Capítulo 107

3K 235 29
                                    

Capítulo 107 — Lorena

UM MÊS DEPOIS

— Pode fazer sem problema nenhum o pagode, seu Valdir — sorrio pra ele.

— Muito obrigada, viu, Princesa? Se puder passa lá, deixar uma cerveja bem gelada pro cê e pro seu pessoal.

— Fica com Deus, qualquer coisa pode pedir ajuda pros meninos aí — ele concorda com a cabeça e segue o caminho, descendo a rua da boca principal.

Nesse último mês consegui finalmente colocar o meu comando no trilho, tem muita coisa pra ajustar ainda, mas a gestão da favela já tá muito melhor do que quando eu e Leão chegamos aqui.

Entro na minha sala onde o Concha e Leão tão me esperando, os dois têm sido meu braço direito e esquerdo. Matheus me ajuda em tudo, mas eles tem as obrigações dele, enquanto esses aqui conhecem o dia a dia da minha favela.

No começo, até pensei que a Cecília fosse voltar pra cá, mas ela não tem vontade de viver na Penha mais. Tudo o que os pais falaram pra ela, ela não consegue perdoar... E agora, sem Pikachu, o Alemão precisa muito mais dela.

O império meu e dos meus amigos tá se formando numa velocidade insana, sem dar tempo da gente se estabilizar antes do próximo passo, mas estamos dando conta graças à muita ralação e disposição. E todo mundo tá vendo isso.

— Tem surpresa pra você, chefona  — Concha ri, animado e eu rio junto. Esse menino é muito figura.

— Não acredito, tenho medo de surpresa vindo de vocês  — sento na cadeira ao lado do meu amigo loiro — Levou minha filha na casa do pai dela?

— Rainha, missão dada é missão cumprida.

— Que filha? A de quatro patas? — O sub pergunta.

— Essa mesma, dei a ordem pro pedreiro botar a casa abaixo — digo, me justificando.

Faz duas semanas que eu decidi colocar a casa que o Capitão construiu no chão, ainda não sei o que eu vou fazer lá, mas já comecei a construir outra mais pra cima da favela, na vila cruzeiro. Fico mais protegida e mais perto do Alemão.

Leão abre uma sacola e tira uma bandoleira de fuzil, estendendo a mão pra mim.

— Que isso? — pego e vejo várias coroas bordadas no tecido das bandoleiras.

— Fiz o rebranding da tropa — Leão diz, convencido do jeito que ele é. Rebranding?  — escrotidão a gente tá ainda com aquelas bandoleiras da época do filho da puta lá ou então usando só com o nome da facção, po, mas como nós sabe que tu odeia teu vulgo, mandamos fazer assim.

— Cara — olho pras bandoleira, o tecido é preto, mas foi bordado com linha dourada, formando o desenho de coroa — Genial, ficou maneiro demais. Não acredito que fizeram dourado — rio — tá a minha cara.

Eles ficam orgulhosos e eu feliz porque sempre pensam nos mínimos detalhes. E eu não sabia que eu precisava disso até realmente ter eles me ajudando a comandar o morro.

— Tu é nossa rainha, po — Concha olha pra mim, de pé — É pra ninguém esquecer com quem nós fecha — meu nariz pinica e eu não acredito que me deu vontade de chorar com essa declaração.

— Vocês me fortalecem demais — tento controlar a vontade — TPM tá me matando — respiro fundo e eles riem — Mas a verdade é essa, vocês são essenciais nessa gestão e eu sei reconhecer isso. Valeu mesmo.

— Tamo junto pra caralho — Leão responde — Vamo conquistar mais coisa, quando o Dedé voltar, tô com várias paradas na cabeça, vai ser bom.

— É só o começo, Rainha.

(...)

Estudo ao lado do Leão a saída das drogas em uma das bocas quando escuto barulho de fogos e tiros na comunidade. Meu coração para por alguns segundos e eu olho assutada pra cara dele que ri.

— É outra surpresa pra tu — levanta.

Eu xingo e largo as coisas em cima da mesa, saindo da boca.

Vejo um carro preto se aproximar e o medo se torna felicidade.

— Lili cantou, caralho — Dedé sai do carro e eu sinto um alívio gigante sair das minhas costas.

Logo atrás dele, sai a doutora que acompanhou o caso e o Jogador, que sorri, todo lindo, me olhando.

Dou alguns passos até abraçar o amigo que essa comunidade me deu. Meu coração parece estar esmagadinho dentro do peito, mas é como se recuperasse um pouco do fôlego perdido nos últimos meses.

— Deus sabe o quanto eu queria que conseguisse a liberdade — passo a mão nas costas dele com um sorriso gigante no rosto e uma lágrima escorrendo na bochecha  — Não era justo eu tá vivendo isso aqui sem você do lado, amigo.

— Eu sabia que tu tava lutando aqui fora — retribui o abraço — satisfação ver tu crescendo, é tudo mérito teu.

— Sem você não estaria aqui, fato.

— Tudo em nome da nossa irmandade.

— Bem vindo de volta pra casa, não vai mais sair dessa porra aqui não.

— Você é chefona, você manda.

Se afasta de mim pra abraçar o Leão também e eu sorrio pra advogada.

— Obrigada, doutora. Sua condução foi impecável, nem imaginava que ele sairia hoje.

— Foi de última hora, mas eu já tava esperando, não havia indício algum da participação do Denilson depois que o policial depôs. Só não queria criar expectativa em vocês.

— Muito obrigada mesmo. Preciso acertar seus honorários.

— Isso já foi acertado com o seu marido e o Dom — ela me tranquiliza — mas as conversas contigo me ajudaram muito a fechar o caso.

Abraço o Matheus e ele passa a mão pelo meu cabelo, encostando seu rosto no meu peito.

— Tá feliz? — pergunta próximo ao meu ouvido.

— Muito, ele merecia demais — sinto arrepio passar pelo meu pescoço e viro um pouco mais pra ver seus olhos iluminados pela luz do sol.

— Você fica mais gostoso ainda no sol, como que pode, né? — pergunto e ele sorri de lado, me deixando ainda mais cadelinha dele.

— Para de me olhar assim — fala, dessa vez bem mais colado ao meu ouvido.

— Para de ser gostoso — dou de ombros, voltando minha atenção pro Leão e pro Dedé, quanto Matheus passa a mão ao redor da minha cintura.

— Sabe o que tem hoje? — pergunto pro Denilson e sinto o celular do Jogador vibrar — Pagode no seu Valdir — me animo.

Matheus desfaz o abraço comigo e, pelo canto, vejo ele atravessar a rua com o celular no ouvido, enquanto os meninos da segurança também olham pra ele.

— Tu fica pra ir com nós — diz pra advogada e abraça mais o pescoço do Leão.

— 2W, manda alguém trazer a Rapunzel e a tia Iracema — digo pro soldado que chegou com o Jogador e ele concorda.

Atravesso a rua por perceber a testa franzida do Matheus ao falar com alguém no telefone.

— Dedé acabou de pisar na favela, Dom — encosta no muro chapiscado, olhando no meus olhos — Suave, vou preparar. Deixa eu pensar aqui e te retorno. Valeu.

— Que houve? — pergunto, passando a mão no cordão dele com uma coroa e me ligo de onde os meninos tiraram a ideia pra bandoleira.

Jogador não tira esse cordão pra nada desde que mandou fazer há uns quinze dias, é o mais grosso entre os três que ele mais usa e tem pedras que o fazem brilhar.

— Era o Dom — passa a mão no cavanhaque e eu sinto que a energia dele mudou — Descobriram onde o Capitão tá escondido.

Sonho dos crias [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora