47- Rachaduras Na Porcelana

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Minha cabeça girava e meu peito doía e dentro dele sentia algo se acumulando, queimava como fogo, era ódio, fuzilou meus pai com os olhos e me levanto da mesa, tanto ele quanto minha mãe me chamam mas lhes ignoro.

Subo para o meu quarto e fecho a porta atrás de mim com força fazendo um estrondo se espalhar pelo cômodo. Dentre todas as opções para aquela noite, a pior de todas parecia ter se concretizado.

Me sento no chão encostado a porta e abraço meus joelhos, não sabia o quão sério Cassandra havia sido quanto a cortar minha relação com Heitor. Mesmo com toda a raiva que sentia não conseguia culpá-la, meu pai havia sido tão vil, não iria querer meu filho gay convivendo com alguém assim, mas o que me deixara triste nisso tudo era ter sido deixado sozinho, se meu pai tivesse pego nas entrelinhas o que Cassandra tentara dizer... Estremeço, estaria em maus lençóis.

Permaneço sozinho com meus pensamentos até ouvir alguém tentar girar a maçaneta sem sucesso, em seguida sinto fortes pancadas contra a porta.

-Gabriel, abra a porta.- ordena meu pai, lhe ignoro, ele repete a ordem, porém continuo inerte, indiferente às suas ordens.- Está vendo mulher? É isso que dá ficar mimando o garoto, é nisso que dá! Quando eu digo que fazer parte dos nossos trabalhos faria bem pra ele você diz que é apenas um menino, e olha agora, o tipo de gente com quem ele se envolve.

-Deixe o Gabriel ter um pouco de paz, pelo menos por enquanto, ele estava animado por achar que tinha feito um amigo.- sussura minha mãe, era claro que ela contava com que sua fala não chegasse aos meus ouvidos.

-Só se envolve com porcaria esse, moleque.- resmunga ele.

-Está bem, vamos dormir. Logo ele vai encontrar alguém decente.- afirma ela.

-Assim eu espero.- diz meu pai ácido, em seguida a conversa cessa e fico sozinho, e naquele momento fraquejo e caio no choro.

Para ela havia me enganado acreditando encontrar um amigo decente mas estava errado, para ele era um mimado sem capacidade de categorizar quem valia a pena, mesmo saberem saberem o que Heitor representava para mim já me viam como um vergonha, me assumir causaria um desgosto sem tamanho.

Estava machucado por dentro e sangrava através das lágrimas em meus olhos, uma ferida que não sabia se iria cicatrizar... Cicatriz, como estaria Heitor? Me levanto, apanho o telefone e sigo para a cama.

"Oi, como você está?" Lhe mando a primeira mensagem, em seguida espero sua resposta sem sucesso.

Mais de uma hora se passa desde o envio até finalmente ele vizualizá-la, em seguida o vejo digitando, dez minutos se passam entre a mensagem ser escrita e o envio.

"Oi, eu não estou muito bem, mas não precisa se preocupar" Estranho aquilo, era uma mensagem muito curta para o tempo de escrita, ele provavelmente havia reescrito aquilo várias vezes, por quê?

"Heitor, me desculpe pelo meu pai" Digo, até mesmo para o garoto ouvir aquilo havia sido terrível, eu entendia isso.

"Não estou mal pelo seu pai, é algo complicado, não quero te envolver" diz ele, sinto meu coração pesado, havia algo de errado com Heitor e ele estava sofrendo.

"O que está acontecendo?" Questiono preocupado.

"Me desculpe por tudo" responde o garoto, em seguida ele remove sua foto de perfil e fica offline.

Observo sem reação o aparelho em minhas mãos, não entendia o que estava acontecendo, pelo quê Heitor se desculpara?

Tento lhe enviar mais mensagens mas é inútil, minha vontade era correr até a casa de Heitor e descobrir o que estava acontecendo, porém pelo que havia acontecido duvidava que seria bem recebido por Cassandra, minha única opção era esperar até amanhã na escola.

E assim, em meio as lágrimas e a tristeza caio no sono.

Acordo na manhã seguinte atordoado, demoro alguns instantes até perceber aonde estou, diante de mim há uma grande porta, era a casa de Heitor, apressado me levanto e bato nela, ninguém atende, insisto, nada. Agarro a maçaneta e lhe giro lentamente, não sabia qual seria a reação de Cassandra caso me encontrasse perambulando por sua casa, mas precisava tentar.

Empurro e a porta se abre, sorrateiramente olho para dentro buscando sinal de vida, não há ninguém.

-Heitor?- chamo pelo garoto, não tenho resposta, apenas silêncio.

Olho na cozinha, não há ninguém, encaro as escadas, minha respiração pesada ecoa em meus ouvidos, tenso subo os degraus até chegar os corredor que leva ao quarto de Heitor, ali encontro Cassandra, a mulher se encolhia contra a parede, resmungando algo, ela me encara.

-Me desculpe por estar aqui, é que...- começo preocupado.

-Minha culpa.- diz com um olhar vazio.

-O quê?- questiono confuso.

-Minha culpa.- reafirma a mulher, me pergunto ao que ela se referia.

-É sobre o jantar? A culpa não é sua, foi meu pai...- tento dizer mas sou interrompido.

-Minha culpa.- continua ela, nesse momento percebo algo, Cassandra não estava argumentando ou nada perto disso, era apenas aquilo, a mulher era como um disco arranhado, sigo em frente.

-Heitor?- chamo mais uma vez, Cassandra atrás de mim se agita ao ouvir esse nome, sussurrando mais furiosamente.

-Gabriel?- questiona ele por detrás da porta de seu quarto.- Por favor não venha aqui.

Por sua fala percebo que o garoto estava chorando, ignorando sua ordem corro até ele, assim que abro a porta encontra Heitor sentado na cama sem sua camisa, o garoto tinha uma mão em seu ombro, seus olhos chorosos me encaram, dentro deles havia apenas uma coisa: medo.

-Gabriel, vai embora, eu... Eu...- Heitor se levanta e de seu corpo escapa um estalo estranho, ele passa seu outro braço envolve seu abdômen, seus olhos me imploravam mas eu simplesmente não entendia o que estava acontecendo.

-Me diz o que está acontecendo.- peço assustado.

Uma lágrima corre pelo rosto do garoto, e em seu caminho uma rachadura lhe segue, Heitor me lança um olhar envergonhado.

-Eu estou quebrando.- confessa ele, as rachaduras começam a se espalhar pelo corpo do garoto como se sua pele fosse feita de porcelana, nesse momento luz emana de seu interior.

O garoto se desfaz, deixando em seu lugar um corpo flamejante, tudo queima em suas chamas e eu, assustado acordo.

Meu Demônio (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora