Capítulo 97 — Lorena
Sento no sofá da casa que cresci, depois de meses. Tudo tá diferente do dia que eu tomei o tiro, Jogador queimou as coisas do Capitão e eu sou grata por isso, mas não sei se quero ficar ou construir outra casa no morro.
Ouço o rádio chamar e pego ele ao meu lado, aproximando a orelha.
Concha: Patroa, só pra te avisar que a dona Laís tá subindo aí — sorrio ao ouvir a informação do soldado que veio pra Penha desde que eu cheguei aqui.
Princesa: Valeu, Conchinha.
Largo o rádio no sofá novamente e me levanto, andando até a porta.
Cheguei na Penha anteontem, depois de um mês lá na Rocinha, comandando de longe a comunidade através do Leão. Um mês com pouco propósito, muito solitário, apesar de eu ter conhecido um pessoal, não podia dar mole de vazar onde eu tava.
Abro a porta e vejo a Laís sair de um carro branco. Na verdade, a barriga de oito meses sai na frente e minha amiga sai atrás.
— Eu disse pra você que ia lá daqui a pouco — falo com ela, negando com a cabeça, enquanto ela se despede do motorista.
— E eu disse que queria vir — sorri, andando até mim.
— Não fica cansada com uma barriga desse tamanho? — ela chega até mim e me abraça. Eu abaixo minha mão, passando por cima do vestido dela. Daiane chuta, me fazendo sentir a presença dela ali.
— Muito cansada, não vejo a hora dessa menina nascer— afasta do abraço e me olha — Parece que eu to grávida há uns dez anos.
— Muita coisa aconteceu nesse meio tempo — respiro fundo, porque foram muitas coisas mesmo — O nascimento da daiane significa muita coisa.
Ela sorri de lado e concorda. Nós entramos em casa e ela senta no sofá.
— Quer o que pra beber? — pergunto, antes de me virar e andar até a cozinha que tomei um tiro do meu pai. Eu preciso realmente me mudar — Suco de uva ou refri?
— Pode ser suco — responde. Eu encho um copo e entrego a ela.
Sento do outro lado do sofá, feliz por estar com uma pessoa que eu amo e me faz tão bem, tava precisando desse carinho.
— To tão feliz que você tá viva — diz depois de tomar um gole de suco e passa a outra mão na barriga — Quando eu soube, fiquei com medo. É um filme que passa na cabeça na hora...
— Eu não sei como sobrevivi, lembro de estar cara a cara com o Capitão e depois só de acordar na cama do hospital, sem um pedaço do fígado e presa, tudo no meio disso são flashes —não gosto muito de pensar naquela situação de impotência — E como tá o povo? Luquinhas e as tias eu ainda não vi.Saudades do meu principezinho.
— Tia Iracema tá melhorzinha, Sol dá uma ajuda pra ela e o julgamento do Dedé vai ser marcado em breve — diz e eu concordo, tenho mantido contato com a advogada por telefone — E Lucas tá passando o dia com o tio dele — me encara e eu sinto o aperto no coração que tô lutando pra mandar embora há dias.
Me afastar do Jogador foi a escolha mais difícil de toda a minha vida. Não perdi só o namorado, como também perdi o meu melhor amigo. Na minha cabeça, a gente conseguiria lidar melhor com isso, mas ele não quer me ver, tudo o que precisou ser resolvido entre nós dois até agora foi por mensagem. Desde a definição dos soldados que viriam pra cá até mudança das minhas coisas que estavam na casa dele.
— Ah... — falo triste.
— Por que você fez isso? Não entendeu nada do que eu te falei depois da morte do Maurício? — Cruza os braços acima do barrigão.
— Eu tava magoada — sou sucinta ao dizer, esfregando uma mão na outra.
— E não tá mais? —- se estica com dificuldade, colocando o copo em cima da mesa.
— É dificil — respiro fundo — Ë dificil saber.
— Olha, voce sabe que o Matheus é como um irmão pra mim, não to querendo dar razão pra ele, mas agora que não tá mais tão... tão recente assim, tu não acha que devia pensar se a saudade é maior que a mágoa... Tipo, porque esse término não faz mais sentido.
— Não é só por causa disso aí não. No começo até era, há um mês atrás eu tava muito ferida mas, agora, eu preciso andar um pouco sozinha. Eu não sei nada sobre mim, tipo, tudo o que eu sou, se referia a outras pessoas, preciso reconstruir isso sozinha — desabafo.
— Nem todos os relacionamentos do mundo vão te sufocar, Lorena — ela diz, se referindo ao que Capitão fez.
— Mas não sou só eu que sou escaldada não, Matheus deu motivo, sabe? Nós dois temos gênios fortes, mas me trancar, me impedir, mentir... São coisas que eu não esperava dele — cruzo as pernas, tipo perninha de chines, e olho pra baixo.
— Tu é escaldada e ele também. Foi pouco o que ele viveu também não. Tava com medo e teve uma atitude impulsiva, nada fora do comum. Em sã consciência ele não pensaria isso. Mas como eu disse, não to defendendo ele não — diz, erguendo as mãos em sinal de rendição.
— Tá não, po — rio e reviro os olhos — Imagina se tivesse. Tá todo mundo defendendo ele nessa porra, até Cecília e Dom, parece que eu sou a únca maluca e ele não simplesmente me trancou em casa com cinquenta seguranças, me subestimou e foi tomar a minha favela pra mim. Quero príncipe encantado não. Eu sou traficante, só queria alguém pra andar do meu lado, me apoiar, confiar em mim e todas essas coisas que eu não tive — é só eu rever esses fatos que a minha raiva dele volta.
— Tudo bem, não tá mais aqui quem falou — ela encerra o assunto depois de eu ter me alongado — Vou nem entrar no assunto Rita pra não te estressar — diz baixo.
— Eu vou falar com ela essa semana.
— Que bom, vai ser bom pra você, amiga — sorri e eu chego mais perto dela, fazendo um carinho na barrigona.
— A data do parto ainda é dia dois de julho? — pergunto, sorrindo.
— Sim, mas tô achando que ela vai nascer antes. Sei lá. Pressentimento de mãe — ela dá de ombros e eu alargo mais ainda o meu sorriso.
— Admiro tanto você, se um dia eu tiver um filho, quero ser 10% da mãe que você é.
— Você vai ser uma mãe leoa, já imagino — diz — Assim como vai ser uma dinda fodona pra Daiane.
— Tá falando sério? Sou eu? — pergunto, me afastando um pouco.
— Sim — ela me puxa pra outro abraço — Só ˜não deixa mais ninguém colocar a mão no seu cabelo não, tá linda, mas eu tenho ciúmes — fala me faz rir.
— Falando em cabelo e a Samira, ein? — pergunto porque me diverti com essa história já.
— Cecília te contou?
— Nem deu tempo, Pretinho que ficou lá na Rocinha comigo nos primeiros dias, adora uma história.
— Tá carequinha, nem dá as caras na rua.
— Merecido, queria ter sido eu a mandar passar a zero.
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nota da autora: oi, gente. Não se espante se o tempo passar mais rápido agora, estamos próximas ao capítulo 100.
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Sonho dos crias [M]
FanfictionE fé no pai, sei Que todo mal contra mim vai cair por terra Nós gosta da paz, mas não fugimos da guerra Paz, justiça e liberdade, fé nas crianças da favela Eu vivo a vida e amanhã não me interessa Lorena, vulgo Princesa, tá terminando a faculdade d...