continuaram abraçados em silêncio por horas, chorando até a cabeça doer com a tristeza absoluta que preenchia não só o Blythe, como também a Stacy. John havia sido um homem incrível, e muito importante para ela; ele o filho eram uma enorme fonte de alegria para a garota, a ajudaram em momentos que nem sabiam que ela precisava de ajuda. Ele fazia o bem sem esperar nada em troca, e animava a todos que estivessem por perto. John Blythe era uma enorme perda para o mundo.

...

Os dois já haviam parado de chorar e respiravam calmamente, abraçados um ao outro.

- Tania - o jovem chamou em tom cauteloso.

- Gilbert - ela devolveu.

- Eu sei que isso não muda nada, mas.. do fundo do meu coração, eu sinto muito. Por tudo que aconteceu com você no orfanato e antes de lá - levantou a cabeça do colo dela para olhar para seu rosto, que ainda tinha um tom avermelhado.

- É, eu sei - sorriu fracamente - obrigada.

- Falo sério - a menina teve vontade de desviar o olhar, mas as íris castanhas dele eram tão intensas que ela não conseguiu - eu não consigo nem imaginar passar por um terço do que você me contou, e te admiro muito por continuar sendo uma pessoa incrível, mesmo carregando toda essa dor - ele colocou uma mexa do cabelo dela atrás da orelha - e quero que você saiba que eu estou aqui. Pode falar comigo ou não, mas eu estou aqui pra você sempre que precisar - os olhos dele não saíram dos dela nem por um único segundo, e Tania quase caiu novamente no choro.

...

Gilbert foi embora pouco antes da hora do almoço, achando que já tinha "incomodado" demais, mas é claro que nenhum dos habitantes de Greengables pensava assim. Tanto Marilla quanto Tania tentaram convencer o menino a ficar mais um pouco, e lhe garantiram que ele era bem vindo, mas não adiantou muito.

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O dia do funeral havia chegado.

Toda a Avonlea já tinha recebido a notícia da morte de John, e o luto coletivo se espalhou pela comunidade.

Todos estavam vestidos de preto enquanto andavam até a casa do Blythe lentamente sobre a neve branquinha, e aquela cena causou a Tania tantos flashbacks que ela se perguntou se estava no presente ou se havia acidentalmente se tele transportado para o passado.

Gilbert andava na frente com o padre, logo atrás da charrete que levava o caixão de John. Tania queria ir até lá e ficar ao lado dele, mas Marilla disse que seria melhor não.

- Não se perturbe o vosso coração - disse o padre. Como se os corações de todos já não estivessem profundamente perturbados - crede em Deus, crede também em mim. Na casa de meu pai há muitas moradas; não fora assim eu vos teria dito, pois eu vou prepará-los um lugar, e depois de ir e preparar um lugar, voltarei e tomar-vos-ei comigo, para que onde eu estou, também vós estejais - ela odiava aquilo. Odiava aquele papo de "agora ele está em um lugar melhor" e " tudo tem um motivo". Não tinha um motivo, a morte de John Blythe era injusta, errada, e todos tinham completo direito de pensar daquela maneira, de questionar as ações do destino; não é só porque aconteceu que deveria acontecer.

Tania e Anne começaram a seguir em direção a Gilbert, mas a ruiva perdeu a coragem na metade do caminho, virando-se e indo até onde os Cuthberts estavam, já indo rumo à casa, assim como todos. A Stacy continuou andando cautelosamente até o menino, que se sentou em um banquinho de pedra ao lado do pequeno cemitério da família Blythe.

A morena se sentou do lado dele, em silêncio. O garoto fungou.

- Como você consegue? - ele perguntou, sem olhar pra ela.

- Consigo o quê?

- Parece impossível - explicou - existir quando ele não existe mais - olhou para o céu, branco como leite.

- Bert - ela chamou, pegando a mão dele suavemente e a levantando. Um pequeno pontinho branco caiu na palma virada para cima - está vendo esse floco de neve? - sussurrou. O menino assentiu, enquanto ela apoiava o queixo no ombro dele. O pontinho branco derreteu em contato com a pele quente, escorrendo devagar até cair no chão - Ele virou água e caiu - tocou o rosto do Blythe, fazendo-o olhar para ela - isso significa que deixou de existir?

- Não - Gilbert disse em um fio de voz.

- Imagine que seu pai é esse floquinho de neve - falou - você não está mais vendo ele, e é impossível achá-lo nesse montão de neve no chão, certo? - o menino assentiu - O floquinho de neve ainda pode te ver.

- Neve não tem olhos - ele disse e ela riu.

- Seu pai tem olhos. E está usando eles pra olhar pra você, onde quer que esteja - tocou com cuidado o nariz vermelho pelo frio - não é porque você não pode vê-lo que ele não está mais aqui - manteve o olhar firme, torcendo para ter dito a coisa certa e não piorado tudo. Gilbert desviou os olhos, não conseguindo mais segurar o choro. Tania o abraçou.

- Desculpe - pediu - estou te fazendo passar frio - ela deu risada.

- Essa é a última coisa que me importa - se afastou - quer ir lá pra dentro? - ele assentiu - vem - a garota se levantou, puxando-o pelas mãos.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora