A vida de Aisha

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Aisha nasceu em 1986 em uma região ao norte do Afeganistão. Naquela época o seu local de vivência era controlado por grupos tribais que tinham características religiosas e culturais conservadoras, especialmente com relação ao tratamento realizado pelos homens para com as mulheres.

A maioria da população daquele país é pertencente a religião mais consolidada nos países Árabes e os aspectos religiosos e históricos influenciam intensamente no cotidiano dos moradores, que possuem uma visão mais rígida quanto a interpretação do livro sagrado.

O seu pai, Mohamed, era um jovem mercador que comprava e vendia produtos nos vilarejos da região. Durante boa parte do dia, ele viajava com os seus animais levando mercadorias para as vilas mais próximas, onde realizava trocas, através de escambo e também vendas em dinheiro.

Na região de vivência de Aisha a população era muito conservadora e violenta, especialmente na relação dos homens para como as mulheres e crianças, que eram disciplinadas constantemente pelos seus pais, sempre seguindo os dogmas conservadores da cultura vigente.

Aisha perdeu a sua mãe ainda no parto e foi criada exclusivamente pelo seu pai na maior parte de sua vida, até que tivesse idade para se casar. Ainda quando bebê o seu pai, para trabalhar, teve que contratar uma pessoa, que cuidou dela nos primeiros anos de vida.

Ao chegar na idade de apenas 6 anos, essa cuidadora foi dispensada e Aisha ficou responsável por todos os cuidados de sua casa, sem a possibilidade de cometer pequenos erros, pois o seu pai era extremamente conservador, nervoso e disciplinador, a punindo constantemente fisicamente, em caso de qualquer pequeno equívoco.

A violência contra as crianças naquela região era muito comum e as famílias eram sempre muito disciplinadoras em suas ações, fazendo com que mulheres e crianças fossem muito submissos aos mais velhos do grupo familiar, que no caso do homem, era o mandante daquela casa e decidia quem seria punido e a forma da punição. A relação do homem para com os demais moradores da casa, pela própria tradição local, era de dominação total.

Aisha viveu em sua casa, praticamente sem sair dela, durante toda a infância a cuidar dos afazeres domésticos. Quando completou 10 anos, o seu pai notou a necessidade de que ela aprendesse a ler e a escrever para lhe ajudar nos negócios, pois ele planejava criar um pequeno mercadinho em sua casa. Aos 11 anos ela foi então matriculada na escola.

Logo que ingressou nesse espaço ela gostou muito, pois pôde construir algumas amizades. Aisha era muito bonita e se destacava principalmente pelos seus olhos intensamente castanhos. Esse destaque se dava também, porque elas eram obrigadas a usar roupas que cobriam todo o corpo, sendo permitido para as jovens como ela, mostrar apenas o rosto, sem que os cabelos ficassem a mostra. Quando se casasse, certamente, ela teria que se tapar ainda mais perante a sociedade e a burca que usaria, cobriria totalmente o seu corpo e rosto, como era comum para todas as mulheres casadas daquela região.

Na escola ela conheceu um jovem chamado Caivan, de 14 anos. Eles eram proibidos de conversar, mas arrumavam formas de se comunicar, mesmo que por curtos espaços de tempo, nos intervalos de aula. A amizade dos dois ia se intensificando e Aisha estava a gostar intensamente daquele adolescente, pensando nele em vários momentos do seu dia.

O casamento no Afeganistão acontecia muito cedo. Normalmente, as mulheres casavam logo após a sua primeira menstruação, entre os 12 e os 16 anos de idade. No local de vivência dela, essa cultura era ainda muito comum e aceita por boa parte das pessoas daquela região.

Aisha tinha muito medo que o pai soubesse dessa amizade, pois ela sabia que isso era totalmente proibida naquela cultura extremamente conservadora da época. Aquela garota tinha conhecimento de que poderia ser severamente castigada caso ele soubesse de seus encontros momentâneos com aquele menino. Entretanto, para ela, valia o risco, já que estava a gostar cada vez mais dele.

Os dois conversavam muito sobre vários assuntos, em um local escondido do colégio, durante os intervalos de aula. Em um dos dias em que dialogavam, o tema religião entrou em pauta. Aisha começou a se interessar pela religião cristã e pelo que Caivan explicava sobre os ensinamentos do seu livro sagrado.

Com o tempo passando, Aisha começou a pensar até em se converter para a religião dele sem o conhecimento de seu pai, haja vista que ele jamais aceitaria uma filha de outra religião, o que, em certa medida, era até proibido naquela região do país.

O tempo foi passando e aquela amizade foi crescendo. Eles conversavam sobre tudo. Aisha, um dia, chegou a alertar o amigo que o seu pai jamais poderia saber desses encontros, pois se soubesse ficaria furioso:

— Meu amigo Caivan, eu gosto muito de você, mas você sabe que se o meu pai souber dessa história, ele certamente vai me punir e querer tirar satisfação com você e seus pais, ordenando que se afaste de mim. Diz Aisha com o olhar triste.

— Eu sei disso Aisha, mas prefiro correr esse risco a ficar longe de você. A nossa amizade já faz muito tempo e eu não conseguiria mais viver sem a sua companhia. A escola sem você não faz muito sentido pra mim. Afirma Caivan com um sorriso no rosto.

— Eu digo o mesmo meu amigo, mas tenho muito medo de que ele, em algum momento, descubra.

— Se não cometermos nenhum equívoco, ele não vai descobrir. Deus está conosco.

— Está sim meu amigo. Ele está olhando por nós. Responde Aisha demonstrando confiança.

Os dois continuam a conversar sobre outros assuntos e depois de alguns minutos, cada um foi para a sua sala, já que as mulheres e os homens, nessa escola, ficavam em salas separadas, pelo conservadorismo social da época.

No seu terceiro ano na escola, no último mês de aula, Caivan levou um presente para Aisha. Ele a deu uma pequena bíblia sagrada com o novo testamento. A jovem recebeu o presente com muita felicidade, já que eles haviam conversado muito sobre os termos daquele livro. Entretanto, ela ficou também com medo, pois a Bíblia Sagrada Cristã era totalmente proibida naquela região e Aisha sabia disso.

Muito receosa, naquele dia ela chegou em casa com o presente e percebeu que o seu pai não estava, pois no período da tarde ele normalmente trabalhava. Ela procurou um local entre as suas coisas para guardar o livro. Depois de muito pensar onde o guardar, de forma que ele ficasse oculto, ela o colocou em uma caixa escondida, que tinham algumas de suas joias e roupas, local em que ela acreditava que o seu pai não descobriria.

Chega então o fim das aulas e Aisha é aprovada. No início do ano 2000, ela completaria 14 anos, já estando apta, segundo os preceitos e a cultura regional para se casar, e, por esse motivo, o seu pai disse a jovem que ela não iria mais estudar, pois não fazia bem para uma menina que estava a procurar um esposo frequentar a escola. Isso não era bem-visto naquela região.

Aisha se desespera ao receber a ordem do pai, pedindo que ele a deixasse estudar, pelo menos, por mais um ano, para fechar o ciclo de estudos. Mas o seu pai estava irredutível, a proibindo inclusive de falar sobre aquele assunto.

Diante daquele contexto, a jovem estava a ter o pior sentimento de sua vida. Ela chorou tanto que o seu peito estava a doer, de tão ruim que foi receber a ordem de que não poderia mais encontrar o seu grande amigo.

Depois de chorar por horas em seu quarto, o seu pai perdeu a paciência, pegou um chicote e começou a bater fortemente nela, que tentava se controlar para não ser punida ainda mais severamente.

Quando ele parou aquelas agressões, ela tentou controlar os seus sentimentos, sabendo que era inútil tentar convencer o seu pai a continuar nos estudos. Com medo de novos castigos, Aisha parou de chorar e tentou dormir, conseguindo adormecer minutos depois.

Casamento forçado e abusivoOnde histórias criam vida. Descubra agora