Capítulo 45

3.1K 252 5
                                    

Capítulo 45 — Jogador

Paro na porta da casa do Sábio, desço da moto e falo com os caras da segurança.

— Ia lá na boca falar contigo agora — Pretinho fala e eu encosto no muro do lado dele — Princesa mandou o papo que já dá pra botar os menor dela pra trabalhar, tudo palmeado, óbvio.

— Mandou essa papo pra mim também, tu tá ligado quem são os vinte? — ele concorda e eu tiro um baseado do bolso — Quero dois com nós no Baile amanhã e o resto tu vê aí, mas a prioridade é o treinamento.

— Jaé — acendo a braba e olho pro final da rua vendo Fiel e Lorena vindo de moto — Vou mandar o papo pros cria hoje já.

O soldado vem diminuindo a velocidade da moto até parar na nossa frente, eu olho pra perna da Lorena e depois pro rosto dela.

— Coe — falo chamando a atenção do Fiel — Tá com a minha mulher na garupa por que? — ele arregala os olhos e a Lorena ri.

— Que isso, chefão — levanta as mãos do guidão — Máximo respeito, tô só cumprindo a ordem dela. — ela desce da moto.

— Aproveita que vocês são fofoqueiro pra caralho — apontou pros outros soldados — e avisa que essa já tá no meu porte e quem chegar perto vai entrar num k.o comigo.

— Jogador, se liga — ela passa por mim segurando o portão da casa do Sábio — eles têm medo é de mim — os soldados riem.

To ligado que é verdade, mas se eu ver e fizer passar sufoco na minha mão, não quero que digam que foi por falta de aviso. Vi maldade nenhuma no Fiel não, era só pilha, mas aproveitei a oportunidade pra deixar o recado, foda-se, nós tamo juntos mesmo, então tenho que mostrar, ficar escondendo essa parada é feião, um avião desses.

— Então o problema vai ser em dobro, tá geral avisado — ela entra na casa do Sábio e eu vou logo atrás.

Sábio já tá com as carnes na churrasqueira, tem brinquedo pra caralho no quintal, Laís e Cecília tão arrumando as paradas e Luquinhas vem correndo quando me vê.

— Coé, tio — eu estendo a mão pra bater na dele.

— Isso é jeito de falar, Lucas? — Laís briga de longe

— Ih, deixa o moleque, nós é faixa.

Pego cerveja pra Cecília e Lorena, encosto na bancada do lado da churrasqueira e começo a conversar com o Sábio sobre as paradas da gestão.

— Po, essa moral que tu tá me dando lá na boca tá sendo o maior adianto — ele diz tirando a carne da churrasqueira — Sou grato pra caralho por isso.

— Minha obrigação, tu é minha referência, po.

Eu e Sábio tomamos todas as porradas da vida juntos, ele aguentou barra pra caralho por mim, sem condições.

— To apaixonado, irmão — Falo tomando um gole na cerveja e olhando pra Lorena rindo de alguma coisa que a Laís falou.

Ele para de cortar a carne e olha pra mim rindo.

— Agora tu vai ver o que é bom pra tosse — balança a cabeça — essa daí vai abaixar a cabeça pro teu gênio ruim não, meu parceiro.

— Tô ligado, po, to fudido, já aceitei.

— Deixa ela te mandar que é menos dor de cabeça — diz e eu rio — Falando nisso, vamo montar um esquema pra trazer o Capitão pelo mato no natal. Nosso faixa tá coroa já, enfrentar a pista e pegar cadeia agora vai ser triste. — Sábio fala se referindo a trilha que liga o Alemão a Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha.

— Loira — grito e Lorena me olha — Vem cá.

Ela anda até a gente e eu seguro ela pela cintura, que apoia o corpo no meu.

— Montar um esquema pro teu pai vir pelo mato pro natal — Sábio fala e oferece uma bandejinha de carne pra gente.

— É, sem necessidade de descer pra pista — Lorena come a carne — Porra, Sábio, se tu não fosse traficante, tinha que ser churrasqueiro.

— Pai é brabão em tudo, respeita, por favor — ela ri encostada em mim e eu faço carinho na barriga dela.

— Ah pronto. Não pode elogiar homem, que autoestima é essa?

— Tá falando o que? — olho pro rosto dela — a mais marrenta que eu conheço, mete maior marra pra tudo.

— Apenas postura — passa a mão no cabelo.

— Po, tá ligado que eu me surpreendi pra caralho contigo — Sábio volta pra churrasqueira falando — Tipo, não a parte técnica, porque isso tu tem desde pequena, mas a sua mente tá voando, só somou desde que chegou aqui.

— Queria ter mais liberdade de agir dentro da minha favela e vocês me deram essa oportunidade aqui, então devo muito a vocês também — ela diz e bebe cerveja.

— Tu ganhou pontos comigo pra caralho naquele lance do Mendonça e no transporte de Cabo frio — Sábio fala.

— Não, a parada de cabo frio foi coisa de outro mundo, frieza absurda — digo apertando mais a cintura dela.

— Cara, lembra quando éramos criança e sumimos no morro, Nanau ficou louco atrás da gente e nós estávamos escondidos vendo o movimento na endola? — eu rio lembrando, uma das poucas coças que tomei do meu pai, ele permitia tudo, mas tinha que ficar na visão dos seguranças dele — somos farinha do mesmo saco, não tem jeito.

Nós ficamos marolando ali o resto da noite, lembrando as paradas da nossa infância, Cecília e Laís acabaram com as coisas da festa e se juntaram com a gente pra conversar.

(...)

No dia seguinte, Lorena acordou cedo pra levar a Maya na amiga psicóloga e os caras vieram levar a Cecília e as coisas pra casa nova.

Liguei pra tia Solange, tia do Pikachu, e pedi pra ela dar uma moral no mercado pras meninas, sei que elas não vão ter tempo e a tia já vai fazer as compras do natal. Lugar favorito dessa mulher é o supermercado, tendo dinheiro no bolso e uns cinco vapor pra carregar as compras, ela fica igual pinto no lixo.

Passei de moto pela praça e Laís tava lá, sentada, mas dando ordem aos soldados que arrumavam a festa das crianças.

Fui pra boca e resolvi problemas de quem tava devendo com Chocolate. Pikachu faz uma falta bizarra, tanto no comando do morro quanto no dia a dia mesmo. Considero aquele moleque como meu irmão, cansei de trocar ideia suave com ele, não tô pedindo pra colocar o morro em primeiro lugar sempre, sei do sonho dele de construir família, mas tem que ser ao lado de alguém que seja fechamento.

Acabo com os problemas da boca umas duas horas da tarde, a festinha pras crianças já tá rolando desde uma hora, então vou pra lá. Sábio tá num canto da praça com alguns soldados e vou até eles.

— Tranquilidade lá? — Sábio pergunta enquanto eu cumprimento ele com a mão.

— Hoje já tamo suave, adiantei umas paradas pra gente ficar descansado no natal.

Amanhã já é dia 24, o ano passou rápido pra caralho.

Vejo o carro da Lorena dobrando a esquina e parando do outro lado da rua, ela desce do carro e abre a porta de trás pra Maya. As duas dão a mão e atravessam a rua pra cá, quando a Lorena me vê, sorri e aponta pra mim e pro Sábio mostrando pra Maya.

— Eai, amiga — estendo a mão pra Maya bater quando elas chegam perto.

Ela sorri tímida, falando comigo e com Sábio.

— Tia, eu vi minha amiga da escola, posso ir lá brincar com ela? — pergunta pra Princesa.

— Pode. Vou ficar te olhando daqui.

A menina sai correndo sem nem olhar pra trás, Lorena senta do meu lado e eu passo o braço no pescoço dela.

— Como foi? — pergunto.

— Eu não sei, não entrei na sala com ela, mas ela saiu bem, se sentiu confortável. Tô feliz por tá ajudando ela.

Sonho dos crias [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora