Capítulo 86
Olho no relógio pela milésima vez e nada da Kemily cruzar a porta. Pikachu e Rapunzel também intercalam o olhar entre eu e a porta.
— Fica tranquila aí, Rapunzel — digo e ela sorri, jogando as trancinhas pra trás do corpo.
— Tá falando o que? Tá mais nervoso que eu — me responde e Pikachu solta uma risada.
Tô nervoso mesmo, desde o segundo que a Kemily chegou com o papo de que tinha feito um técnico de enfermagem junto com o ensino médio.
— Que horas acaba o plantão no hospital mermo? — Pikachu levanta um pouco, esticando as pernas.
— Sete horas.
Aperto o botão de desbloqueio celular e vejo que já são quase oito, o que significa que ela já deve tá chegando.
Minutos depois, quando Kemily chega com o rosto tranquilo, eu relaxo também. Parece que é a primeira vez no dia que eu respiro de verdade, puta que pariu. Talvez a primeira vez na última semana.
— Manda o teu papo — olho pra filha do seu Lino e espero uma resposta dizendo que minha loirinha tá suave.
— Patroa tá tacando o terror nos caras lá já — ela ri, se sentando do lado da Cecília no sofá.
— Então tá tranquilona já— Pikachu supõe e Kemily balança a cabeça.
— Um pouco de dor, pelo o que ela me disse, mas muito melhor.
— O que os médicos dizem? — Cecília pergunta antes de mim.
Tanta coisa que eu quero perguntar, mas não consigo organizar a mente. Respiro e apoio os cotovelos na mesa à minha frente.
— Recuperação tá boa, cirurgia foi perfeita — ela faz gesto, me mostrando que tá tudo bem — fora que ela tá tentando uma atenção diferenciada por ser quem é num hospital público.
— E como que tá a segurança dela? — pergunto, porque sei que o resgate mais fácil seria no hospital. Nossos advogados são bons, mas é certo que a Lorena vai pegar uns aninhos de fechado e eu tô nem disposto a esperar tanto tempo pra ter minha vida com ela.
— São dois, mas quando eu fui, só tinha um cara. A mulher foi dar um rolé, comprar café, sei lá — faz sinal de dúvida.
— E fora? — complemento
— Uma viatura — ela sorri.
— Quando ela tiver perto da alta, nós dá o resgate — Pikachu me olha e eu concordo — Prepara os melhores e vamo pra dentro.
— Vamo pensar com mais calma — digo e encosto de volta na cadeira — Tu vai passando as informações na cautela, protege tua identidade, todas essas paradas que nós combinamos — aponto pra Kemily.
— Vocês tinham que ter visto a cara que ela fez quando me viu — ela ri, colocando as mãos na frente do rosto.
— Tiltou né? — eu pergunto, rindo também.
— Chefe, parecia que a alma tinha saído do corpo — ela solta mais uma gargalhada
— Tadinha da minha bichinha — Rapunzel balança a cabeça negando, mas ri também.
— Moleque, queria ser uma mosquinha pra ver ela tirando uma com o canas — Pikachu diz.
Nós ficamos ali trocando uma ideia por mais um tempo, mas logo o dever chamou geral. A atividade não para nunca. Eu tenho uma favela pra tomar conta, Pikachu e Rapunzel são meus braços diretos e esquerdo nesse momento.
— Coe — chamo a Kemily antes dela sair da salinha — Conseguiu aquela parada que te pedi? — pergunto e ela balança a cabeça.
Se não disse nada quando chegou, boa coisa não é.
— Falou que ainda não perdoo o chefe da cirurgia por ter arrancado um pedaço dela — diz parada perto do batente da porta.
— E isso quer dizer que ela ainda não me perdoo por ter trancado ela em casa — sugiro, pegando um baseado pra acender.
— A loira é braba, tem a cabeça formada já, mas é louca por você, chefe — Kemily tenta aliviar pro meu lado e eu rio, sem muita expectativa.
Essa parada tá pegando na minha mente pra caralho. Se tudo tivesse dado certo, eu teria a razão do meu lado, mas mesmo com o que eu fiz, ela foi presa e baleada. E ela não vai entender a porra do meu pensamento, a ferida que a morte do Sábio deixou tá muito aberta ainda, perder ela seria a minha derrota.
— Tu perdoaria? — pergunto — Perdoaria se o Chocolate fizesse isso, pensando no seu bem?
— Me colocando no lugar dela, perdoaria não, isso é o que ela falaria — ela olha rápido pro corredor e depois pra mim — mas falar é fácil, difícil sustentar essa atitude quando tu tá longe da pessoa que tu ama, quando tu perde a vida que tu fantasiou com ela. Podem me chamar de idiota, burra, as piranhas da favela já falam isso, mas se fosse o Chocolate, eu acabaria perdoando.
— Tomara que ela pense assim — dou um trago no baseado, prendo e depois solto a fumaça, sentindo minha pressão diminuir na mesma hora — Valeu aí pela moral que vem dando pra nós.
— Falei que não ia se arrepender de me aceitar trabalhando pra você — diz, orgulhosa e eu rio. Filhote de Lorena mesmo essa mina.
— Única parte que me pega é tua mãe me fuzilando com os olhos quando me vê na rua — rio.
Teve um dia que achei que a velha ia me dar uma bolsada no mercado. Isso depois de eu ter o respeito de ir na casa dela dizer que tava dando uma oportunidade porque a mina tava insistindo.
— Tem que ver em casa comigo — diz e eu percebo o quanto ela fica triste com a situação.
— Melhor vivos e putos contigo do que mortos, tô ligado que é isso que tu pensou. Precisa de disposição pra bancar esse tipo de postura.
— Tenho disposição de sobra — sorri mais animada e eu fico feliz — Vou mimir, to cansada, chefão.
— Vai lá — rio.
Ela sai da sala e eu pego o meu celular, olhando a tela de bloqueio do meu celular, com a mesma foto que tá em todo os jornais do Rio de Janeiro essa semana. Casal lindo pra caralho, nossos filhos vão ser perfeitos, tenho dúvida disso não.
Abro o Whatsapp e vou no contato do Chocolate, enviando o áudio.
Mensagem de voz de Jogador: Aí, filho da puta, te mandar o papo, Kemily não é essas piranha que tu pega na rua não. Tu agir na sacanagem com ela, quem vai te cobrar sou eu. Tá avisado, quer ficar com a mina, beleza, mas fica namoral. Não vou dar o segundo papo não.
Solto o botão do áudio e segundos depois ele responde em texto.
Chocolates: VOU CASAR COM ESSA MULHER CHEFÃO LEVAR ELA PRA MORAR COMIGO
Jogador: Vai com calma crl kkkkkkkkk
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Sonho dos crias [M]
FanficE fé no pai, sei Que todo mal contra mim vai cair por terra Nós gosta da paz, mas não fugimos da guerra Paz, justiça e liberdade, fé nas crianças da favela Eu vivo a vida e amanhã não me interessa Lorena, vulgo Princesa, tá terminando a faculdade d...