Capítulo 30

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Capítulo 30 — Pov Lorena
Cpx do Alemão.

O treinamento dos meninos só cresceu nos últimos dias, tô fazendo de uma forma um pouco diferente do que planejei, com o tanto de merda acontecendo, não sei quando uma guerra pode estourar aqui no complexo. Soldado nunca é demais.

A estratégia de um confronto direto sempre surgiu naturalmente na minha cabeça, mas desde a minha vinda pra cá tenho entendido como é mais importante fazer com que isso não chegue de fato na comunidade.

A guerra coloca o morador em risco, enfraquece a rotatividade do tráfico, é só prejuízo. Pensa: quem é que vai impedir que a dona Jô sofra as consequências de um dia de restaurante fechado por causa de confronto? É nosso dever. Podem achar que tô planejando que meu comando seja uma utopia, mas não é, eu sei melhor que ninguém que tem momentos que é preciso botar a cara e resolver.

Isso é uma coisa que eu odiava no direito, as teorias, a suposição, o pensamento... As salas de aula e os tribunais não conseguem dialogar com a realidade da vida várias vezes, letras frias, sem contexto. A vida me ensina mais sobre chegar onde eu quero.

A morte do Rodrigues ontem é o exemplo disso. Poupamos e alguém foi lá e mandou o recado.

Tô no quintal da casa do jogador, já treinei, falei com meu pai, almocei e agora estou lendo. Eu me surpreendo com minhas personalidades, vou de uma tarde leituras a um baile muito rápido.

Decido mandar uma mensagem pro dedé, sinto falta dele.

Princesa: Saudade, amigo
tive na penha ontem
capitão tá arrancando seu coro ai?
Dedézito: tá suave
n diz qd eu vou voltar
to quase mandando um paraguaio arrombado desse aqui pra pqp
Princesa:kkkkkkkkkkkk duas semanas tu volta
briguei c bw ontem rs
Dedézito: (emoji de dúvida)
Princesa: queria me assumir como fiel kkkkk
Dedézito: HAHAHAHAH tu merece ouvir um papo desse, dando ideia pra esse otário. .

Ele e Jogador tem uma personalidade azedinha parecida, se dariam bem se tivessem mais contato, penso em contar pra ele que ficamos, mas volto pra conversar apenas falando do BW.

Princesa: perdi o tesão nesse aí
Dedézito: *figurinha menininha dançando*
deve tá ficando c alguém pra tomar vergonha na cara
Princesa: Fiquei com o Jogador 😬

Vejo que ele respondeu com áudio e começo a rir antes de abrir.

Mensagem de voz de Dedézito: Moleque, tô rindo pra caralho — ele pausa um minuto pra pegar um ar — quero muito tá presente quando o BW souber dessa parada, já é todo cismado com o Jogador. Tu não perde um minuto, puta que pariu, mas gostei dessa.

Fiquei mais alguns minutos conversando ali com o Dedé, a convivência fez a gente criar uma relação de amizade maneira demais.

Vou até a cozinha e abro uma geladeira pegando minha garrafa de água, tô tentando voltar a rotina parecida com a que eu tinha na penha: academia e boa alimentação. Preciso disso pra estar num nível físico que dê pra me destacar no movimento.

Hoje vou começar uma parada que quero fazer com os vapores. Eles não andam de fuzil pelo morro aqui na gestão do Sábio, só de soldado pra cima.

Pego meu radinho na mesa da sala e aciono o pretinho.

Princesa: Pretinho — eu aguardo um tempinho — pede pro concha brotar aqui em casa.
Pretinho: Tu manda, Princesa.

Coloco o rádio pendurado no cós do meu short jeans e do outro lado a pistola, escondendo com a blusa branca grande que eu visto.

Subo as escadas pro quartinho que tem lá em cima onde sei que o Jogador guarda algumas armas. Pego dois fuzis, carrego apenas um e desço, ouvindo o Concha me chamar.

Dou um fuzil pra ele que me olha surpreso.

— Bora fazer uma ronda — ele passa a bandoleira pelo corpo tentando não se mostras muito animado e eu também escondo a vontade de rir.

— É pra tirar as motos?

— Moto? — ergo uma sobrancelha — a pé, tu vai me ensinar a andar pelo morro.

Saímos de casa e o Pretinho tá na porta falando com outros seguranças. Ele olha pro Concha de fuzil, de cima a baixo, nem parece o vapor que tonteia geral aí. Tento mais ainda conter o riso, não posso dar bandeira que é apenas teste, tenho que fazer ele se sentir forte.

Balanço a cabeça no Pretinho e sigo pra direita dando dois passos, mas paro. Melhor eu avisar ao Jogador e Sábio antes que os funcionários deles contem. Pego o celular, abro na conversa com o Sábio, envio uma mensagem e depois encaminho pro jogador.

— Pronto — eu passo o fuzil das milhas costas pra frente do meu corpo — Qual o caminho?
Ele olha confiante e indica com a cabeça pra esquerda. Boa garoto.

Nós vamos andando conversando de forma descontraída e o Concha me apresenta pros donos dos comércios, me indicando qual localidade estamos.

Na fazendinha, avisto um grupinho de três garotos da idade do concha que olham pra ele de longe.

— Postura — eu instruo — Pode cumprimentar normal, mas disciplina.

— Eu sou posturado, minha mestra — ele se endireita segurando o fuzil com força nas mãos como eu faço — vão nem olhar na minha cara.

De fuzil? Duvido muito, mas não digo nada.

Quando estamos chegando bem perto deles, um menino com o cabelo platinado desencosta da parede

— E aí, concha. Tranquilidade?

Óbvio que falou com ele, as pessoas são muito previsíveis.

— Na correria, Maicon — ele tira a mão direita do fuzil e cumprimenta os três — Essa aqui é a Princesa, lá da Penha, tá dando uma moral pra tropa aqui. — ele aponta pra mim.

— Satisfação aí, dona — um outro me olha de cima a baixo, quer conhecer o bico do meu fuzil.

Eu apenas balanço a cabeça e nós voltamos a andar.

— Tomar no cu. — Concha resmunga — quando eu tava fedendo a peixe, até ontem, nem me deram uma moral.

— Fodam-se eles. Vai lucrar pra caralho agora.

— Amém, papai do céu — ele larga o fuzil suspenso na bandoleira, fecha os olhos e faz sinal de oração — Mulher, grana e poder.

— Vai... — eu dou um pescotapa nele — Assim é vala ou cela. — ele se benze — É melhor se benzer mesmo.

— Cruz credo, praga de mulher bonita pega.

Ele diz pra me amolecer. Fico impressionada que ele não se constrange em me irritar com uma ou mais armas à mão.

Nós atravessamos a rua e um outro vapor passa buzinando pela gente, paramos num bar anexo a um barraco. Concha chega perto do balcão e eu vou também, mas olhando o movimento da rua.

— Colfoi, Kemely — ele diz dando um sorrisinho de lado pra uma menina do outro lado do balcão — Tu já conhece a princesa?

Sonho dos crias [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora