Capítulo 63

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Capítulo 63 — Jogador

Rio de Janeiro, 1º de Janeiro

Passo a mão na cintura da Lorena e sinto ela enrijecendo a postura. Não to sentindo nenhum pingo de ansiedade por estar aqui como chefe pela primeira vez, mas nem imagino o que tá passando na cabeça da loira agora: primeira vez numa reunião cheia de homem, primeira vez em público comigo e primeira vez cara a cara com a facção depois da traição do Capitão.

Subo as escadas do casarão no complexo do Lins, favela de origem do Dom, passando a mão nas costas dela, não quero que ela se sinta sozinha em momento nenhum. O potencial dessa mulher supera o da maioria dos caras que vão tá aqui hoje, não vou aturar ninguém se achando melhor do que ela só por ter um pau no meio das pernas.

Olho de relance pra ela e vejo ela respirar fundo mais uma vez, antes de chegarmos no último degrau. É aí que ela coloca aquela postura de bandida que me deixa na porra do chão.

A laje dá uma visão maneira do complexo, mas o que mais chama a atenção no momento somos nós. Parece que todo mundo olha pra subida da escada quando a gente aparece. Quero que se foda também, somos um casal foda.

Ela não treme, eu muito menos, com uma mulher dessa do lado, tenho nem esse direito.

Nós andamos até o Dom, sentado numa mesa com o chefe da Cidade de Deus, logo à direita da escada. Ele nos olha e concorda com algo que o Itaúna tá dizendo.

— Boa noite — Lorena diz chegando na mesa deles e o Itaúna passar o olhar nela, de baixo pra cima, mas depois estende a mão pra mim.

Dom levanta pra falar com ela, pega na mão dela e os dois conversam.

— Resolvido? — pergunta e ela concorda — Tudo? — olha pra mim e depois volta a olhar pra ela, com cara de satisfeito.

— Missão dada é missão cumprida — ela sorri pra ele.

— Por isso eu gosto pra caralho de você — Dom expande o sorriso também, mas não solta a mão dela  — Quero ser padrinho de casamento — diz de forma que só nós dois conseguimos ouvir.

— Vamo começar soltando a mão da minha mulher então — eu aproveito a deixa.

Se liga, cheio de conversinha pra cima da minha dona. Tá achando que vou aliviar para ele só porque é o chefão. Ele ri e bate nas minhas costas, me cumprimentando.

— To muito nova pra ter marido, Dom — ela diz pra ele, mas olhando pra mim.
Bandida

— Vai brincando com bandido pra tu ver — ele brinca com ela, geral sabe que quem tem que ter cuidado pra não amanhecer com a boca cheia de formiga sou eu.

— Já mandei o papo, depois que acordar careca, não quero reclamação — eu concordo e ela faz aquela cara de marrentinha.

Passo o olho rápido pelo ambiente atrás deles, enquanto eles conversam mais, vejo os moleques que são mais colados comigo, Digão e Coreano, conversando com o Leão e com o cara que eu reconheço como o Dedé, único fechamento da Princesa que sobrou depois dessa parada toda.

— Esperando uma rapaziada chegar aí, pra nós trocar uma ideia melhor — Dom fala pra mim.

— Suave, irmão, vou colar ali no Digão e Coreano — aceno a cabeça pra ele e ando até os caras com a Lorena na frente.

É absurdo como ela chama toda a atenção pra ela, e não só pelo fato da traição do Capitão, tenho certeza que se eu trouxesse ela aqui, em outro momento e somente como minha fiel, deslocaria as cabeças da mesma forma. A boa é que assim que os caras me vêem do lado, já entende o recado, eu sempre aviso antes de fazer uma parada, mas dessa vez, nem preciso dizer nada, tenho certeza que geral já sabe que é minha mulher.

Outros irmãos de facção também trazem suas fiés pra essas reuniões, acaba sendo uma confraternização, essa troca é importante pra estreitar os laços de fidelidade e lealdade entre os donos. E da mesma forma que eu não olharia pra nenhuma delas, não quero que olhem pra minha com maldade, independente de quem ela seja. Vou cobrar esse respeito quantas vezes for preciso.

Vejo a Lorena cumprimentar os caras que estão de pé e abraçar o Dedé, ele abraça ela de volta e fala umas paradas ainda abraçado que não ouço.

— Meus sentimentos, irmão — Coreano me abraça e Digão vem logo em seguida.

— Valeu, meu mano. tamo junto, obrigada pelo apoio.

— Essa nossa vida é cruel pra caralho — Digão diz.

— Parada sinistra, outro dia nós tava felizão comemorando o herdeiro do nosso parceiro — Coreano nega com a cabeça.

— Te falei que aquela filha da puta lá tava mandada — falo pro Coreano, me referindo a Raquel — Tava no meu radar já, fico puto de não ter sacado qual era a dela antes.

— Tinha nem como, irmão. Eu quase tomei um tiro do Pikachu por causa daquela filha da puta, bicho ruim — ele nega com a cabeça — Fiel do cara, nem imagino como ele ficou depois que descobriu.

— E qual foi o final dela? — Digão pergunta.

— Soube não? — questiono ele — Filha da puta mandou o papo de que tava grávida do Capitão.

— Tá de sacanagem — ele não acredita.

— E tava grávida mermo?

— Tava porra nenhuma, princesa apertou ela e ela não bancou, se me perguntar onde foi o tiro, eu nem tô ligado, ela mesma deu o fim e mandou vazar pro judas.

— Que pica, irmão — Digão nega com a cabeça.

— Nem fala, po

Me viro de costas pra ele, andando até o Leão, logo atrás de mim, conversando com o Dedé e com a Lorena.

— E aí, meu parceiro, como que tu tá? — Leão pergunta na sinceridade

— Luta é luta, mano, mas nós vamo vencer — passo o braço pelo ombro dele — Perdão aí qualquer parada.

— Tamo junto, te entendo.

Eu não tinha me desculpado com o Leão ainda por ter deduzido que ele tinha vazado a carga e eu prezo pra caralho pelo justo, já tô ligado que isso tem envolvimento do Capitão também, Lorena deu que tava indo buscar carga, ele só somou dois mais dois.

Estico a mão pro Dedé e ele bate, apertando a minha.

— Sinto muito por toda a parada que aconteceu lá — ele diz olhando nos meus olhos — o que eu puder fazer pra reparar os vacilos daquele pau no cu, tô à tua disposição. Eu me enganei com o Capitão, tava na intenção de que só o BW era o cuzão da história.

Na minha visão periférica vejo a Lorena respirando fundo e olhando pra cima, eu sabia que ver o Dedé ia balançar ela, porque ele relembra a confiança que ela tinha no pai. Diferente da Cecília, que era uma ligação de amizade direta, o Dedé era o olhar do Capitão na vida da Princesa, uma parceria moldada e criada pelo pai dela. E não é uma questão de desconfiança, nem que seja culpa do cara, mas às vezes a gente precisa se afastar de certas amizades pra não enterrar elas de vez.

— To ligado, meu mano. Vai ser bom pra caralho ter você trabalhando com o Leão, deve ter ganhado uma puta experiência lá no exterior.

Sonho dos crias [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora