113- Vidas Cruzadas

162 17 1
                                    

Correr atrás de Abigail era inútil, sabia que ela faria exatamente o que prometera e Damares em breve receberia uma surra sem precedentes, nenhum vitimismo salvaria sua pele, poderia chegar em casa há tempo de segurá-la, mas acho que Damares não precisava de alguém lhe segurando enquanto apanhava, sim, jamais iria conter Abigail, a missionária merecia tudo que levaria.

Sem motivos para descer a colina só me resta subir, pra escola não voltaria, queria estar ao lado de Heitor. É uma caminhada silenciosa e lenta, o completo oposto da minha mente que seguia caótica e acelerada, algo em minha conversa com Abigail me incomodava, a garota havia me acolhido em meu momento de desespero, abraçado minhas fraquezas e ainda assim não fôra o bastante, aquele parecia um ciclo vicioso, nunca havia me importado com as mudanças de Heitor e o garoto continuava triste, por quê? O que faltava? O que não estava enxergando?

Chego à casa de Cassandra, frustrado com os pensamentos que inundavam minha mente, antes pensava ter evoluído tanto e agora me sentia tão imaturo como sempre, incapaz de ver a verdade quando ela deveria ser óbvia, tão grande que seria inegável reconhecer.

Bato na porta para ser atendido por uma Cassandra surpresa, ela trazia uma xícara nas mão esquerda, chá dourado e borbulhante perfuma o ar.

-Gabriel, pensei que estivesse na escola, aconteceu alguma coisa?- pergunta preocupada, assinto com a cabeça, talvez mais enérgico do que gostaria.

-Posso entrar?- pergunto sem jeito, não devia ter voltado e tinha receio de ser repreendido mas Cassandra prontamente faz sinal para que eu siga em frente. Na sala paro e observo ao meu redor, nem sinal dele. -O Heitor ainda não acordou?

-Não, acho que está chateado por ontem, acho melhor deixar ele quietinho por um tempo.- informa enquanto segue da direção da cozinha, vou atrás dela.

-Eu... Eu não disse aquilo de propósito, não quis magoá-lo.- digo frustrado.

-Sei disso, até ele sabe, mas os sentimentos são assim, nem tudo é racional e você pode acabar se magoando por algo que nunca teve a intenção de machucar, porque é sobre o que está dentro de você e como aquilo é recebido.

-Mas se as coisas são assim, do que adianta o acolhimento?- questiono, frustrado.- Você faz a sua parte e a pessoa vê as coisas como bem entender.

Cassandra suspira, me sentia um idiota completamente incapaz de assimilar suas palavras, talvez ela sentisse algo parecido, como se fosse uma professora tentando ensinar algo à uma criança muito infantil para tal conversa.

-Mas e você, consegue ver as coisas pelo ponto de vista do outro? Consegue se colocar no lugar dele?- questiona por detrás de sua xícara fumegante, aquelas palavras me acertam com força.- Sabe, tem coisas que não se resolvem com um abraço e um "Eu te amo", não dá pra chegar em alguém que quebrou a perna e dizer que está tudo bem, que não está doendo tanto assim, você precisa se colocar no lugar da outra pessoa e entender quando ela diz que dói, porque dói mesmo. Existem coisas que só o tempo cura, e se esse for o caso talvez seja pior fingir que está tudo bem, pode ser que um dia ele aceita as coisas como realmente são.

Assinto um pouco chateado, a ideia de vê-lo sofrendo até se conformar era horrível, queria ser capaz de tirar todo o seu sofrimento, pegá-lo pra mim só pra deixá-lo feliz novamente.

-Acho que vou lá ver como o Heitor está.- digo deixando a cozinha, Cassandra apenas observa, sabendo que não havia mais nada a ser feito. Chego no quarto do garoto me esforçando para não fazer qualquer barulho, ele permanecia deitado, com as pernas encolhidas e uma das mãos abaixo do travesseiro, sua respiração mostrava que não estava dormindo. Me aproximo e sento no colchão.- Oi.

Meu Demônio (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora