95- Aliados Da Causa

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Acordo na manhã seguinte antes de horário habitual, não havia café da manhã e sabia que se tivesse de conversar com minha mãe não seria algo bom, ela vinha sendo a pessoa mais neutra com relação a Damares e não queria fomentar essa discussão, tranco meu quarto antes de sair e dali sigo meu caminho. Mal havia amanhecido e as ruas estavam mais desertas do que de costume, o ar era tomado por uma suave neblina que deformava as construções mais distantes.

Era um ar difícil de respirar e não melhorava muito quando era hora de subir a colina da escola, chegando ao pátio encontro-o vazio, não havia ninguém além de uma pessoa: Heitor.

Ao me ver o garoto se aproxima apressado e me abraça, após olhar ao redor se permite um beijo rápido.

-Meu amor, quando me mandou a mensagem fiquei muito preocupado, o que está acontecendo? Por que me pediu pra trazer comida?- pergunta enquanto ergue uma sacola com uma marmita.

-Vamos sentar, vou te contar tudo.- digo sem conseguir tirar os olhos do embrulho. Seguimos até a direção da mureta aonde nos sentamos sobre a grama, ali ele me entrega o pacote.

-Minha mãe ficou muito preocupada quando pedi essa comida, ela disse que iria caprichar.- informa enquanto abro o pacote relevando fatia de pizza e mais abaixo um pedaço de lasanha caseira, eu não vou mentir, o cheiro era maravilhoso, em uma sacola aparte havia um garfo, sem cerimônia abocanho a pizza, esperando fazer meu estômago parar de roncar, antes que eu perceba a fatia se vai.

Busco o garfo, mas Heitor pigarreia me lembrando que lhe devia uma explicação, suspiro antes de começar.

-Certo, foram os meus pais, eles voltaram do seminário e trouxeram com eles uma missionária, ou pelo menos é isso que ela diz ser.- digo, passo os próximos minutos contando tudo o que havia acontecido no dia anterior, desde a invasão do meu quarto até o jantar, enquanto falava os olhos de Heitor tremulavam entre o preto e o vermelho brilhante, era óbvio que lutava para não se expor em um lugar tão público, mas por fim perde a paciência e a luta, seus olhos queimam como fogo.

-Quem esses idiotas pensam que são pra falarem assim com você?! Eu devia acabar com eles, e essa missionária... Não seria a primeira vez que queimo alguém. Por que você não falou nada comigo? Eu teria ido lá e...

Paro de comer a lasanha para conter o garoto que parecia prestes a explodir em chamar, o ar vibrava a sua volta e entre seus cabelos vejo algo que só vira uma vez, os chifres de Heitor despontavam para fora seguindo a curva de sua cabeça em um arco, precisava acalmá-lo, sem pensar duas vezes beijo o garoto que parece surpreso mas logo cede, quando nos separamos vejo os apêndices se retrairem, ele sorri sem parecer perceber o ocorrido, finalizo a lasanha para então chegar ao último assunto que restava contar a Heitor.

Era algo que me doía e nunca faria por vontade própria, de maneira desajeitada e à contragosto arranco meu anel de namoro.

-O quê?- pergunta o garoto confuso.

-A Damares viu o anel durante a discussão e começou a fazer perguntas, eu tive que mentir dizendo que tinha achado, então ela disse eu tinha que doar o anel pra igreja.- digo com a voz embargada sabendo que logo estaria chorando, Heitor me encara incrédulo enquanto lhe devolvo a aliança. -Eu simplesmente não posso fazer isso, então é melhor que você fique com ela do que...

Tento terminar a frase mas engasgo nas lágrimas. Antes que Heitor possa dizer qualquer coisa ouço um grito na entrada do pátio.

-Ai meu Deus!- levanto o olhar para encontrar uma Abigail desesperada correndo um minha direção, quase não tenho tempo de levantar antes de ser abraçado com força.- Gabriel, o que está acontecendo? Por que você está tão tristinho? Quem foi...

A menina continua disparando perguntas até desfazer seu abraço para observar a cena, primeiro seus olhos se fixam na aliança devolvida na mão de Heitor, porém logo deslizam até a marmita e o cenário em sua cabeça parece mudar.

-Eu vou matar o seu pai!- exclama furiosa.- Matar e sambar encima do cadáver, aquele merda está te fazendo passar fome? Eu preciso de uma faca.

Antes que ela dê meia volta Heitor se levanta para mediar o diálogo, explicando a situação. A raiva de Abigail aos poucos se abranda, deixando de ser fogo para se tornar um poço profundo e ácido.

-Missionária, é?- questiona desdenhosa. -Uma putinha que fala em línguas estranhas, pois bem, eu também sei falar uma língua estranha, eu chamo de "mão na cara de piranha homofóbica". Aonde eu encontro essa ordinária?

Exito por um instante, sabia que seria ruim para Abigail e para nós se ela chegasse na minha casa espancando uma mulher queimada e ameaçando meu pai de morte, porém antes que diga qualquer coisa Heitor me lança um olhar diabólico.

-Gabriel, quando a sua igreja vai fazer o próximo culto?

-Hum, acho que hoje a noite, não tenho certeza, mas a igreja do meu pai tem culto quase toda noite.

-Ótimo, muito bom.- afirma sorrindo, se voltando para a mulher que parecia estar ligando os pontos.- Abigail, minha cara, você gostaria de ir ao culto essa noite?

-Meu amor, eu vou pra esse culto de um jeito que as prostitutas da rua Augusta diriam: Meu bem, vai com calma, veste uma coisa decente.

-Perfeito, eu vou lá também, preciso olhar na cara da mulher que está atormentando o meu namorado, quero ver o que ela vai dizer quando meus olhinhos brilharem.- diz dando uma piscadela em minha direção.

Por um instante observo Abigail com medo de que a garota estranhasse a afirmação, porém a mesma parecia mais animada com a ideia de barbarizar as pessoas que me faziam mal, naquele momento percebo que Heitor já não se importava com qualquer erro cometido pela mulher anteriormente, todas as desavenças se dissipavam no momento em que tínhamos um inimigo maior em comum. Havia paz entre aqueles que se importavam uns com os outros.

A Missionária podia me considerar uma pessoa desobediente e rebelde por não me curvar as suas vontades, porém naquela noite ela teria problemas maiores quando tivesse que lidar com o brilho solar da piranhagem de Abigail e o espírito demoníaco e hipnótico de Heitor.

Meu Demônio (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora