117- A Cina do Corvo

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O poder corrompe, porém naquele momento era difícil mensurar quanto ainda restava para ser corrompido, haviam muitas coisas que cobravam seu preço dentro de mim, tantas que logo não sobraria nada, toda a minha personalidade, tudo o que um dia havia sentido ou temido parecia me abandonar lentamente, como fumaça que sobe e depois desaparece.

Sigo na direção da porta do meu quarto, porém antes que eu possa abrir a maçaneta ela derrete em minhas mãos e a porta cede. Caminho pelo corredor enquanto deslizo os dedos pela parede que borbulha ao meu toque, a última vez que passaria por ali, meu último dia de vida, a dor que antes martelava meu peito já não existia mais, tudo parecia perfeitamente cronometrado agora, aceitar o fim era dolorosamente silencioso. Heitor ficaria triste sem mim? Talvez, mas ele estaria vivo, teria toda uma vida para se recuperar, talvez um dia encontrará outro garoto que veja o cara legal que ele é e isso amenize a dor. Seria melhor a minha morte antes da dele.

Alcançando a escada ouço as vozes exaltadas dos meus pais na cozinha, sigo na direção dos dois.

-Eu deveria estar lá, eu merecia ver ele morrendo mais do que qualquer um!- o pastor está exaltado, esbravejando contra a mulher toda a sua frustração.

-Querido, você já fez o seu papel, o importante é que temos nosso filho de vol...- argumenta, porém nesse momento seus olhos me encontram na entrada da cozinha, estava assustada porque eu deveria estar trancado e algemado no quarto.- Gabriel! O que estava fazendo aqui?

Não respondo ao seu chamado, um grande vazio crescia dentro de mim enquanto encarava a cena das duas figuras discutindo, o conceito de família que tanto lutara para manter desmoronava dentro de mim, naquele meu último dia tinha apenas três pessoas para chamar de família, Heitor, Cassandra e Abigail, os únicos a quem queria bem. O pastor não demonstra a mesma surpresa em me ver, na realidade seu rosto está estampado pelo ódio, sem exitar avança em minha direção.

-Seu moleque, o que você pensa que está fazendo?!- ele levanta o braço para desferir um golpe, mas quando desce seguro-o com força abaixo do punho, fazendo-o gritar em agonia, o chiado de carne queimando deixaria o antigo Gabriel nauseado. O pastor cai de joelhos enquanto começa a perder os sentidos.

-Pare, pelo amor de Deus! Pare!- clama minha mãe, ela se aproxima buscando ajudar e livrar seu marido mas exita diante de mim, por fim o homem desmaia.-Por favor, filho, vai matá-lo desse jeito.

Parte de mim queria continuar, ele merecia cada instante daquela dor, porém recuo e largo seu braço, o qual fedia a carne queimada e expunha uma manchada vermelha e moribunda. Quando me afasto ela se debruça sobre o homem, procurando qualquer sinal de vida, logicamente não era uma questão de morte, por mais que merecesse.

-Por que você está fazendo isso? O que aconteceu com você? Olha o seu estado, tentando matar seu pai, pecando na cama com um homem filho do Diabo, esse não é o menino que eu criei.- sua voz era chorosa e dramática, coisas que não me impressionam mais, tanto que preciso me forçar a falar.

-O que aconteceu comigo? Eu vi meus pais se transformarem em assassinos, do tipo que explodem e queimam pessoas, matam por simplesmente acharem que tem esse direito, propagarem o ódio e machucarem quem era mais importante pra mim nesse mundo. Não estaria fazendo isso se vocês não tivessem começado, é muito bom ter o poder nas mãos, agora eu sei, as coisas só mudam quando você encontra alguém ainda mais poderoso, nessas horas você chora, pede socorro, se encolhe e espera que tenham pena, não é mesmo?

-Você não entende, está falando isso porque o Diabo está te manipulando.- diz, o que me faz rir.

-O que você entende de manipulação? Tudo o que você fez até agora foi servir como um peão no jogo da Damares.- minha insinuação faz a mulher lançar um olhar confuso.- Aliás, como a missionária decidiu vir pra cá?

Meu Demônio (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora