Capítulo 100

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Capítulo 100 — jogador
Faço o sinal da cruz assim que eu vejo os fogos no céu da Nova Holanda.​
Desde o começo dessa putaria toda eu avisei pro Fael que nós era inimigo, mas eu respeitava ele como homem. Agora, eu vou dar pra ele o tratamento que eu dou pra moleque.
Entro na comunidade, trocando tiro, respiração acelerada e foco. Porra, eu to focado pra caralho.​​ Planejei cada detalhe do dia de hoje. A Nova Holanda faz parte do complexo da maré, mas diferente do Complexo da Penha, aqui, mais de uma facção manda. A NH faz divisa com comunidades que fecham com nós, então tá tudo favorável pra nós. ​

— Localizaram o Fael — Pikachu chega atrás de mim, dizendo — Preso em casa com uma das famílias, tem um bonde nosso lá.

— E o Capitão? — Me apoio no muro, virando pro meu parceiro.

— Nada — nega com a cabeça.

— Vamos avançar na direção do Fael. O resto é pra achar o Capitão.

Dou passos firmes pelas ruas. Todos os comércios estão fechados e vejo corpos pelo caminho.

Entramos numa viela, já perto do barraco onde encontraram o Fael,  e ouço um barulho próximo ao final do beco, onde tem uma pequena construção de tijolo.

Ando até lá, com um bonde de seis nas minhas costas​. Tento não entregar minha aproximação, deixando minha respiração o mais calma possível, porque tô ligado que o Capitão é igual um rato, duvido nada dele tá escondido por aí. 

Abro a porta rápido, mirando com o fuzil pra dentro.

— Qual foi, tio? Qual foi? — Um moleque, um pouco mais velho que meu sobrinho, com uma bebezinha no colo chama a minha atenção — Não me mata, por favor — ele chora.

Olho ao redor dos irmãos e percebo que é uma casinha pequena, tipo um armário, pra proteger a bomba de água que abastece a viela.​​

— Não tá no teu barraco por que, moleque? Tá vendo que tá tendo invasão na favela não? — abaixo o fuzil, prestando atenção neles.

— Meu pai mandou eu sair com a minha irmã — ele chora — falou que você ia vim atrás da gente​.

— Quem é teu pai? — pergunto e ele balança a cabeça, sacudindo o neném que resmunga no colo dele — Tu é filho do Fael​? manda o papo, vou fazer mal pra tu não, nem pra ela.

— Não posso falar — continua negando.

To ligado na situação do moleque, já fui filho de dono de morro. Primeira coisa que meu ensinou foi isso quando comecei a entender quem ele era: se tu não conhece a pessoa, não fale de quem tu é filho. Nego pode achar que isso é motivo pra gastar a onda, mas geralmente só vai colocar sua vida em risco.

— Tu acha que é filho dele? — Pikachu pergunta baixo.

— É, eu melhor do que ninguém sei reconhecer um​ — abaixo pra ficar na altura dos olhos dele — Presta atenção na parada que eu vou te falar, tu já tá grande o suficiente pra entender — olho nos olhos dele e ele me encara de volta — Teu pai vacilou, tomou as dores de quem não era pra ter tomado, e tu tá ligado que aqui na favela todo mundo tem que lidar com as consequências das escolhas, não tá? Não foi assim que ele te falou? — concorda, ainda me olhando — tu não tem nada a ver com isso, então ninguém vai fazer maldade contigo. Vai ficar aqui com a tua irmã até a tua mãe chegar e vocês meterem o pé. Se liga, a responsabilidade da tua irmã agora é sua. Nenhum conhecido na rua vai ser tão teu amigo quanto ela no futuro, cuida bem dela.

Me levanto, dando as costas pro garoto e endireitando o fuzil.

— Dois de vocês ​ficam aqui, só quero ele saindo quando a mãe dele aparecer, os dois pra fora da comunidade.

Pikachu sai na frente, me indicando o caminho de uns cem metros até uma casa amarela por fora, totalmente diferente da vizinhança. Cinco dos meus soldados estão do lado de fora.

Entro na casa e há sangue no chão da sala​​, entro em um corredor e viro no primeiro quarto.

Fael está com as duas mãos amarradas pra trás e sentado no chão.

Na cama, uma mulher, de cabelo enrolado, chora assustada e coberta por um lençol até a altura do peito, como se pudesse se defender assim.

– Tu é a mãe do moleque com a menina no colo? — pergunto a ela, sem olhar pro Fael e ela concorda com a cabeça.

— O que tu fez com meus filhos, seu pau no cu? — ele grita.

— Sou filho da puta pra fazer covardia com criança não. Tão te esperando na casinha da bomba de água. Levanta, pega eles e mete o pé da favela. Bora — digo firme e ela obedece — Ensina pro teu filho que esse aí é o destino de quem fecha com arrombado fudido, o moleque é responsa — aponto pro estado do Fael, rosto arrebentado e tiro na perna.

Ela corre pra fora do quarto, sem nem olhar pra cara do marido.

— Te dei o papo, Fael, e tu sabia que, fechando com ele,  eu ia te atropelar — olho pra ele.

— Da licença, chefão — Pitbull chega pela lateral e se aproxima, me mostrando uma foto com o corpo do Cobra, irmão do Fael.

— Motra pro cara aí — aponto pro inimigo sentado no chão.

— Vai tomar no cu, Jogador, seu fudido do caralho! — grita, quando olha a imagem na tela — Meu irmão, seu filho da puta.

— Tô ligado nessa dor  —chego mais perto, enfiando um dedo na ferida dele, que grita — Só que comigo foi na covardia, trairagem. Tu foi avisado. Teu irmão tava brincando com a minha cara, quase eu entrei na bala por causa de armação dele com Capitão. Tá pensando que eu esqueci? Esqueço de porra nenhum. Cadê o velho? Manda o papo logo, vai morrer os dois juntos. 

Ele me olha com ódio, mas no fundo sabe a merda que fez. Perdeu tudo. A facção dele já tava nessa favela há vinte anos, foi ele ser otário pros caras perder pra nós. Se eu não matar, eles matam.

Eu espremo os olhos olhando pra ele, triste pelas crianças que vão crescer sem os pais, tô ligado que o Cobra também tinha mulher e filho, mas eu preciso que tenham respeito por mim no crime. Quero construir família, esse é meu sonho, sem respeito eles vão tá em perigo e eu não quero ninguém em perigo por causa de mim.

— Tava protegendo o cara aí, cadê o fudido agora que tu tá na merda , filho da puta? — pergunto mais uma vez.

— Eu não sei, caralho.

— Tu tá na posição de um verme, agora quer morrer como homem? Não fode, porra! Manda o papo, filho da puta, olha onde a fidelidade que tu deu pro Capitão te levou  — chuto a perna dele.

— Se eu soubesse, eu falava, caralho, já passei pros teus caras a porra do lugar onde ele tava dormindo — ele tenta pressionar a ferida na perna pra conter a dor. Deve tá ardendo pra um caralho.

— Tu é burro pra caralho, deixou o cara fugir e te deixar de otário. Eu te matando é um favor que tô fazendo pra tua facção — Nego com a cabeça —Manda varrerem a favela atrás dele — viro pro Pikachu ao dizer — Aciona os parceiros vizinhos também, quero todo mundo atrás.

Pikachu tenta a comunicação com Pretinho e eu viro de volta pro Fael, segurando o fuzil com as duas mãos.

— Qual foi, cara. Eu tenho filho pra criar, Jogador — implora porque sabe do resumo e sabe que eu não sou safado. Só esqueceu que eu também não sou burro.

— Nós é inimigo, porra. Eu te avisei pra caralho ainda, fui bom. Tu é otário. Falhou com a sua família. Valeu a pena, arrombado? Valeu a pena de meter na porra do meu caminho pra defender aquele velho que tentou matar a própria filha, porra?

— É a guerra — ele grita, com o rosto vermelho — Eu ia perder a porra do território pros teus parceiro, era a única forma.

— Perdeu da mesma maneira —  digo ao empunhar ao fuzilar o corpo dele — Tu é o frente da Nova Holanda agora — digo pro Pikachu e ele concorda — Já sabe o que fazer, manda pra facção que o Fael caiu e marca reunião com o Dom. Eu vou atrás do fudido.

Sonho dos crias [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora