Capítulo 38

2.9K 244 5
                                    

Capítulo 38 — Pov Jogador
Cpx do Alemão, Rio de Janeiro.

— Cabeça não conseguiu nada no celular que te mandou a mensagem? — Sábio me pergunta.

— Tinha nada.

— Então pode planejar a carga pra essa semana.

— Pedi pro Digão comprar 100 quilos de farinha e empacotar — eu rio — Vamo buscar lá no morro dele na quinta. Divulgar bastante essa, pra não ter erro deles não aparecerem, pegar pelo menos um que tiver na missão com os inimigos e trazer pra cá.

— Vamo tratar na seriedade de um transporte de carga normal, deixa só nós dois e Digão sabendo a verdade. — Sábio diz e eu concordo.

Nessa altura do campeonato, tá dando pra confiar mais em ninguém.

— Falou com Pikachu? — pergunto e meu irmão encosta na cadeira.

— Chamei ele pra conversar mais tarde, vou mandar ele tirar uns dias aí e colocar a cabeça no lugar em nome da nossa amizade.

— Virou a porra de um comédia, inacreditavel — eu nego com a cabeça — Tem que cobrar esse filho da puta pra ele aprender.

— Vamo agir na tranquilidade com o irmão, a gente deu o primeiro aviso — ele mexe nos cordões de ouro — quero fazer uma festa de natal pra comunidade, tem uma semana aí pra organizar, comprar uns brinquedos pras crianças.

— Manda nossa primeira dama organizar, ela vai se amarrar. Deixa uns caras na funçao dela e pronto.

— Papo reto, vou falar com ela, assim sossega o rabo dentro dessa favela.

Ele mexe no celular, provavelmente falando com a Laís, quando o rádio toca.

"Ai, Sábio, VG na voz, ouvi barulho de tiro de pistola aqui no meu posto."

Eu ergo minha cabeça e encaro o Sábio que pega o rádio em cima da mesa

Sábio: Qual o papo? — ele agurada a resposta por uns segundos
Princesa: Fui eu, filho da puta aqui abusando de criança.
Sábio: Tô indo pessoalmente cobrar. — diz puto.

Parada inaceitável em qualquer favela aqui no rio é isso, seja aliado ou inimigo, ninguém aceita estuprador. Levanto  junto com o Sábio e pego o fuzil encostado no sofá passando pelas costas.

A gente cresceu nessa favela e tem tudo mapeado na mente, então nem preciso de muito pra saber onde é o posto do VG, faço sinal pra Chocolate e Pretinho na frente da boca que sobem nas motos e nos seguem.

Quando chegamos no alto da escadaria, já posso ver o movimento de morador olhando pra uma viela lá embaixo. Desço na moto, desço as escadas e encontro os caras do movimento conversando com o Vapor que Princesa tava fazendo a ronda hoje.

No chão, na frente deles e em cima de uma poça de sangue, tá o filho da puta apagado, dois tiros na perna e a cara arrebentada. Desconfigurado, mas consigo ver que é do movimento, andou lado a lado com nós, fez o imperdoável e vai pagar dez vezes mais.

— Tá morto? — Sábio pergunta pro moleque.

— Tá não, patrão, tá vivo, mas apagou — Passo o olho nele que ta com um fuzil nas costas e segurando uma pistola.

— Tu que atirou? — Pergunto.

— Princesa atirou e eu tirei ele lá de dentro — olho em direção a porta vendo o rastro de sangue — a menina tava muito assustada, nós tava andando e ouvimos o choro dela de longe

— Filho da puta — Sábio diz e  passa a mão no rosto — Chocolate, eu quero saber porque nenhum vizinho passou a visão dessa porra. Quem tá ligado no errado e fica quieto, vai ser cobrado igual.

Sábio fala bem alto pros moradores que estão em volta ouvirem. Chocolate olha pro meu irmão e entende o recado. Aqui na favela geral sabe de tudo, ouve tudo, mas quando é pra salvar uma criança ninguém aparece?

— Prepara o pneu, pretinho — Sábio ordena — Eu vou lá daqui a pouco passar o papo pra quem ainda não entendeu as leis nessa porra.

Os moleques pegam o filha da puta e que agarram ele pra fora do beco. Ando até o Hugo e estendo a mão pra ele que me entrega a arma e olha nos meus olhos.

— Acompanha o pretinho lá — indico pra ele com a cabeça — Primeira ronda tua e menos um filho da puta no mundo, continua assim e vai ter nossa moral.

— Tô aqui pra honrar a oportunidade, Jogador.

Eu aceno com a cabeça e ele vira de costas indo atrás dos outros.

Entro na casa depois do Sábio. A casa tá toda esculachada, não é questão de simplicidade, tá largada mesmo. O sofá tá encharcado de sangue, provavelmente foi onde o cara tomou os tiros.

— Tia, meu pai disse que menina tem que ficar quietinha e obedecer — ouço a criança falar, entre os soluços — por isso eu chorei baixinho pra ninguém ouvir e ele não brigar comigo.

— Eu te ouvi, chorando baixinho — Lorena diz sentada na cama ao lado da menina — e vim te ajudar, porque ninguém pode tocar nos lugares que ele tava tocando sem autorização e as meninas se protegem  — ela diz com a voz mais suave possível.

Eu e Sábio ficamos na porta do quarto olhando de longe as duas conversarem e logo a Lorena nos vê.

— Maya, quero te apresentar a dois amigos meus — ela segura a mão da criança — Aqueles ali são o Sábio e o Jogador. — diz apontando pra gente.

Eu não consigo me mover nessa situação, não sei o que falar, só sinto ódio muito grande por pensar na possibilidade de um pai fazer ruindade com uma criança. A menina é moreninha, de cabelos enroladinhos e passa uma inocência absurda.

— Eu conheço eles — ela me olha e limpa o rostinho parando de chorar — eles são os chefes do trabalho do meu pai.

— E você sabe o que a gente faz? — Sábio pergunta sem se aproximar e ela concorda com a cabeça.

— Minha vó falou que esse negócio aí — ela aponta pro fuzil — é pra acabar com a bagunça na favela.

— E pra proteger o morador — Lorena diz prendendo o cabelo num coque.

— Tu mora aqui, não mora? — eu pergunto e ela concorda — Então vamo te proteger, po.

Eu to longe de querer nos colocar em posição de herói, mas o que eu vou dizer pra uma menina que acabou de ser abusada pelo pai que é funcionário nosso? No momento nós somos os únicos que podem defender ela.

— Quem é tua avó? — Sábio questiona.

— Vó Neide, ela é mãe da minha mãe que foi embora, aí ela cuida de mim.

— Vou te levar pra casa dela então, pode ser? — Lorena pergunta segurando a mãozinha ainda.

— Pode, tia.

A menina não chora mais, acho que ela não tem nem noção da gravidade do que acabou de acontecer. Lorena trata ela com todo carinho possível e a menina agarra a mão da loira com confiança.

Eu dou um passo pra frente, chegando mais perto delas, e agacho.

— Maya — olho pra Princesa e depois pra menorzinha — Ninguém vai te machucar mais não, suave? Tu tá com nós e nós protegemos os nossos.

Ela me olha nos olhos e confirma que entendeu.

— Quer levar ela no postinho? — Sábio pergunta baixo pra Lorena.

— Vamo na avó dela primeiro, a gente chegou antes que ele fizesse o pior — a loira responde — ela precisa mais de apoio psicologico

Sonho dos crias [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora