Capítulo 36

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Robert

1 Ano depois...

Havia decorrido 1 ano, desde que a minha pequena Lúcia partira. Dizem que na medida em que o tempo passa, as coisas vão se encaixando e, os caminhos tomando os seus verdadeiros rumos, além de que este, é o melhor remédio, isso é o que a maioria das pessoas diz, ou melhor, no que elas se baseiam para aliviar as suas dores. Mas para mim, todas aquelas palavras, eram meros ditados, em que na qual, toda gente automaticamente se apoiava. Porque a verdade é que, na medida em que o tempo passava, mais a minha pequena Lúcia, me fazia falta.

Eu lembrava de seu irrefutável cheiro todas as noites, de seus olhos castanho-escuros brilhantes, de seus macios, carnudos e rosados lábios, de seus cabelos incrivelmente cheirosos e, até, do seu temperamento inflexível. O seu aroma invadia meus pensamentos sem eu perceber, fazendo-me suspirar e alucinar com sua presença que dolorosamente, não passava de um refúgio que minha mente tinha criado. Assim era ela, fria e calorosa, intransigente e dócil, bela e fera simultaneamente, optimista, porém realista e, acima de tudo, completamente disciplinada. Era a mais perfeita combinação de sarcasmo com inteligência, o que para muitos era arrogância, mas que para mim, era minha pequena Lúcia em seu mais alto nível de escuridão, negridão essa, que nunca me tinha apercebido.

Nestes últimos anos, Cassandra foi o que as pessoas chamam de porto seguro. Cassandra ajudara-me incondicionalmente, desde o dia que minha pequena Lúcia se fora. Havia-se tornado minha companheira, ajudando-me em tudo que lhe fosse possível, até nos meus mais profundos graus de reflexões. Tentara animar-me a todo custo, tinha até vezes, em que deixara de ir ao centro em que trabalhava, para ficar comigo, pois ela ficava, quer dizer, vivia com o medo de que alguma coisa me acontecesse, já que segundo ela, as pessoas que experimentam este tipo de dor, não podem ser deixadas sozinhas, posto que eram capazes de fazer qualquer loucura como medida para aliviar a sua dor. Ela possuía a sua razão, porque desde que minha Lúcia partira, as insónias haviam-se tornado a minha rotina e, com elas, se faziam acompanhar, um conjunto de pensamentos sinistros de minha parte.

Muita coisa mudara e, claro, dentre elas, a palavra e o lugar "Praia", eram estritamente proibidos dentro do nosso recinto. Era a tal dita palavra interdita, sendo que Cassandra, ficava aterrorizada com a ideia de algum dia eu voltar e, acontecer a mesma tragédia que tinha sucedido com minha pequena Lúcia. Eu não sabia como retribuir, tudo o que Cassandra fizera por mim durante este último ano, visto que apesar de me mostrar tamanha lealdade, sentia que era um peso em suas costas.

— Cass, eu vou sair! — Grito serenamente e, chamando-a, pelo apelido que carinhosamente a coloquei e, já abrindo a porta, com as chaves do meu mais novo carro.

— Espera! — Retorna apressada — Onde vais? — Demanda hesitante — O almoço está quase pronto! — Exclama vindo em minha direcção.

— Eu vou cumprimentar a senhorita Milena, a senhorita Rara e o senhor Romando na British Company. — Refiro brandamente e, deixando um beijo, em sua bochecha.

— OK! — Redargua aliviada — Mas não te demores! — Berra se retirando e, voltando, à cozinha.

— Não te preocupes. — Asseguro saindo e fechando a porta atrás de mim.

Encostara o meu mais novo Mercedes, fora da garagem de Cassandra, posto que só havia espaço para uma única viatura, mas não me importava muito, uma vez que o meu carro, ficava ao pé de sua garagem. Então, não demorando muito, internizei-me e, logo dei partida a um novo trajecto, que todos nós já havíamos conhecido. A verdade é que a senhorita Rara juntamente com a senhorita Milena e o senhor Romando, eram muito amáveis comigo e, iam visitar-me sempre que podiam e, quando assim não o fizessem, ligavam. Por incrível que pareça, Cassandra transformara-se na amiga de todos eles e, isso era algo que também me alegrava, pois no momento em que deixasse de ser um peso para todos eles, ela não haveria de ficar sozinha.

Eu não estava indo à British Company visitar a senhorita Rara, o senhor Romando, ou a senhorita Milena como anteriormente dissera à Cassandra, na realidade, estava indo até Formby Beach visitar a minha pequena Lúcia, isso porque o seu corpo, não fora enterrado como habitualmente se tem feito, mas sim cremado e, as suas cinzas, despejadas naquele lugar e naquele mar, já que nenhum de nós, tinha fôlego o suficiente para suportar exéquias, pela tamanha dor que aquilo nos causava e, assim, acabamos por deixar, total responsabilidade com o hospital, que decidiu cremar o corpo e jogar as cinzas no mesmo local, onde havia-se encontrado o corpo. Todos nós sabíamos, porque tínhamos sido notificados pelo hospital. Contudo, esse era o único sítio que poderia sentir e estar o mais perto possível, de minha pequena Lúcia.

Cassandra não sabia e nem queria que soubesse aonde estava indo, dado que como tivera dito, o vocábulo e o lugar "Praia", eram proibidos e, se soubesse onde me ingressava, com certeza, me tinha impedido. O caminho até Formby Beach foi tranquilo, um clima que já não se apreciara, ultimamente, em Manchester. Após chegar, estaciono o carro em um dos parques, e vou andando até à praia. À medida que me aproximava da costa, poderia experienciar a presença de minha pequena Lúcia, como nunca mais vivenciara, neste último ano. A areia quente irritava os meus pés, uma vez que estávamos no verão e, o calor que se fazia em Manchester, era sufocante. Entretanto, o sol tinha acordado preguiçoso hoje, porém, o calor que se fazia, ainda assim, era asfixiante.

Para me refrescar, decido então, dar um mergulho, despindo a roupa que vestira, logo de seguida. Já nadando, sou invadido com a figura de minha pequena Lúcia que se reflectia sobre a água. E lá estava ela, estupidamente linda como sempre, estendendo-me a mão para que me fosse com ela, e sem hesitar, deixei-me guiar pelo seu reflexo até onde dera, pois os seus contornos eram tão bem definidos, que para mim, era real o que estava a acontecer e, quando me apercebi, já era tarde demais para que pudesse voltar, assim sendo, antes de partir como minha pequena Lúcia, murmurei algumas palavras.

— Até algum dia Cass! — Prego suspirando e com o enorme mar engolindo-me por completo, antes de imergir.

O que haveria de ser de mim sem ti? Como poderia viver sem te poder tocar? Sem te poder sentir? E, sem poder inalar o teu quente, forte e intenso aroma? Se para ti, a tua maior conquista era a minha felicidade, então, devias saber primeiro que a minha felicidade, sempre foi e, sempre será, estar ao teu lado. Agora, o suicídio não é algo em que só tu possas desfrutar, pois como te prometera, nós haveremos de nos tornar uma só carne e, até a última gota de água, nós haveremos de partilhar.

Quando as águas salinas começavam a penetrar em meus pulmões, fazendo-me perder o ínfimo oxigénio que ainda restavam neles, sou retirado e arrastado até à beira daquele imenso mar, por meio de braços que já eram dotados de tamanha experiência, no que dizia respeito a fundos marítimos. Era um salva-vidas, sabia disso, porque podia sentir as suas mãos por entre o meu peito, exercendo a conhecida "massagem cardíaca" para a todo custo, trazer-me ao ápice da vida e, conseguindo, consequentemente.

— Muito Obrigado! — Gratifica aos céus ansiosamente, constituindo gestos — O senhor está bem? — Pergunta apontando para o estado em que me encontrava.

— Eu só queria poder tocá-la mais uma vez. — Digo com os olhos arrasados e, completamente destroçado.

No minuto a seguir, aquele que me impedira de ir com a minha pequena Lúcia, estava agora a abraçar-me, para que não me afundasse...

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