Capítulo 24

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Camila ✿

Peguei a mochila da Isa e coloquei nas costas

— Vamos, princesa? — a peguei no colo e ela sorriu

Luz! — ela apontou para lâmpada

— É minha linda, é luz! — dei um beijo em sua bochecha — Agora vamos, vou te entregar pro seu papai...

Tranquei a porta e fechei o portão, coloquei a Isa no chão e peguei sua mão, enquanto descíamos o morro.

Desde que a mamãe fez aquilo tudo, toda vez que eu passo parece que sou uma famosa, todo mundo me olha, cochicha... No começo incomodava, mas agora eu já não ligo mais..

Cheguei na casa do Igor e bati na porta, não obtive resposta

Bati novamente e nada..

Ouvi uns passos no terraço e gritei.

— Igor! — logo ele apareceu

— Tá aberta. — ele disse.

Entrei e coloquei a mochila da Isa no sofá, aparentemente não tinha ninguém em casa. Subi até o terraço onde Igor estava.

Quando estava terminando de subir, vi o terraço cheio de coisas...

Tipo uns pacotinhos

— O que é isso? — foi a primeira coisa que perguntei e ele me olhou.

— Nada...

— Igor!

— Camila, há coisas que você não precisa saber..

— Mas eu queria saber..

— Caralho, tu é chata pra caralho mano.. — ele veio até a mim e pegou a Isa do meu colo — Quer saber o que é? Vai lá e lê. — ele desceu.

Pensei duas vezes antes de ir vê o que era. Era estranho eu me aprofundar tanto nesse assunto, sabendo só coisas rasas, que eu sabia por fora.

Depois de passar o olho por tudo, vi mais tipo de drogas do que eu pensei na minha vida. Algumas eu já conhecia, mas outras eu nem tinha noção que existia...

Depois de ver tudo e mexer porque essa oportunidade eu só vou ter uma vez na vida, eu desci.

Assim que desci, vi Igor deitado no sofá e Isa estava encima da sua barriga.

Quando cheguei ao último degrau da escada, ele me olhou.

— Viu tudo que queria, fofoqueira?

Fofoqueila... — Isa repetiu e Igor riu.

— Como você entrou nessa vida? — perguntei, ignorando totalmente sua pergunta

— Ainda não é hora de falarmos disso. — ele disse sem me olhar, brincando com as mãos da Isa

— Porque não? Não estamos juntos, não estamos?

— Estamos, Camila. — ele me olhou — Mas isso é uma coisa muito pesada, não sou de me abrir pra ninguém.

— Mas pra mim deveria... — me ajeitei no sofá.

— Caralho, às vezes eu tenho tanta vontade de socar a tua cara, de tão chata que tu é! — ele se sentou, colocando Isa no chão.

Então ele se virou pra mim e começou a brincar com os dedos, tentando ter coragem para continuar...

— Minha infância foi muito conturbada, meu pai vivia metendo a porrada na minha mãe, coisa que ela nem merecia porque era uma mulher do caralho pra ele. Ele traia ela que nem um condenado, papo de ele trazer mulher pra dentro de casa com a minha dormindo no quarto. E todas as vezes ele fazia questão de que eu visse ele batendo na minha mãe e se eu falasse um aí, apanhava junto... — ele fechou o punho — Minha mãe orava todo dia pra Deus pra vê algum resultado e nada... Por isso que hoje em dia eu não acredito em nada, em nenhuma religião porque a minha mãe era foda demais pra passar por aquilo, era a mulher mais maravilhosa em que já havia conhecido em toda a minha vida! — e então ele deu uma pausa e se escutava apenas o barulho da televisão — E aí eu cresci.. — ele retomou — Eu cresci e meio que já estava envolvido com o tráfico, mas nada grande eu devia ter uns 14 anos. Cheguei e vi meu pai batendo na minha mãe e nesse dia eu não tive medo, eu parti pra cima dele. Mas eu bati nele Camila, bati muito.... — o olhei e ele mantinha a cabeça baixa e os punhos fechados enquanto contava — Falei pra ele nunca mais pisar nesse morro senão eu ia matar ele, e então ele foi embora... Minha mãe se acabou depois que ele foi e eu fiquei puto porque era pra ela ficar feliz tá ligada? Mas não, ela se acabou na bebida... Ficava dias fora de casa, voltava podre de bêbada.. Aí eu falei que ia entrar pra essa vida mesmo... — ele coçou a cabeça..

— E você entrou na vida como?

— Tudo começou quando era menorzinho, fazia favor pros caras da boca só pra ganhar dinheiro, tipo mandar recado, comprar as coisas... Nada sério, mas o Smith fez eu prometer que iria continuar estudando aí eu ganhava um dinheiro de eu tirasse nota boa.. Smith foi como um pai pra mim tá ligada? O que eu não recebia em casa, eu recebia do Smith. Conforme fui crescendo fui o olheiro.. Sempre quando tinha merda no morro as pipas tinham que descer do céu e os fogos tinha que ser soltados.. De olheiro fui pra  vaporzinho rápido.. Comecei vendendo droga aqui no morro e até na escola eu levava as vezes, até eu parar no segundo ano.

— Você fez até o segundo ano? — o olhei assustada

— O que, só porque sou bandido não posso ter segundo ano? — neguei — Sou um bandido esperto, vê se no meu facebook tá escrito Filho de Deus? — sorri — Mas isso eu devo o Smith que sempre me cobrou isso. Daí o marreta cresceu o olho comigo né, era inteligente pra caralho, me quis colocar na contenção com ele, mas não era isso que eu queria... Lógico que meu olho crescia quando eu via uma arma, aprendi a manusear e tal, mas não era aquilo que eu queria... O Smith que era dona da boca de cinco foi preso com o marreta, aí quem assumiu enquanto ele tava privado era eu, agora que ele voltou querem me colocar pra gerência..

— O que é isso?

— Basicamente um braço direito do patrão, mexe com todo o dinheiro da boca.. — ele se ajeitou no sofá — Aquilo lá é como uma empresa, tem cargo e tudo.. Aquilo que tá lá encima é tudo pra embalar... Bagulho que nem era pra eu tá fazendo

E então eu me calei... Era muita informação pra minha mente processar..

— E então, você não pensa em sair dessa vida? — fiz a pergunta pela qual eu tinha medo da resposta.

E ele olhou no fundo dos meus olhos e disse..

— Não.

— Mesmo tendo a Isa?

— Quando minha filha nasceu eu já era lá dentro, Camila. Eu não deixo as coisas da boca atrapalharem a minha vida pessoal, e mesmo assim eu vou até o céu pra ser o melhor pai pra minha filha e nessa missão eu não falho! Lá fora eu Iguin, o que trabalha na boca e aqui dentro eu sou o Igor. O pai da Isabela, o filho da Nádia.

— E o namorado da Camila. — eu disse, é claro que eu não ia perder essa oportunidade de dizer que o bofe é meu né.

E ele sorriu, puxando minha mão, me trazendo pra perto dele.

— E o namorado da Camila. — ele repetiu, selando nossos lábios rapidamente — Eu não vou deixar que minha situação lá fora atrapalhe nós dois, tá ligado? Só que você já me conheceu lá dentro então você não pode me exigir uma coisa que já sabe que não vou fazer, entende? — assenti — Isso é problema pra tu?

— Não sei.. — digo sincera e ele assente

— Tu tem todo o tempo pra pensar.. — ele disse olhando pra frente — Isso dai já é de tu..

Continuei conversando mais um pouco com Igor e me despedi e fui embora, enquanto subia o morro a voz da minha mãe martelava na minha cabeça dizendo tudo que o Igor faria comigo, e parecia que minha cabeça iria explodir...

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