Capítulo 74 - Jogador
Paro a minha moto do outro lado da calçada e fico aguardando o Lucas sair da escola. O movimento tá suavão hoje, eu tenho pedido pros moleques buscarem ele, pra Laís não precisar ficar andando, mas to ligado que ele sente falta de alguém da família passando aqui pra pegar ele, por isso eu vim.
A rua tá tranquila, tem as mães esperando o horário da saída, umas coroas sentadas na porta de casa e dois soldados meus na esquina da outra rua, não tem essa de vapor vendendo droga na porta de escola na minha favela não, parada que desde a época do meu pai não acontece aqui.
Olho de relance e vejo a Samira, mãe do Pedrinho, atravessando a rua na minha direção. Ela se envolveu com um parceiro meu da infância, o Almeida, moleque honesto, nunca colocou um cigarro de maconha na boca, tiveram o Pedro e logo depois se separaram.
Ela já cansou de render pra mim, mas nunca peguei por ser ex dele. No papo reto, ela sempre foi bonita, mas eu não ia aceitar parceiro nenhum pegando ex minha, então não posso fazer isso com os outros.
— E aí, Jogador — ela fala parando na minha frente — Falei pra Laís não se preocupar que eu busco e levo o Lucas lá, é caminho, não precisa ela perturbar você com isso.
— Ta tranquilo, po, trabalho nenhum vir eu mermo buscar o moleque.
Uma parada que eu não curto é pessoal que fica usando fraqueza dos outros pra se aparecer. Ai, se eu mando ela tirar o nome da Laís da boca, vão falar que eu sou grosso e os caralho. Tomar no cu pra lá.
— Você deve tá cheio de coisa pra resolver, no que eu puder ajudar, vai ser um prazer — ela passa a mão no meu braço que tá cruzado na frente do peito, me arranhando de leve.
Nem imagino a merda que ia dar se a Lorena visse uma cena dessa. Capaz de eu ficar sem o pau e os caralho, mesmo não tendo feito nada.
— Tô ligado na tua boa vontade — descruzo o braço, subindo na moto, depois de ver o Lucas saindo do portão da escola — Mas pode ficar suave, Laís não precisa pedir isso pra tu não, eu tenho uma porrada de funcionário e qualquer parada, minha mulher pode vim buscar ele também.
— Aham, mas qualquer coisa tô aí — diz um pouco sem graça quando os meninos chegam perto da gente.
— Qual foi, moleque, sobe aí — indico pro Lucas, que obedece — Tamo junto, Pedrinho. Valeu aí, Samira, manda um salve pro meu mano Almeida.
Não espero ela responder pra manobrar com a moto e sair dali com o Lucas na garupa. Buzino quando passo pela Maya e Dona Neide, também saindo da escola.
Muito brabo ver essa menina bem. Lorena ainda banca o tratamento psicológico dela, mesmo sem poder levar, quem leva agora é a vó dela e o seu Jorge que faz serviço de uber pro pessoal aqui do morro.
— Tio, será que dá pra passar na casa da tia sol, ela vai fazer bolinho de chuva.
— Tu é magro de ruim, ein, moleque — falo alto pra de ouvir mesmo com a moto em movimento.
Buzino também pros moleques que tão na esquina da escola e sigo pra casa da Tia Solange e do Pikachu. Hoje dei uma fugida da minha contenção, mas tô ligado que eles ficam me monitorando, principalmente Chocolate e Pretinho.
Tudo isso faz parte da segurança que eu mesmo montei, mas me irrita pra caralho viver com gente na cola o tempo todo. Nesse modelo, tento fazer as paradas simples do dia a dia sozinho. A escola do Lucas é bem no meio do complexo, tudo palmeado vinte e quatro horas por dia, tem perigo nenhum.
Abro o portãozinho da casa da Tia Sol e o Lucas vai entrando na frente, enquanto eu vejo as mensagens no meu Whatsapp.
— E aí, velharada — digo quando eu entro pela porta da cozinha, vendo Iracema e Solange tomando o café da tarde.
— Velha é seu rabo, garoto — Iracema responde e eu rio.
Papo reto, perto dessas duas, eu sou um moleque. Iracema que chegou agora não deita pra mim não, age da merma forma como se tivesse trocado minhas fraldas. Me tira pra porra nenhuma.
Dou um beijo na testa das duas e sento na mesa também, pegando um bolinho de chuva.
— Que bom que você chegou, Jogador — Iracema continua — Tô tentando convencer Solange de aceitar o convite do forró que o vizinho chamou.
— Ih, qual foi desse papo aí, tia? Pikachu sabe dessa história? — Pergunto interessado no rumo da conversa.
— Olha, menino, vou te falar é três meses que Iracema tá aqui, três meses que não tenho sossego.
— Tô mentindo que ele convidou?
— Sangue de Jesus, como é fofoqueira.
— Minha mãe falou que as duas são uma dupla apocalíptica — Lucas comenta sobre a discussão das duas e pega um bolinho de chuva.
— Misericórdia eu ser dupla de Iracema, Jesus me defenda.
— Depois vem "Ceminha, vem aqui em casa tomar um cafézin comigo" — A mãe do Dedé imita a voz da tia solange fazendo eu e Lucas rir.
— Eu me arrependo cinco minutos depois — coloca leite pro Lucas — Porque num me leva pra um bom caminho, é só forró e comida, chamo pra ir pra igreja, ela só falta correr.
— Eu sou macumbeira, Solange. Vou fazer o que em igreja, menina, tem nada lá pra mim não — ela encosta a cabeça na mesa — Te falar, ein, Jogador, não tem um terreiro decente nessa favela.
— Ué, dona Jô, do restaurante, não é da religião? — pergunto entretido na discussão das coroas, muito bom passar o tempo aqui.
— Iracema é encrenqueira, Jogador! Ela quer saber de reclamar, já foi lá e brigou com Joana já.
— Não briguei coisa nenhuma. Só fui lá porque tô impossibilitada de ir na casa do pai que cuida de mim, mas não gostei não— ela nega com a cabeça e toma mais um gole de café.
— Tudo bem que Joana não é flor que se cheire — Tia Solange faz cara de desgosto — mas eu falei pra Iracema ir querer cantar de galo no galinheiro dos outros.
— Eu cantei de galo nada, menina. Ô crente fofoqueira, meu pai — Iracema reclama, indignada.
— Te conheço, Iracema, tu vem querer cantar de galo na minha casa, não vai querer se aparecer no barracão dos outros.
— Tá gostoso, ein, tia — Lucas mostra o bolinho pra tia Solange.
— Ai, lindinho da tia, que bom que gostou.
Fico ali de bobeira com os três trocando uma ideia antes de levar o Lucas pra casa dele. Eu me amarro nessas coroas, sem sacanagem, me atualizam de tudo do morro em poucos minutos. A cada meia hora de conversa com a Tia Sol, eu consigo entender porque o Pikachu é tão fofoqueiro.
Mais tarde, paro na porta da casa da Lorena.
Me mandaram um papo de que ela chamou o Concha aqui e esculachou ele por algum motivo que eu não sei.
— Aí, 2W, manda trazer aquela barca de sushi que a Princesa gosta e dois artesanal de cheddar e bacon da barraca lá da praça.
— Jaé, patrão, pra já — ele responde e pega o celular.
Olho pela lateral da área de serviço, antes de entrar na casa, vejo as roupas dela penduradas no varal e o tênis no cantinho lateral da porta. Tudo que remete à presença dela me causa uma paz absurda e me dá um medo do caralho de perder essa mulher.
Dou meia volta e subo na minha moto de novo, pego meu celular no bolso e ligo pro Dom pelo Whatsapp.
Jogador: Coe, tá podendo falar? Tô precisando trocar uma ideia contigo — digo quando ele atende.
Dom: Manda teu papo, tô na tranquilidade agora.
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nota da autora: oi, gente! vou tentar postar mais um hoje, curte aí pra me ajudar 🫶🏼😎
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Sonho dos crias [M]
FanfictionE fé no pai, sei Que todo mal contra mim vai cair por terra Nós gosta da paz, mas não fugimos da guerra Paz, justiça e liberdade, fé nas crianças da favela Eu vivo a vida e amanhã não me interessa Lorena, vulgo Princesa, tá terminando a faculdade d...