Aisha durante aquela noite, não conseguia pensar em outra coisa a não ser o terror que tinha passado nas mãos de Osnin. Para ela aquela ação de Osnin acabou sendo ainda mais degradante do que os castigos mais extremos que ela havia sofrido por ele, excetuando no dia do casamento, pois o ato sexual de forma não consensual fere a mulher, além de fisicamente, também de forma profunda psicologicamente. Era uma degradação total do ego de Aisha naquele momento. Ela estava a se sentir um lixo, tamanho o seu sofrimento e o desprezo de Osnin pelo seu corpo e seus sentimentos.
Ela, por muitas vezes naquela noite, quase tomou alguma atitude visando terminar com a sua vida, mas, depois de pensar, ela resolveu realizar o seu último ato tentando melhorar a sua condição perante aquela família, antes de tomar essa medida que seria a mais extrema. Na manhã do dia seguinte ela realizaria essa tentativa e se não desse certo, Aisha estava decidida a acabar com tudo aquilo de uma vez por todas!
O suicídio de mulheres no Afeganistão não é uma coisa muito incomum. Aquele país tem uma das maiores taxas de autoextermínio de mulheres no mundo, mesmo após o fim da guerra. Em situações de crise e instabilidade política, quem mais sofre são as mulheres e crianças, que precisam aguentar as pressões sociais e a dos maridos, em uma cultura extremamente machista, conservadora e violenta. Suportar tudo isso é muito difícil para as mulheres do país e muitas delas preferem sessar esse sofrimento de uma forma mais extrema, atentando contra a sua própria vida.
Conforme Aisha sentia, muitas mulheres daquele país, tem um medo extremo de tentar essa ação porque a religião vigente naquele território, como a maioria das religiões do mundo, condenam de forma extrema o autoextermínio. Deixando claro aos seus seguidores que a morte dessa forma, leva a pessoa diretamente para o inferno e a um sofrimento eterno, inevitável.
Mas, mesmo assim, muitas mulheres ainda tem coragem de agir dessa forma no Afeganistão. O seu sofrimento diante daquela realidade diária com os seus maridos e suas famílias é tão grande, que as mulheres preferem morrer de forma extremamente dolorosa e correndo o risco de viver em um contexto terrível por toda a eternidade do que continuar a viver as suas vidas cotidianas regrada de muita violência física, psicológica e de destruição completa de seus egos.
O que comprova o nível de desespero imensurável que essas mulheres vivem é a forma em que muitas vezes elas utilizam para tentar o autoextermínio. Grande parte das mulheres utilizam o que possuem com mais facilidade para essa tentativa, fósforo e combustível para cozinhar. Elas vêem como alternativa de uma morte quase certa jogar combustível ao corpo e atear fogo. Nem o sofrimento terrível que deve ser morrer dessa forma, faz essas mulheres repensarem que continuar a viver as suas vidas é melhor do que realizar uma tentativa tão cruel para elas mesmas.
Além disso, naquele período de domínio do regime extremista, esse modelo de ação era completamente condenável a não ser quando ocorria em um ato de defesa do regime em uma guerra santa. Portanto, a mulher que ousasse cometer essa tentativa, tinha que ter em mente que ela deveria ser bem sucedida e a ação tinha que ser definitiva. Pois, se ela não conseguisse êxito, certamente ela seria condenada a prisão no Conselho Religioso ou a morte pelo próprio conselho, morte essa, que por ter atentado contra as regras religiosas vigentes, poderia ocorrer de diversas formas, como por apedrejamento, por exemplo.
Outra possibilidade era a devolução dessa mulher para as suas famílias depois de algum tempo de prisão. Nesse caso o terror que essa mulher poderia passar dependendo da família em que vivia, era um castigo muito mais severo do que qualquer outro, pois, conforme o relato de Ongs que atuavam no Afeganistão, nesse caso: "Depois (da prisão) é mandada para casa e tudo pode acontecer". Com uma fala de uma pessoa conhecedora desse contexto e que possivelmente escutou vários relatos reais de acontecimentos similares aos descritos, podemos imaginar, que "tudo pode acontecer", infelizmente, significa que é "tudo mesmo"!
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Casamento forçado e abusivo
Ficção GeralAisha era uma menina que morava em um pequeno vilarejo no norte do Afeganistão. A população de sua região era muito conservadora e extremamente religiosa. Ao chegar na pré-adolescência, ela conheceu um jovem garoto de sua escola, o qual começou a g...