Capítulo 49

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Capítulo 49 — Lorena
Complexo do Alemão, 26 de dezembro.

Respiro fundo, sentindo o cheiro dele, enquanto vejo televisão. Hoje é terça​, o natal foi muito bom, ontem fizemos churrasco e hoje estamos só na preguiça. Li​berei os treinamentos essa semana, para voltar com tudo em Janeiro. To precisando desses dias, Matheus tá​ mais light também, as demand​as do morro não param nunca, mas a gente resolve uma coisa ou outra e volta pra casa.

É bizarro que desde que começamos a ficar, quase não tivemos esses momentos de calma, pra se curtir e aprender a lidar um com o outro. Foi correria demais, muita coisa aconteceu.

— Esse loirinho ai, mó filho da puta — ele diz apontando pro Draco Malfoy, na televisão do quarto.

To fazendo ele assistir Harry Potter, desde o primeiro, não posso namorar com alguém que nunca viu Harry Potter.

— Cabelo ruivo — digo e o Matheus me olha — Vestes de segunda mão. Você deve ser um Weasley. — falo igual ao Draco no filme.

— Ah, qual foi? Tu sabe as falas? — eu concordo e rio — Tem vergonha não? Qual a graça de ver os filmes se tu já sabe tudo?

— Fica quieto. Vai começar a parte do chapeu seletor, presta atenção.

Tiro os meus braços do pescoço e deito a cabeça no peito dele. Ele faz um carinho gostoso no meu cabelo, enquanto assistimos ao filme.

Um celular começa a tocar e eu me levanto, sento na cama e pauso o filme.

— Fala, Sábio — ele diz com o celular na orelha, passa a mão na minha, levando até a boca pra dar um beijinho e franze a testa — Não conseguiu falar com a advogada? Como que foi essa porra?

Ele fica quieto por um tempo, ouvindo o que o Sábio tá explicando. Eu não ouço, mas sei que pela cara dele, não é coisa boa.

— Tá, eu vou ver aqui com ela — ele desliga o telefone e olha pra mim — Pikachu foi preso, tá na 12 DP em Copacabana.

— Deram flagrante nele?

— Não, foi preso drogado, por causa de briga — passa a mão no rosto — foi pra cima dos policiais e seguraram ele.

— Cara, se reconheceram ele, tá fodido. Tem passagem? Onde tá a advogada da facção?

— Não tem passagem, aí cai por briguinha. Hoje tem o julgamento de um irmão, o escritório todo tá mobilizado nisso, ela tá sem ninguém pra mandar, aí Sábio queria saber se tu pode ir lá tirar o filho da puta antes que ele faça mais merda.

— Claro, deve tá preso por desacato — levanto da cama e coloco o chinelo — Vou tomar um banho e vou.

Tomo um banho, passo uma maquiagem rápida, coloco mais uma vez aquela roupa de advogada, guardo a carteira da OAB dentro da bolsa e saio do quarto. Tudo isso em tempo recorde, não quero o Pikachu muito tempo dentro daquela delegacia. Os caras provavelmente não tem nada contra ele, mas vão forçar um depoimento que pode complicar coisas que são simples.

A questão é que dependendo de onde ele for preso, algum PM pode reconhecer ele de confronto, fora que a gente não sabe até onde o Mendonça foi como X9 aqui na favela, então tenho que ir bem preparada pra qualquer merda. Quando estive na faculdade, cheguei a acompanhar alguns Advogados Criminalistas, por isso sei como me portar numa delegacia.

— To saindo — digo pro Jogador sentado no sofá, puto da cara​.

— Cuidado lá — diz emburrado — Você fica linda com essa roupa.

Sorrio e dou um selinho nele, saindo pra garagem. Passo a mão por baixo do banco, verificando se a arma que deixo no compartimento do carro ainda tá aqui. Tiro outra pistola da bolsa e coloco debaixo do banco do passageiro, não gosto de andar desarmada na pista.

Saio do morro rápido, o Waze dá trinta minuto​s até copacabana, mas eu faço em vinte.​

Quando chego, vejo as informações que o Jogador me mandou no Whatsapp, com o nome completo do Pikachu e saio do carro com a minha bolsa.

Cumprimento os policiais que estão do lado de fora da delegacia com a maior simpatia do mundo e subo o pequeno lance de escada, me dirigindo ao balcão.

— Bom dia, meu nome é Lore​na Damasceno, sou advogada do senhor Marlon de Souza Pereira — digo ao policial civil que me atende,

A delegacia estava cheia, provavelmente ainda com as ocorrências do natal, essa época do ano a incidência de crimes e violência aumenta, ainda mais em Copacabana, lotada de turista.​

Quase uma hora depois consegui falar com o Pikachu, fui até o delegado, analisei os autos do inquérito e paguei a fiança que o Delegado estabeleceu pro filho da puta. Lesão corporal , desacato a autoridade e porte de drogas, nem armado ele tava. O arrombado é gerente geral do complexo do alemão, qual a chance de não saberem a identidade dele? Pois é, não sabem e continuam sem saber. Agora, ele dá um mole desses, eu não entendo. Sorte que foi preso por PMs do batalhão de Copacabana, até no azar ele dá sorte.

Cumprimento os policiais na saída e ando em silêncio até o carro, acompanhada pelo Pikachu. Ele tá um pouco machucado, com um corte na boca, mas nada demais, fudido ficou o cara que entrou na briga com ele.

Entro no carro e ele também, sento, bato a porta, jogo a bolsa no banco de trás e cruzo os braços, olhando pra ele.

— Tá de sacanagem, porra? — pergunto.

— Raquel armou pra mim — diz balançando a cabeça.

— Foi por falta de aviso? — ele não responde — Jogador te avisou, Sábio te avisou, sua tia te avisou...

— Caralho, fui um cego fudido. Jogador vai comer meu rabo com razão, eu vou matar essa filha da puta. A primeira coisa que vou fazer quando chegar no morro é ir na casa dos pais dela.

— Coloca a sua mente no lugar antes de cobrar essa porra — dou partida no carro, de volta pro morro — Me explica direito o que aconteceu, não entendi nada quando a gente conversou lá dentro.

— Mano, nem eu entendi. Nós passamos o natal com a família dela lá no morro, aí quando foi ontem de noite, ela ficou me perturbando, que tinha uma festa pra vir em Copacabana.

— Festa 25 de dezembro? — pergunto desviando o olhar do sinal parado pra ele.

— Nã​o, essa porra nem é o pior, ela fez eu deixar a arma no carro, falando que não dava pra entrar. Caralho, eu sou um imbecil completo, cego por causa de buceta. — ele nega com a cabeça o tempo todo, revoltado — Aí eu fiquei chapado na festa, quando vi, tava no meio de uma porradaria, a filha da puta foi embora, chamaram a polícia. Eu nem consigo lembrar direito, com detalhes do que aconteceu.

Ele vai me contando os detalhes da noite na carceragem enquanto eu dirijo pra casa, o trânsito tá tranquilo, então a volta é tão rápida quanto a ida.​​ Na avenida brasil, meu celular começa a tocar dentro da bolsa.

— Pega pra mim, por favor — Peço ao Pikachu e ele vira pra trás puxando a minha bolsa.

Procura o celular, pega e me mostra a tela com o nome da Cecília.

— Atende aí.

Cecilia: Lo, onde você tá? — ouço ela perguntar, quando Pikachu coloca no viva-voz.

Lorena: Tô na pista, Pikachu tá comigo no carro, tá no viva-voz.

Cecília: Amiga, acho que tá tendo operação aqui no morro.



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meta: 15 ⭐️
Cabô a paz? 🙃

Sonho dos crias [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora