Capítulo 50

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Capítulo 50 — Jogador

Pikachu preso acabou com a paz dos últimos dias, já fumei toda a maconha que tinha aqui comigo e mandei um vapor trazer mais. Ele tá viciado em fazer merda. Tudo o que a gestão do Sábio mais preza é evitar a porra do risco, aí o arromabado vai preso por uma bobeira dessas.

Quando ele chegar aqui, vai tomar um pau, independente da ordem que o Sábio der. Já falei, tem vezes que esse filho da puta só entende na madeirada e quem vai dar dessa vez, sou eu. Se tivesse sido cobrado direito naquele k.o que arrumou no baile, não tava metendo essas graças de novo.

O que mais me irrita é que é o nosso irmão, tá ligado?  Mais de dez anos de parceiria. Não é um moleque emocionado qualquer, Pikachu tá cascudo de caminhada já. Já passamos muita merda juntos pra ele ficar assim por mulher. Porra, não julgo, tá apaixonado, é maneiro encontrar alguém que vai cair na bala junto contigo, mas ele tá sendo moleque pra caralho. Deixou a tia dele tristona no natal, a mulher fez tudo por ele, fez papel de pai e mãe.

Tô deitado no sofá quando ouço barulho de fogos na comunidade, me levanto e pego o rádio em cima da mesa.

Soldado: Patrão, tem alemão tentando entrar na favela pela serra da misericórdia, tamo na trocação aqui na Matinha, mas os filhos da puta tão forte.

Tiro a camisa com o rádio na mão, ouvindo a conversa, e prendo no meu rosto. Vou até o quarto e visto um colete.

Sábio: Vamo deslocar pra lá, quero atenção total nas outras entradas do complexo, os caras tão querendo pegar nós na distração, vamo dar bobeira não. Manda o aviso pra Penha de que tem filha da puta na trilha e nós tá em guerra, pode respingar lá no lado deles.

Volto pra sala, pego um fuzil, passando a bandoleira pelo pescoço e coloco minha glock na cintura.

Já sinto a adrenalina correr na minha veia, a sensação de trocar tiro, bater de frente com outro bonde não se compara com nada. Não tenho medo, nossa tropa é pica pra caralho e eu pego em arma desde moleque, pra vir aqui nos peitar tem que ser muito maluco.

Aos dezesseis participei do primeiro meu primeiro confronto, polícia invadiu depois que o comando do meu pai desfez a pacificação que tinha rolado uns anos antes. Nessa época, eu já não tinha mãe, quando acabou a operação e a polícia recuou, meu pai me perguntou o que eu queria da minha vida. O futebol já tava fora de cogitação, tinha vazado foto minha, do Sábio e da Lorena nos jornais, nenhum  clube grande iria me abrir as portas. Eu tava todo ralado de pular laje e cansado pra caralho, mas me sentia vivo, coisa que só o futebol me proporcionava na época.

Foi aí que ele me apresentou a realidade do movimento, uma vez bandido, pra sempre bandido. A facção não ia passar a mão na minha cabeça por eu ser filho do meu pai, então era uma escolha pra vida inteira. Eu cresci na favela, vendo os corres do meu pai, mas enquanto minha mãe era viva, fez de tudo pra nos afastar disso. Acho que ela sabia que uma hora ou outra era esse o nosso destino.

Jogador: Atividade total, porra. Morador é pra ficar dentro de casa, quem tem comércio é pra fechar, independente.

Mando mensagem pra Lorena, mas ela não vê. Não vai dar tempo de ligar, os caras tao vindo de cima pra baixo do complexo, geralmente aquela é a nossa rota de fuga, se eles avançarem muito, vamos ficar encurralados.  Procuro o contato da Cecília e mando mensagem também.

Jogador: avisa a princesa do tiroteio.

A Lorena é esperta, vai entender que deu merda. É foda porque se ela tivesse aqui, era um adianto pra nossa tropa, mas existe um risco e eu nao fico feliz com ela correndo risco.

Saio pela porta de casa e Pretinho tá falando com alguns soldados e eles me olham, esperando os comandos.

— Quem tá na segurança aqui, vai dar uma moral lá na contenção da casa do Sábio  — digo subindo na xre e os caras não perdem tempo, tá geral mais do que preparado pra essas coisas — Tu fica comigo, Pretinho.

— Te falei que uma hora eles iam botar a cara — Pretinho diz.

— Muito tempo de paz, tu tá ligado que isso não é normal aqui.

Vamo subindo mais a comunidade, pro confronto, largo minha moto onde já consigo ouvir os tiros e  corro por dentro das vielas. A maior arma de um comando quando é atacado é a própria geografia da comunidade, alemão nenhum conhece a nossa comunidade como nós. Dou a volta pela lateral e acesso a parte do morro que tá rolando o confronto.

Pretinho faz sinal pra mim, mostrando dois inimigos trocando tiro com os nossos soldados. Eu miro em um, acertando o ombro e o pescoço, dando tempo pro nosso soldado, do outro lado, quebrar o segundo.

Vejo um terceiro inimigo correndo em direção a um beco, Pretinho dá tiro pra cima dele, mas não pega. Corro pro outro lado  e pego ele passando na esquina, atiro na perna dele que cai.

— Tu é da onde, filho da puta? — Pergunto, apontando o fuzil na testa dele e ele aperta o ferimento.

— Bora, porra — Pretinho chuta a perna do cara — Tá surdo, caralho? — o moleque chora de dor.

— Cidade alta, porra — diz soluçando e Pretinho franze a testa.

Pego o rádio e passo a informação. Pode ser mentira, mas nessa altura do campeonato , não posso desacreditar de mais de nada.​

Deixo o menor pra lá, o tiro atravessou, tá saindo sangue pra caralho, sem chance dele sobreviver pra tentar contra nosso bonde de novo. O lema aqui é esse, bateu de frente é pra deixar enguiçado. ​

Sigo entre os becos e vielas trocando tiro com esses filhos da puta, nós tamo bem, uns dois baleados, mas com vida ainda. O estrago que eles planejaram era muito maior.

— Coe, Jogador — olho pro lado e vejo o concha me chamar — Não tamo achando a Princesa na favela, a mina sumiu.

— Ela tá na pista, foi dar um resgate no Pikachu.

— O que nós faz? — ele segura um fuzil.

— Ela treina vocês em dupla né? — eu pergunto e ele concorda — Mantém as duplas do treinamento e procura o Chocolate, quero vocês entre os mais experientes, a ordem dele é a minha. Deixa nós aqui na linha de frente.

Os menor tão muito novinho ainda, quero colocar ninguém na fogueira.

Ando mais uns dez metros e começo a vez mais corpos pelo chão, um deles eu reconheço.

— Caralho, o ratinho — Pretinho para do meu lado, tem uma parede nos protegendo do tiroteio.

Essa é a parte que eu não me acostumo. O cara tava bem até hoje de manhã e do nada não existe mais, deixando família e amigos pra trás, essa é uma dor que eu conheço.

"Coe, cadê o cuzão do Jogador? Ele é brabão atrás do radinho, gosta de esculachar os outros, quero ver ele aqui na alvorada pra bater de frente comigo, porra", ouço falarem no radinho.

— Ai, pretinho —  soldado encosta na parede e me olha — Avisa pro Capitão que o BW pulou.

Sonho dos crias [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora