Capítulo 45

38 4 35
                                    

Robert

24 meses já lá se iam e, as marcas do seu irrefutável cheiro ainda marcavam e prevaleciam em todos os cantos do meu ser. Lúcia, a minha pequena Lúcia, havia partido e, a cada dia, era mais árduo idealizar a sua ausência, porque para mim, ela continuava viva e, não era simplesmente o meu corpo que reagira, dado que a minha mente tinha criado um refúgio, que comumente, é designado pelas pessoas como alucinação, mas que para mim, era apenas a maneira que todo o meu ser tinha, para poder tocar e sentir a minha pequena Lúcia, outra vez.

"Eu lembrava de seu inconfundível aroma todas as noites, de seus olhos castanho-escuros brilhantes, de seus macios, carnudos e rosados lábios, de seus cabelos incrivelmente cheirosos e, até, do seu temperamento inflexível. O seu aroma invadia meus pensamentos sem eu perceber, fazendo-me suspirar e alucinar com sua presença que dolorosamente, não passava de um refúgio que minha mente tinha criado. Assim era ela, fria e calorosa, intransigente e dócil, bela e fera simultaneamente, optimista, porém realista e, acima de tudo, completamente disciplinada. Era a mais perfeita combinação de sarcasmo com inteligência, o que para muitos era arrogância, mas que para mim, era minha pequena Lúcia em seu mais alto nível de escuridão, negridão essa, que nunca me tinha apercebido". Era essa a descrição, que sobrevalia em minha mente e, que todos os dias, se repetia nas minhas mais profundas observações.

Os dias na "Morgan & Gold" eram tranquilos, a senhorita Rara e a senhorita Milena, a todo custo, tentavam animar-me, sendo que estavam empenhadas em trazer de volta, a vivacidade, que num passado recente, eu transparecia, porém, a morte era a única coisa que se reflectia por entre os meus olhos, isso porque a falência, já era a minha companheira, posto que o que restava, era meramente o enterro do meu corpo, mas isso, eu também não decidia, já que o exclusivo evento que queria, era ser cremado e estar com a minha pequena Lúcia. As insónias eram uma rotina nos meus correntes dias e, pelo estado em que me encontrava, a senhorita Milena e a senhorita Rara definiram marcar uma visita ao hospital para mim, pois sabiam que a minha condição psíquica, estava destroçada, por isso, temiam que algum episódio acontecesse, ou que eu cometesse algum impropério e, não era algo que pudesse negar, uma vez que concepções sinistras, eram os meus mais novos parceiros.

E lá estava eu, percorrendo um trajecto, cujo destinatário era desconhecido por todos, mas bastante conhecido por mim. Ia ao hospital, visto que hoje, precisamente hoje, era o dia da tal dita visita que a senhorita Rara e a senhorita Milena firmaram  para mim, todavia, a verdade é que eu sabia, que esta consulta marcada com o psiquiatra, era para conhecer, a que nível se encontravam as minhas "perturbações mentais", que a meu contemplar, era nada mais e nada menos do que a minha pequena Lúcia, se transluzindo a mim. Chegara ao hospital às 7h00 da manhã e, logo que adentrara, fui à recepcionista que lá se fixava. Após receber suas instruções e, consequentemente, as informações do médico que me irá atender, que pelos vistos, era uma figura assídua, no que dizia respeito ao seu atendimento à British Company, perambulava pelos amplos corredores do hospital, a fim de localizar a sala do Dr. Benedict.

Depois de longos minutos, descubro, finalmente, o seu consultório, que continha o seu nome cravado na porta, em letras maiúsculas. Assim sendo, sem mais demoras, bato-a cuidadosamente, constituindo o mínimo de barulho possível e, após ouvir a sua permissão para que internizasse, assim o fiz. Já dentro do consultório, direcciono-me a uma das cadeiras que se situavam junto de sua mesa, que faziam um indiscutível contraste com a decoração que lá se instalava, sendo assim, apresso-me para me poder sentar e, com isso, iniciar a nossa esperada conversação.

— Como está, Mr. Robert? — Interpela confortavelmente e esboçando um sorriso, analisando o relatório que continha a ficha informativa do paciente, que nesse caso, era eu.

— Tentando sobreviver. — Expresso cabisbaixo e num tom baixo, porém audível.

— Oh Mr. Robert! — Exclama Dr. Benedict — Eu sei o quão duro é carregar uma morte, ainda mais sendo a Lúcia Morgan, a proprietária do seu ser — Manifesta exercendo uma paralisação em seu discurso, avançando nos segundos sucessores — Mas permita-me dizer-lhe uma coisa: — Continua na igual sonoridade — Sobreviver é mais árduo do que viver, porque sobreviver significa mostrar aquilo que alguma vez já experimentaras e, viver, significa experimentar aquilo que alguma vez já gostaras. — Finda pacientemente.

E, aquelas palavras que para muitos, talvez não tivesse algum significado, para mim, foram como um dardo que acertava o seu alvo. Já compreendia o porquê de Dr. Benedict, ser uma assídua figura no atendimento à British Company, isso porque Dr. Benedict era dotado de uma experiência e perspicácia incomum, além de uma capacidade observativa em altos níveis, pois em tão pouco tempo de conversa, havia desencriptado tudo, em apenas uma fala, o que não me admirava ter feito referência ao romance existente entre mim e minha pequena Lúcia, dado que já não é algo que eu possa e consiga omitir.

— O que devo eu fazer, Dr. Benedict? — Pergunto com os olhos marejados.

— Mantê-la viva na tua razão e aliviar a tua mente, pois o reflexo que vês, é apenas o fruto da necessidade emocional do teu coração. — Diz serenamente.

Na sequência disso, Dr. Benedict prescreveu-me alguns calmantes e analgésicos, para posteriormente, melhorar as minhas noites de sono, que têm sido carregadas por insónias e, para por conseguinte, aliviar as minhas recorridas dores de cabeça, que são fruto das minhas recorridas perdas de noite, já que creio que Dr. Benedict tenha reparado o estado do meu rosto, que permanecia maioritariamente morto e, isso, era reconhecível apenas com olhar superficial.

Já com a prescrição em minhas mãos, levanto-me deliberadamente da cadeira em que me posicionava, despedindo-me, prontamente, de Dr. Benedict e, agradecendo as suas nobres palavras. Logo que saio de seu consultório, fecho sua respectiva porta à frente de mim, cuidadosamente, mas como ainda andava distraído em minhas concepções pelas últimas palavras de Dr. Benedict, eis que no minuto a seguir, esbarrara em alguém, que claramente, era um médico, digo isto por causa da sua comum vestimenta, que incluía, a tradicional bata branca no conjunto. Apresso-me para equilibrar-me e desculpar-me, contudo, quando o meu rosto cruzara com o seu, uma sensação de Déjà vu como dizíamos na velha França, me havia invadido, sendo que o seu rosto não era desconhecido, eu o conhecia e, eu sabia que a conversa que haveríamos de ter, o provaria.

EYES & EYESOnde histórias criam vida. Descubra agora