Capítulo 68

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Milena

Na sucessão da minha ruidosa e espalhafatosa partida, a momentos atrás do encontro com Rara, naqueles corrediços de secção, do território hospitalar em que nos descobríamos, por causa do choque que hei levado ao inteirar-me de toda amargurosa veridicidade, que entrelaçava Lúcia e aquele desconsiderado homem, em um passado sombrio, direccionara o meu corpo para o exterior daquela área. Fora como um imprevisível xeque-mate, completamente aniquilador e mórbido, pois era assim que me sentira, uma vez que estava absolutamente transfixada e penosamente estilhaçada.

Era uma vivência demasiado ácida, para se poder digerir, num dia como este. Porque a mulher que julgara antimoral, e que neste período, se encontrava entre os muros do traspasse, era na verdade, a que detivera todo sofrimento de uma enorme cicatriz, que agora, estava ainda mais longe de se poder curar, isto pela situação que vivenciáramos e, porque também, a aura de seu consumado pretérito, se estabelecia entre nós, da pior maneira possível. A considerara indecente, porém, em sua personalidade não havia vestígios de tal conduta, dado que na autenticidade, a imoralidade estava comigo, por ter-me intrometido numa história, cuja qual, não era a protagonista, mas que a todo custo, queria experimentá-la e, que juntamente por causa das minhas repulsivas acções, e de nem sequer, a ter dado a opção de se poder explicar, a condenara ao pior abismo.

Sabia que jamais haveria de perdoar-me por tudo isto e, caso alguma coisa acontecesse com ela, dentro daquela ala de nosocómio, eu própria colocaria um ponto final, a qualquer resquício de minha figura, pois antes morta, carregando e levando ao túmulo, o suplício que realmente me cabia, do que viva e presenciando o fruto de meus detestáveis actos, sendo que um déjà Vu deste género, eu me renegaria, a outra vez, presenciar. Contudo, neste intervalo, eu também tinha contas por acertar e, desta vez, assassinar, não era algo que pudesse, tão prontamente, afectar-me. Com prantinas infindáveis que caíam sobre o meu rosto, por todo calvário que este amarescente facto me provocara, chegara ao meu admirável Volvo, no exterior daquela superfície e, sem mais morosidades, interiorizara-o, para que um sentido, prontamente, possa decifrar.

Eu precisava resolver operações com aquele libertino homem, no entanto, não atinava onde encontrá-lo e, tampouco, iria a sua desonrada residência, já que homens de pouca decência, tal como ele, em nenhum momento, passam demasiado tempo no interior de uma confortável casa, posto que sempre procuram, uma cereja fora deu seu espaço acolhedor, por mais que existam pomares com esta mesma espécie de fruta, no interior de seu aposento, e o mais desagradável de tudo isto, é que não lembrara desta característica, quando ainda podia chamá-lo de companheiro meu, por mais que tivessem evidências, sendo que todas as vezes que fora ao seu vergonhoso domicílio, esta, permanecia despida de sua presença, no entanto, por manter-me num estado emocional bastante elevado, não era capaz de reconhecer extensos excessos.

Com isso, hei recordado que mais cedo, havia-me notificado através da via telefónica, portanto, aceleradamente, retirara o meu telefone que se punha em minha carteira, a fim de, finalmente, absorver a informação contida naquela citação, que apesar de não saber de que assunto se conversava, poderia abrir portas, para provavelmente, reencontrá-lo.

Já com o meu dispositivo sobre as minhas frementes mãos, após desbloqueá-lo, passando deliberadamente, o meu curto polegar pela tela, dispunha-me, nesta hora, a reter a informação daquela curta mensagem,  que continha dizeres tais como: "Creio que ainda temos um assunto pendente por terminar, encontre-me às 2 da tarde, no Malfbourne Coffee"*. E, o que certeiramente necessitava e buscava, eu obtive, sem ter que precisar recorrer, ao uso das minhas capacidades intelectuais, tais como a "dedução", para perceber em que lugar, o seu desprezível muque, se perdia. Logo, com um destinatário inquestionavelmente já conhecido, estreara o meu distinto Volvo, para começar a efectuar, o tal dito trajecto.

Depois de um par de horas perambulando as ruas de Manchester, comparecera ao local identificado e pretendido, em tempo recorde. Era regiamente, um aconchegante café, digo isto, porque observava através do vidro de meu consagrado Volvo, a elogiável decoração. Era um fiel contraste, entre cores que possuíam vivacidade e, aquelas que poderíamos considerá-las "mortas", porém, tudo se encaixava intrinsecamente ao mínimo detalhe, era genuinamente, uma leal harmonia entre tons de cinza, todavia, num grau mais acentuado e, um amarelo, no seu alto nível de escala de vigor.

Diria eu, que este palco, era digno do concerto que sucederia dentro de alguns segundos, mas desta feita, eu era a vocalista da banda que maravilharia todos os espectadores do local, afinal, quem haveria de detestar uma surpresa, sendo ainda mais, inesperada e não revelada? Por fim, apenas desgostáramos aquilo que prováramos, quando não fosse ao encontro do nosso paladar. Por isso, sem muito mais instantes a perder, abandonara, no minuto a seguir, o meu considerável Volvo, para que me introduzisse naquela vastidão.

No aconchegante espaço, vislumbrara sem uma tarefa árdua, a conformação daquele lançadiço homem, que assim que firmara contacto visual com a minha presente figura, erguera o seu corpo da cadeira feita de madeira em que se sentava, do lugar que recebia o nome de Malfbourne Coffee, uma vez que todas as mesas, juntamente com o seus respectivos acostamentos, eram revestidas do mesmo material, o que de certo modo, era benéfico para o concerto que haveria de propor, dado que a sua presente postura, simplificaria ainda mais, a realização da minha função.

Com uma lotação de espectadores, visivelmente, no seu mais alto nível, me prontificara em dar início ao concerto, fazendo com que, dessa maneira, estivesse a caminhar em passos lentos, rumo a sua configuração, com uma verdadeira postura de elegant Woman, visto que percebia esta especificidade, pois eu era a detentora do tal desfile e, a silhueta em causa, era a minha, já que não quisera apressar as minhas passadas, porque quanto mais expectante, mais impactante e, com isso, não pude deixar de reparar, os olhos curiosos de pessoas que lá se fixavam, para saber e dizimar as suas dúvidas de que evento se tratava, sendo que constantemente, murmuravam, além de que eu visualiza o plano ao meu redor, rompendo, dessa guisa, repetidas vezes, a comunicação óptica, que o meu viço e aquele vergonhoso homem consolidávamos.

 Assim que me colocara a milímetros de seu quente corpo, posto que não deixara de sentir, o calor que exalava, pelo facto de instalar-me a uma paupérrima distância de sua atlética compleição, inaugurara, seguidamente, o recital, com o brado de meus cinco dedos assinalados em seu fronte, permitindo com que, na mesma altura, o seu estapeado rosto, virasse para uma de suas laterais, o que culminou, de igual forma, um estrondoso rumor das pessoas que lá constavam, que iam desde gritos à algumas palavras expressadas e, isso, se desvendava por intermédio de seus tons de vozes, que de certa feição, não fazia questão de mencioná-las, porque as minhas concentrações, não era o meu auditório, mas sim, o meu nobre convidado. Quando pensara Amaro que a audição terminara, pois os seus escuros olhos, já estavam postos em mim, outra vez, mas desta vez, com uma de suas mãos, a apoiar a sua ardente bochecha, dado que conseguia ler, o estrago que a minha bofetada havia feito em uma de suas laterais, além de que, até a minha própria tremelicante garra queimava, entretanto, com certeza, ansiava por mais, é novamente encantado, com a intensidade de meu tabefe em seu outro lado, ainda não afectado, duplicando a veemência do barulho e, descansando, deste jeito, a primeira mão que efectivara o mesmo papel anteriormente, uma vez que utilizara a outra, para a eficácia da idêntica obrigação.

Com os bulícios intermináveis de constituições que lá se organizavam, e já com Amarro me assassinando com o seu  denegrido olhar, principiara o discurso, para encerrar a minha breve apresentação.

Continua...

* Malfbourne Coffee é um lugar criado pela autora, assim como o seu respectivo nome, isto é, não existe na realidade.

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