80- Garotas de Calendário

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Enquanto descia a cidade em direção a minha sinto meu peito se encher de um sentimento doloroso, saudade, tinha as fotos de Cassandra na mochila, as quais pesavam como a caixa de Pandora, um pequeno envelope com grande poder de destruição, sabia que Abigail adoraria vê-las conhecendo a história que carregavam, sentir mesmo que momentaneamente o estrago que causariam ao ego do pastor.

Era duro sentir a falta de um alguém que fôra tão próximo e que agora causava estranheza, queria tê-la por perto mas não me sentia pronto para isso. Por fim balanço a cabeça percebendo que era inútil alimentar tais pensamentos.

A cada passo dado rumo a minha casa sentia algo crescendo dentro de mim, um sentimento que não sabia nomear mas que era familiar, o receio de agir que se fantasiava de comodismo e covardia, medo de encarar as consequências daquilo que justamente mais precisava. Era aquele o sentimento que por anos me proibira de dizer qualquer coisa aos meus pais e até mesmo eliminava esperanças de ter algum contato com outro garoto, bem, pelo menos até a chegada de Heitor. E se eu não entregasse as fotos? E se simplesmente continuasse com Heitor como havíamos feito até agora, poderíamos dar um jeito e... Não! Cassandra havia tirado as fotos e Heitor contava com aquilo e sabia que estaria lá por mim se precisasse de seu apoio, precisava fazer aquilo por ele e por mim, por nós.

Ao avistar minha casa respiro fundo e aperto o passo, era como estar na linha de frente de uma guerra e correr na direção do inimigo, não havia tempo para pensar muito ou sobraria tempo para desistir, com mãos trêmulas destranco a porta e imediatamente ouço o soar das panelas na cozinha, minha mãe ainda preparava o almoço, sigo em sua direção parando na porta, bato na madeira chamando sua atenção.

-Ah, olá querido, o almoço está quase pronto.

-O meu pai está em casa?- questiono tentando não parecer nervoso.

-Lá encima no escritório, acho melhor não incomodá-lo.- informa, sua voz tenta manter a tranquilidade de sempre mas algo soa artificial.

-Não vou demorar.- garanto me virando na direção das escadas.

Já nos degraus finais podia ouvir a voz severa e achatada do homem, geralmente usava aquele tom quando precisava tratar assuntos solícitos, não costumava ser uma pessoa curiosa mas uma sensação de repente se espalha pelo meu corpo, era como uma urgência, desejava saber do que ele falava como se fosse algo importante pra mim. Rapidamente deixo meu caminhar habitual para andar na ponta dos pés enquanto me aproximo. Chegando no corredor consigo compreender suas palavras.

-... Sim, compreendo senhor,- paro, prendendo a respiração.- entendo que deve acontecer nesse final de semana, porém pensei que demoraria tempo antes que fôssemos solicitados.

Há uma pausa longa aonde quem falava era o homem no outro lado da linha, podia ouvir meu coração acelerado.

-Claro senhor, são os caminhos de Deus, estaremos aí, como quiser.- confirma com certa insatisfação, sabia que aquela era minha deixa, a ligação havia se encerrado e logo meu pai estaria saindo, apressado dou os últimos passos e bato na porta.

-Pai?- pergunto casualmente.

-Gabriel, entre.- sua voz tem uma entonação desgostosa e desconfiada.- Você está aí há muito tempo?

-Não, acabei de chegar, por quê?- questiono inocente, o pastor passa alguns segundos analisando mas por fim cede suspirando.- O que você quer?

-Bem, eu... Eu pedi as fotos da mãe do Heitor na cozinha pra ele.- informo me esforçando pra não rir enquanto abro a mochila.-Eu não vi, mas ele me entregou um envelope hoje, aqui.

Entrego o cartão de papel amarelado para o homem que o encarado, desejoso. Havia ouvido parte de sua ligação, mas sabia que nada poderia quebrar mais sua expectativa do que o conteúdo ali presente.

Com cuidado e pressa o homem arranca as fotografias, quase que imediatamente seu rosto ganha um tom vermelho e colérico.

-Aquelazinha...- vocifera ele baixinho.

-O que foi, pai? Posso ver?- questiono com ar de preocupação e inocência.

-Não!- exclama ele escondendo as fotos apressado tentando se recompor em seguida. -Não, acho que você não ia querer ver fotos tão comuns, nada de interessante.

-Tudo bem, agora que tem as fotos posso voltar a frequentar a casa do meu amigo?- indago pronto para uma possível discussão.

O rosto do pastor queimava de ódio, o único detalhe que não sabia era que eu sabia do conteúdo recebido, dentro do envelope haviam figuras vibrantes e glamourosas de Cassandra, um ensaio profissional aonde se vestia com roupas elegantes de uma garota de calendário dos anos sessenta ou setenta, uma representação de poder feminino. Era quase possível ver seus sentimentos lutando entre si, a raiva amarga de receber as imagens vitoriosas de Cassandra, não como uma mulher de cozinha, como ele mesmo queria, contra ela havia o ego inflado e sulfuroso que lhe impedia de admitir sua derrota, depois de relutantes segundos ele suspira.

-Está bem.- concorda ele a contragosto.- Mas tenha muito cuidado com aquela mulher, não consigo acredita que o seu filho tenha saído tão íntegro vindo de onde veio, bem, talvez tenha sido alguma educação do pai.

Estava tão surpreso com a permissão recebida que mal pude ironizar a educação paterna de Heitor.

-Certo, o Heitor é um bom companheiro de estudo.- digo tentando dar esse assunto por encerrado, era um bom companheiro um muitas áreas.

Me dirijo a porta, porém antes que consiga sou trazido de volta à conversa.

-Gabriel, nesse fim de semana sua mãe e eu estaremos indo a um seminário fora do estado.

-Aonde?- questiono tentando soar curioso, mesmo tendo ouvido uma parte do assunto quando meu pai estivera em ligação.

-Em São Paulo, bem...- Por breve instantes ele pára, provavelmente criando um contexto convincente. Não havia muito o que duvidar, mas sua seriedade durante o telefonema e reações me levavam a crer que havia algo a mais. - É um grande evento da igreja e até gostaria que fosse, mas sabe como é sua mãe, sempre achando que é muito novo pra essas coisas, sendo assim quero saber se posso confiar em você pra cuidar da casa e de si mesmo enquanto estivermos fora.

-Mas é claro, não faria nada diferente do que faço com vocês aqui, não precisa se preocupar, eu sei me virar.- afirmo avidamente, ouvir aquilo faz com que o homem relaxe um pouco enquanto assente com a cabeça.

-Muito bem, conto com isso.- afirma, e com isso nossa conversa se encerra.

Saio do escritório tentando me conter para não me correr e comemorar, meu pai podia não saber mas a mentira era um caminho de mão dupla, e se ele pretendia fazer coisas em segredo eu também faria.

Meu Demônio (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora