Capítulo 78 - Kemily

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Capítulo 78 — POV KEMILY

— Preciso passar em casa antes de pegar no plantão, dormir um pouquinho — digo pra minha chefe, que passa a mão pelos cabelos loiros e faz um coque no alto da cabeça — Pretinho pediu pra eu dobrar, por causa da missão que vocês vão amanhã.

— Atividade, gatinha — ela me diz, enquanto as outras conversam sobre as coisas do morro — Amanhã vai ser tenso.

— Relaxa, aprendi com a melhor — puxo o saco dela, que sorri e nega com a cabeça, prestando atenção em alguma coisa que a Rapunzel diz.

Princesa me deu a oportunidade da minha vida, me ensinou tudo, da vida e do crime. Eu sou fã número um dela, mas não digo nada, vivo fingindo costume de conviver e aprender com a mais braba que o crime do rio vai conhecer um dia. Eu tenho certeza que ela ainda não chegou em nem 10% do auge e já é melhor que a maioria dos homens.

— Gente, vou embora — falo, levantando na mesa e elas me olham.

— Tá cedo ainda, minha filha — Tia Solange segura a minha mão.

— Eu sou funcionária, tia. To de plantão daqui a pouco.

— Ô, Princesa, tadinha da menina — Tia Iracema tenta interceder por mim e eu rio — Menina chega tá tão magrinha e com carinha de cansada, de tanto que vocês arrancam o couro dela — eu rio do esculacho sutil que ela me dá.

— Ela que pediu pra entrar nessa vida, tia — Princesa dá de ombros.

— Encheu o saco, na verdade — Laís diz, passando a mão na barriga.

— Tem problema não, tias, um dia eu vou ser patroa igual elas. Beijo pra vocês, amanhã tô contigo na boca, Rapunzel. Obrigada pelo almoço — mando beijo pra elas que retribuem com tchau — Chefe, se for dar um pau naquela lá, me chama.

Saio correndo da casa da Laís, pego meu fuzil do lado de fora da porta e dou tchau pros meninos da segurança antes de ir a pé até em casa.

É um chãozinho até chegar lá, mas ainda to juntando o meu dinheirinho pra comprar uma. Bom também pra ir pensando e me preparando pro estado que vou encontrar meu pai quando chegar em casa. Dias bons, dias nem tão bons e dias ruins.

Consegui levar ele num médico bom na semana passada, ele descartou a possibilidade do Alzheimer, mas descobriu a cirrose e com ela a encefalopatia hepática, que causa as confusões mentais. O doutor explicou que essa doença acaba com as funções cerebrais, porque o fígado não consegue eliminar as substâncias tóxicas e elas acabam indo pro cérebro.

— Oi, paizinho — digo quando abro a porta de casa e o encontro sentadinho vendo televisão.

— Oi, kekelzinha — ele sorri quando me vê e eu imagino que ele esteja num dia bom — Como foi na escola?

— Foi bem — falo respirando fundo, tentando me manter bem, porque é muito duro ver a pessoa que você mais ama no mundo tão ausente de si.

Meu pai foi na minha formatura do colégio ano passado, já não estava 100%, mas melhor do que agora. Só espero que, com o diagnóstico e tratamento, ele melhore.

— Mãe? — chamo, encontrando ela na cozinha — Tudo bem?

— Tudo, tô fazendo a janta de Lino — ela me diz, meio seca e concentrada no refogado.

— Se precisar de alguma coisa, me diz. Vou dormir um pouco que mais tarde tenho que trabalhar — digo, pra ela ter certeza que pode contar comigo.

— Trabalhar — ela nega com a cabeça, sem nem olhar na minha cara — Isso não é trabalhar não, Kemily, é safadeza, bandidagem, mas trabalhar não é.

Sonho dos crias [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora