Capítulo 96

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Capítulo 96 — Jogador

Nunca fui um cara de ter orgulho de sacanear mulher ou bater no peito pra dizer que era filha da puta. No mundo eu tive o maior dos exemplos, meu pai era o melhor amigo da minha mãe e me ensinou que eu não seria mais foda que ninguém se fizesse uma mulher sofrer.

Só não imaginei que quando eu encontrasse a mulher foda e feita pra mim, ela ia me mandar embora na primeira discordância.

Eu tive um bom exemplo, Lorena não teve. E eu entendendo como isso pesa na decisão dela.

— Vai embora, Matheus, por favor — me diz e eu a encaro.

Primeiro foco nos olhos, no cabelo mais curto, deixando ela com cara de mulherão. Depois, foco no nariz vermelhinho por conta do choro e, por último, a boca perfeita que eu vou sofrer pra caralho pra manter longe.

— Você tá errada — nego com a cabeça e aponto o dedo próximo ao rosto dela — Nunca te disse essa porra, sempre entendi os teus motivos, mas, dessa vez, tu tá errada em terminar e quando se ligar nessa ideia, torça pra eu tá te esperando aqui, igual a porra do otário que tu faz eu ser.

— Eu não tô te fazendo de otário — ela franze a testa — Tô magoada, eu tenho esse direito? Ou eu tenho que aceitar tudo o que fazem comigo? Aceitar calada toda a mentira que vocês teimam em me contar — vejo as lágrimas escorrerem mais uma vez e ela limpa com raiva.

Me seguro pra não ir até ela novamente, limpar as lágrimas que escorrem.

— Sou homem de bancar minhas atitudes, Lorena. Já tava ligado que tu ia ter essa postura, queria negar, mas já tava ligado porque diferente do que tu pensa, eu te conheço. Optei por te magoar pra te manter viva.

— Você não sabe — ela se irrita, chegando mais perto — não sabe o que ia acontecer.

— Tu tem problema de admitir a verdade, mas suave, não vou insistir não — pego a chave em cima da mesa, se ela quer que eu vá, eu vou — Agora se liga numa parada, Capitão é assunto meu, não se mete nessa porra. Tá me entendendo? — pergunto, porque quero ter a certeza que ela entendeu, não tô dando opção.

— Tô pouco me fudendo pra aquele velho, me preocupo com você, não quero que se mate por uma vingança — descia o olhar do meu e eu passo a mão no cavanhaque — Mesmo separados, eu me preocupo com você.

— Vou atropelar e quem tiver no meio — ia virar de costas pra ela, mas tem mais um assunto que preciso resolver — E outra parada, ouve a Rita, ela não é tão filha da puta quando tu pensa.

Não espero a resposta, porque não quero respirar mais um segundo com ela aqui me olhando.

Saio da casa, destravo o carro e entro, sentindo ela me olhar do batente da porta. 

Pego o celular que estava no bolso da minha bermuda e abro no whatsapp.

Jogador: Coe, mano. Acabei de passar aqui na princesa — pauso pra respirar — Vou ter que ralar direto pro morro, qualquer hora eu broto aí de novo pra trocar uma ideia contigo.

Coloco o celular no painel do carro e pisco o farol pros moleques que tão na minha contenção.

Pretinho para com a moto do lado do carro e eu abaixo o vidro.

— Vai pra Penha, Chefão? — ele me pergunta, franzindo a testa.

— Não, direto pra casa — falo, colocando o pé no freio e engatando o carro.

— Tudo tranquilo?

— Suave, irmão — olho pra ele e ele entende, concordando com a cabeça.

O caminho até o Alemão é longo pra caralho, parece durar uma eternidade. Desligo o rádio assim que pego a Brasil porque não tô com cabeça pra nada.

Já no Alemão, paro o carro em frente de casa, desço e cumprimento o Fiel.

— Favela tá na responsa do Chocolate, qualquer parada é a voz dele que manda. Pede pro Pikachu dá um pulo aqui.

Ele me obedece e eu entro em casa, largando todas as minhas tralhas na mesa. Parto direto pro banho, as paradas dela, Shampoo, condicionador, creme, tudo tá aqui ainda.

Sinto uma dor física quando a água fria atinge minha cabeça.

Não aguento pensar que isso seja o último papo dela, que ela realmente não me queira mais.

Me sinto fraco pra caralho sem essa mulher, senti um vazio gigantesco enquanto ela esteve internada e agora parece que essa falta ficou mais por saber que ela me deixou.

As lágrimas escorrem pelo meu rosto, se misturando com a água que sai do chuveiro.

Eu tava ligado, desde aquele dia na praça, quando ela chegou, que eu queria aquela mulher. Hoje quero um milhão de vezes mais, não só quero, como também preciso.

Saio do banho meia hora depois, visto uma bermuda e desço pro andar de baixo. Pikachu tá na sala, sentado no sofá mexendo no celular e eu passo direto, indo pra cozinha.

— Qual foi? Me chamou. Tá precisando do que? — ouço ele levantar e vir até mim.

Abro o armário da cozinha pegando uma garrafa de GreenLabel e dois copos. Tiro gelo de coco da geladeira e coloco pra nós dois.

— Tô precisando de um amigo — Encho os copos e entrego um pro Pikachu.

— Ih, qual foi? Achei que tu ia dormir na Rocinha hoje — dá um gole na bebida e me olha

— Tomei um pé — solto uma risada sem graça e vejo de relance ele abaixar o copo, me estudando — Lorena terminou comigo.

— Para de K.O, caralho — coloca a mão no meu ombro, fazendo eu olhar pra ele — Manda o papo sério.

— Quem dera fosse k.o — dou o primeiro gole no whiskey, que desce rasgando pela minha garganta.

— Do nada isso? — quase junta as duas sobrancelhas, incrédulo.

— Falou que eu traí a confiança dela no dia da tomada da Penha, que não sei cuidar dela e que ela não consegue mais ter um relacionamento comigo — engulo em seco, tentando não chorar de novo.

Chorar não vai adiantar porra nenhuma, não vai trazer ela de volta pra mim.

— Que isso, meu mano... — ele continua surpresa, sei que não tem muito o que dizer.

— É foda — balanço a cabeça — Foi mal por não ter levado à sério seu lance com a Raquel, eu não sabia o que era um maldito coração partido.

— Não se compara.

— Independente, tu gostava dela. Ela era uma filha da puta, mas tu sofreu. Tô ligado no que tu passou agora, tô puto pra caralho, triste... — respiro fundo— Caralho, nem sei o que eu tô sentindo.

Sonho dos crias [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora