Doces lembranças

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(P.O.V. SIRIUS)

...

Aquele havia sido um dos dias mais felizes da minha vida.

As risadas ainda preenchiam nosso quarto. Chegava a ser inacreditável a forma estranha como aquela amizade entre nós quatro surgira tão rapidamente. Sentia como se já nos conhecêssemos há anos.

James era o mais parecido comigo, sabia disso desde nossa primeira conversa no trem. Peter era mais uma espécie de alívio cômico do grupo, a todo instante fazendo alguma coisa muito engraçada e tirando risadas de nós. E Remus, bem... o que eu poderia falar sobre ele? Remus era tímido e reservado, mas eu conseguia ver, no fundo de seus olhos amarelados, um deserto com ventos impetuosos, desesperados para serem percebidos. Apenas precisava adentrar aquelas barreiras, que ele mesmo colocara ali para que ninguém o conhecesse de verdade. Sorte – ou azar – dele que, sabe, eu sempre gostei de invadir locais em que eu não era chamado.

Suspirei ao pegar as duas cartas escondidas embaixo do meu travesseiro, levantando-me e me direcionando para o banheiro, aproveitando que os três ali dormiam profundamente.

Um estalo tintilou da fechadura quando tranquei a porta, silenciando o lugar segundos depois. Uma privada, uma pia e uma banheira. O banheiro não era muito grande, mas pelo menos era ajeitadinho.

Meus dedos rasparam várias vezes pela carta. Por fim, respirei fundo e abri a primeira, imaginando as atrocidades que deveriam estar escritas naquele pergaminho quando notei a letra caprichada de minha progenitora...

"Para: Sirius Órion BLACK III

Grifinória, Sirius? Como pôde? Seu moleque maldito, como ousa ofender a nossa linhagem com tamanho desgosto? Eu avisei que se inventasse essas coisas de rebeldia ridícula em Hogwarts sofreria as consequências ao voltar para casa. Todos estão comentando sobre o Black que foi parar na Grifinória. A sociedade bruxa inteira!

Quero deixar explícito aqui, seu estúpido, que não te mandei um berrador para não piorar os comentários, mas, se eu pudesse, iria até aí e te esfolaria vivo.

Está proibido de voltar para a casa no final desse ano, fique por aí, nenhum de nós quer vê-lo. A proibição reverbera até o ano que vem, já que não tem como eu simplesmente te mandar para Durmstrang sem constranger todos os Blacks.

Sirius Órion Black III, lembre-se de quem você é. Não me desaponte de novo, garoto. Não ouse sujar o nome da família mais uma vez. Eu te proíbo de andar com esses traidores de sangue, sangues-ruim e mestiços por aí. Honre o seu sobrenome. Estou te dando mais uma chance somente porque o lado de Cygnus e Druella também está em jogo no momento. As atenções estão divididas entre aquela menina burra e o seu corrompimento, teve sorte por isso, mas não ache que sua sorte vá durar muito se fizer mais alguma coisa inapropriada.

De: Walburga Cassiopeia Black"

Como eu invejava minha prima Andrômeda. Ela havia fugido de casa e se casado em julho daquele mesmo ano. Apesar de ter sido queimada da árvore da família, eu sabia que ela deveria estar muito melhor agora – casada com o amor de sua vida, o nascido trouxa Edward Tonks – do que se tivesse obedecido Cygnus e se casado por obrigação com Rabastan Lestrange, irmão do marido de sua irmã, Bellatrix Lestrange, pois é, a família Black e sua loucura obsessiva de manter o "sangue puro".

O mais engraçado é que eu já estava tão acostumado com os gritos de Walburga, que, enquanto lia a carta, só conseguia imaginar ela gritando em meu ouvido tudo que estava escrito.

"Para: S.O.B.

Mamãe e papai estão furiosos contigo. A família inteira está surtando, Sirius. Nunca vi tantos membros de uma só vez aqui em Grimmauld Place. Ela te mandou um berrador mesmo? Ela disse que faria, mas eu acho que papai convenceu ela a não fazer isso, por causa dos comentários que isso geraria.

Eu fiquei trancado dentro daquele quartinho escuro hoje. Papai disse que era para o meu bem, para que eu pensasse em como minhas atitudes podem prejudicar a linhagem. Mamãe falou que era para que eu aprendesse a respeita-los e a não ser como você.

Estou mandando essa carta sem que eles saibam, Monstro me ajudou com esse detalhe, mas se ela soubesse, certamente repensaria na ideia de te enviar um berrador.

Perdão se ela acabar enviando um por causa dessa carta.

Volta logo. Sinto a sua falta, maninho. Abraços.

De: R.A.B."

Aquilo partiu meu coração.

Régulus naquele quartinho... O quartinho que me assombrava em meus pesadelos mais sombrios.

Me recusei a lembrar de tudo aquilo... Pensar nisso agora não me ajudaria a combater minha insônia. Régulus ficaria bem, nenhum dos dois encostaria as mãos nele, afinal de contas, ele era a última chance de orgulho que poderiam ter. Fazê-lo notar que estava em uma cova cheia de cobras venenosas... não seria nada inteligente da parte deles.

Um soluço saiu de minha boca e, só então, percebi que eu estava aos prantos. Do que adiantava eu estar livre e seguro em Hogwarts, mas Régulus... meu irmãozinho estar lá ainda?

Fiquei bastante tempo ali, chorando sem parar. Não sei com exatidão quanto tempo, somente sei que, quando finalmente me acalmei, guardei a carta de Régulus comigo e joguei a de Walburga no lixo.

Lavei meu rosto e voltei para minha cama, notando que os três ainda dormiam. Deitei minha cabeça contra o travesseiro e continuei abraçado com a carta de meu irmão.

Nada. Nenhum pingo de sono. Respirei fundo e fechei meus olhos novamente, inquieto, esperando que o sono viesse e...

- Sirius, aconteceu alguma coisa? – perguntou uma voz logo ao meu lado, dando-me um baita susto.

...continua no próximo capítulo...

Os Marotos (Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora