Depois de concordar com o plano de Abigail ficamos mais algum tempo na cafeteira, conversando sobre trivialidades da escola e da vida enquanto tomávamos café. Não sabia se tanta cafeína me faria bem, mas do jeito que as coisas iam nem me importava mais.
-Gabriel, estava pensando, esse fim de semana acontece a festa da primavera aqui na cidade, você vem? Não vai ser grande coisa, sabe como são as festas assim, mas queria companhia.- comenta ela.
-Hum, não sei. - digo um pouco chateado.- Esse fim de semana tem culto e meu pai vai me querer presente, como ele diz, se nem a família do pastor estiver, quem estará?
-Grande porcaria isso aí. - diz revirando os olhos.- Ele fica te obrigando a ir toda vez como se fosse um exemplo, cada um deve ir por que achar necessário.
Apenas a encaro e dou de ombros, nem precisava dizer que já havia dito isso.
-Ainda assim, faça um esforço pra tentar ir.- insiste.
-Está bem.- acabo cedendo, ela comemora.- Mas não garanto nada.
-Já e o suficiente.- responde com um sorriso travesso.
Alguns minutos depois nos despedimos e tomo o caminho para minha casa, não era muito longe, cerca de quinze minutos de caminhada, na verdade em uma cidade pequena como a minha nada era realmente longe.
A igreja em que meu pai presidia os cultos ficava no centro da cidade e era cercada por uma grande e arborizada praça pública. A casa da paróquia na qual morávamos ficava do lado oposto, por meu pai ser pastor não tínhamos uma casa própria pois podíamos acabar mudando pra outra comunidade por algum motivo, sendo assim ficávamos naquela cedida pela paróquia.
Quase chegando dou uma rápida olhada no relógio, já passavam das cinco horas da tarde. As ruas naquela quinta-feira estavam desertas como de costume.
Abro o portão de ferro do quintal cuidadoso, ele indiferente ao meu cuidado se abre ruidoso, funcionando como um alarme para minha mãe que aparece segundos depois na janela, que ao me ver segue para abrir a porta.
Entro com o olhar baixo, já prevendo o que viria a seguir.
-Aonde estava, filho?- pergunta curiosa.- Saiu e nem avisou nada.
-Bem, eu estava (Pedindo ajuda a minha amiga tentar ficar com um garoto... Não, verdadeiro demais) com uma amiga minha na cafeteria.- digo ajeitando o cabelo em uma tentativa de soar indiferente.
-Uma amiga?- diz ela pondo as mãos em meus ombros já me empurrando pelo corredor.- Vamos para a cozinha, quero que me conte tudo. Meu menino tem uma namoradinha?
-Não! É só uma amiga mesmo.- insisto.
-Pode contar pra sua mãe, ela é da sua escola? Qual o nome dela?- continua, de todas aquela era uma das coisas que mais me chateava, a insistência que meus pais às vezes tinham em achar que eu tinha ou deveria ter uma garota.
-Mãe! Eu disse que é uma amiga, era a Abigail.- falo finalmente, por detrás das minhas costas a ouço suspirar, sabia minha mãe não via nossa amizade com bons olhos, afinal a garota não estava nos padrões que ela costumava apreciar.
-E sobre o que conversaram?- questiona, já com a voz um pouco menos contente.
-Bem,- travo por alguns segundos, não podia dizer a verdade.- Estávamos conversando sobre um trabalho de biologia que temos pra fazer sobre... Fungos, isso fungos.
-Ah, sendo assim está tudo bem, você fez certo, tudo dentro das regras.
-Nada de trazer meninas pra casa sem permissão.- falamos em uníssono, porém a minha fala sai mais arrastada e sem ânimo, eu realmente nunca estive interessado em trazer qualquer garota e meus pais viviam me lembrando daquilo.
-Aonde está o papai?- pergunto mudando de assunto.
-Ele já foi para a igreja pra preparar o estudo bíblico que vai ter hoje. Acho que se você se apressar ainda consegue chegar a tempo.- informa ela.
-Hum, acho que não vai dar, tenho algumas tarefas da escola pra amanhã, vou tomar um banho e fazer isso.- digo esquivo, geralmente eu iria, mas ultimamente estava com a mente confusa, eu que vivia uma vida reta parecia estar começando a fazer uma curva e já não sabia mais para onde estava indo.
-Sendo assim tudo bem, vá tomar um banho e fazer suas coisas, quando seu pai chegar te chamo para jantarmos.- diz ela consentindo.
Depois disso sigo para o banheiro, tranco a porta atrás de mim e começo a me despir, se tratando de mim as paredes que a minha volta provavelmente haviam visto mais do qualquer outro, era acostumado a andar sempre vestido, era raro até mesmo que ficasse sem camisa.
Com uma certa dificuldade arranco meu casaco, quando estou finalmente nu entro debaixo do chuveiro. A água quente escorre pelo meu corpo levando embora todo o cansaço de mais um dia, junto com ele se vão os pensamentos que me roubavam a paz, durante aqueles minutos me sinto fora de área, leve.
Assim que acabo o banho me enrolo na toalha e corro para o meu quarto, visto meu pijama, uma regata branca e uma bermuda azul, me jogo sobre a cama, ali fico encarando o teto.
Não havia nenhuma tarefa de casa realmente, nem nenhum compromisso , nem o trabalho sobre fungos que havia dito a minha mãe era real. Toda a minha mente ficava apenas no dia seguinte, amanhã por mais duvidoso que parecesse eu iria seguir o de Abigail, no fundo eu precisava saber se Heitor era ou não gay, sempre que pensava em tudo aquilo um frio na barriga parecia se espalhar pelo meu corpo, cada vez mais eu sentia que aquela seria minha única chance. Se fosse fazer isso, amanhã era o dia.
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Meu Demônio (Romance Gay)
RomanceGabriel prometeu a si mesmo nunca se apaixonar, o que as pessoas diriam se descobrissem que o filho do pastor é gay? Apenas a idéia de prejudicar seu pai o fazia estremecer. O tímido rapaz passa seus dias focado, deixando sua vida de lado enquanto...