Acordo sentindo o cheiro doce dos cabelos de Heitor, era quase certo que nosso sonho havia sido compartilhado, não era a primeira vez que isso acontecia. Me espreguiço antes de chamá-lo.
-Ei garotão, vamos acordar!- digo com um tom de voz lento e suave, aquele havia sido um sono pesado, sentia dificuldade para afastá-lo, quase como se ainda estivesse meio preso lá, sinto o garoto girar na cama, ao abrir os olhos encontro-o sorrindo.- Já deve estar quase na hora do...
Um grito assustado e confuso foge da minha garganta antes mesmo de conseguir processar meus pensamentos.
-O que foi? O que foi?- pergunta ele, tão sobressaltado quanto eu.
-Seu rosto... Você!- respondo, atrapalhado pela urgência. Heitor rapidamente apalpa a própria face tentando entender o que havia de errado, porém não demora muito para que perceba a cor de seus braços, dessa vez é ele quem perde o controle sobre sua garganta, deixando escapar um berro repleto de emoções indistintas, sem confiar completamente em no que via o garoto salta da cama e corre até o espelho no canto do quarto, me aproximo e afetuosamente ponho minha mão sobre seu ombro, assim que nossos reflexos se encaram o garoto se vira em minha direção e sou envolto em seu abraço.
-Esse sou eu de novo, normal... Humano.- ouço sua voz se tornando embargada à medida que o choro vêm, aquelas eram lágrimas de alegria e alívio, para Heitor era como se um pesadelo terrível e sombrio tivesse chegado ao fim. Entendia como aquele momento era importante para ele e não demora para que o choro me alcance, aquilo era tudo que desejava para o garoto, sua felicidade era a minha, abraço-o com ainda mais força. Não havia ninguém que merecesse mais aquele momento do que ele.
Como aquilo havia acontecido? Não tinha a menor ideia, bem poderia deduzir algumas coisas, mas nada era uma garantia. Talvez Heitor tivesse se reconstruído durante o sonho, remontado suas partes e encontrado seu verdadeiro eu, quem sabe ele só precisasse dormir e não fosse nada disso? No fundo apenas uma coisa importante, o garoto estava feliz.
Quando o abraço se desfaz enxugo uma lágrima que corria pelo seu rosto, o que faz seu rosto se acender em um enorme sorriso, faço um muxoxo brincalhão.
-Adeus Heitor de dois metros e meio de altura.- digo, fingindo uma decepção que claramente não existia, isso lhe faz revirar os olhos balançando a cabeça, porém quando pára sou puxado para um longo e carinhoso beijo.
-Aquele Heitor não podia fazer isso.- afirma quando nos desvencilhamos.- Eu te amo, obrigado por me encontrar e ajudar a me reconstruir.
-Eu faria qualquer coisa pra ver você sorrindo desse jeito de novo.- digo, ficando na ponta dos pés para lhe beijar mais uma vez. -Sabe de uma coisa? Acho que a sua mãe ficaria muito feliz em te ver assim.
O rosto do garoto releva outro grande sorriso, porém logo em seguida algo surge, uma espécie de nervosismo, ansiedade.
-Mas e se não for permanente? E se for algo momentâneo e eu voltar a ser um demônio?- a idéia faz o garoto estremecer, ele não havia vencido o medo, talvez nem fosse possível vencê-lo para sempre, não, não era, mas aquela era uma luta constante e não deixaria meu garoto perder.
-Se não for permanente pode se encontrar em mim, vai ser um prazer te lembrar a pessoa incrível que você é.- afirmo cruzando meus dedos com os seus, ele parece aceitar a ideia.- Vamos, tem alguém que vai adorar te ver assim.
Descemos as escadas já sentindo o cheiro do almoço pairando no ar, atrás de mim ouço o estômago de Heitor roncando, aquele era o garoto faminto por quem havia me apaixonado. Ao chegarmos na cozinha encontro Cassandra experimentando o tempero de sua macarronada, a mulher parece não perceber nossa chegada.
-Tem comida pra dois dorminhocos?- pergunto me desprendendo do rapaz, sabia o que aconteceria em breve.
-É claro que tem, estou caprichando hoje, a receita favorita do nosso Heitor.- diz, adicionando um pouco mais de orégano ao molho.
-Que bom! Acho que a ocasião merece uma comida especial.- diz ele, parecendo se divertir com a demora de sua mãe em nos encarar
-Ocasião?- questiona, visivelmente curiosa com a afirmação.- Não me lembro de nada importante no dia de ho... Ai meu Deus!
No instante em que Cassandra põe os olhos em seu filho todo o mundo à sua volta desaparece, ela larga o fogão e corre até o filho para abraçá-lo. Observo por alguns instantes antes de perceber que o fogo continuava aceso, deslizo pela cozinha e apago-o discretamente, não queríamos novos incêndios tão cedo.
-Você está...- diz ela pondo as mãos no rosto do filho.
-Sim, estou.- responde o garoto, feliz em mostrar seu novo-antigo eu.
-Mas como?- pergunta a mulher, ainda surpresa e maravilhada com o que seus olhos viam.
-Pergunte ao Gabriel, foi ele quem me trouxe de volta.- Cassandra se volta a mim, o único problema é que não estava cem por cento focado na conversa, na verdade estava pescando uma almôndega para fora da panela de molho (Em minha defesa, eu estava com fome).
-Você também estava no sonho, sabia? Não sei explicar, só sei que aconteceu.- digo, tentando jogar a responsabilidade de volta, porém sabia que o garoto estava muito emocionado para sintetizar qualquer coisa, nesse momento sua mãe faz a mediação.
-Tudo bem, vamos almoçar e vocês vão me contando.- oferece ela, aceitamos. Enquanto comemos há pausas para explicar o acontecido, na maior parte do tempo sou o narrador, Heitor faz comentários aqui e ali, Cassandra é uma boa ouvinte e suas perguntas são claras. Ao fim do almoço estamos todos satisfeitos, seja de comida ou de informação. Aparentemente não tão satisfeitos assim, Heitor se levanta e vai até a geladeira em busca de um pote de sorvete, enquanto isso uma dúvida volta a pairar em minha mente. Antes havia me perguntado como Cassandra aguentara o pai de Heitor, afinal o garoto era realmente grande, porém agora outra ideia surge.
-Então, como era o Diabo?- questiono, a pergunta parece aleatória e deixa a mulher tensa.
-Por que essa pergunta?- rebate, um tanto incomodada.
-Ele era grande e vermelho ou parecia humano?- continuo, tentar me explicar dificultaria tudo, logo era melhor só seguir o raciocínio.
-Ele era normal, só que era o Diabo.- responde exitando.- Mas do que isso interessa?- Cassandra claramente não gostava de relembrar aquele assunto, uma simples menção faz o clima amigável se tornar tenso. Naquele ponto da conversa Heitor também parara pra ouvir.
-Bem, acho que ele devia ser capaz de mudar de forma, indo entre humano e demônio, talvez até o Heitor também consiga.
-Eu não vou tentar virar demônio, não mesmo!- exclama, entrando na conversa, porém sua mãe pondera minha conclusão, julgando-a razoável.
Depois da sobremesa passo a tarde com Heitor no quintal de casa, a ideia fôra dele, provavelmente uma prova a si mesmo de que finalmente podia voltar à luz do sol, durante o restante do dia não há qualquer sinal do Heitor-demônio, no banho fico feliz ao ver seu "Heitorzinho" do tamanho normal, dormir naquela noite foi muito mais fácil, ambos cabíamos na cama sem dificuldade, nossas preocupações mais assustadoras haviam partido, tudo estava se encaixando novamente. Amanhã seria um novo dia.
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Meu Demônio (Romance Gay)
RomanceGabriel prometeu a si mesmo nunca se apaixonar, o que as pessoas diriam se descobrissem que o filho do pastor é gay? Apenas a idéia de prejudicar seu pai o fazia estremecer. O tímido rapaz passa seus dias focado, deixando sua vida de lado enquanto...