O relógio na parede marcava quase 4h da madrugada e não parava se estalar, qualquer fragmento que rompia o silêncio e não fosse o choro de uma bebê de cinco meses, irritava. Sonâmbula, Irene não sabia dizer se era noite ou dia. A casa, que antes era cheia dos sorrisos e risadas de Aruna, agora parecia um vazio interminável. Cada segundo que passava era uma tortura e um medo terrível de que a filha nunca voltasse.
Antônio e Luigi haviam saído. Estavam ajudando nas buscas e Irene esperava que eles trouxessem boas notícias. Há pouco, soube que Caio e Ademir também estavam auxiliando Antônio, além de Silvério, que devido a prisão domiciliar do homem deveria acompanha-lo em suas saídas de casa.
No canto da sala, estava Petra, sentada com as pernas cruzadas, tentava amparar a mãe, que já chorava há muito tempo. A moça também temia pela integridade da irmã, mas desejava ser forte pela mãe. Tudo o que ela não precisava agora, era de alguém que a trouxesse mais pânico. Por isso, enxugava rapidamente os olhos sempre que eles começavam a ficar marejados.― Mãe, você quer um chá? ― perguntou, a voz baixa e hesitante.
Irene balançou a cabeça, sem nem olhar para Petra. Ainda estava imóvel, enquanto encarava fielmente a porta.
― Não, filha... não quero nada. - tentou resumir sua situação. - Eu só quero que Antônio entre por essa porta com a Aruna nos braços. Quero poder cuidar dela de novo. Quero ter a certeza de que ela está bem. E a salvo.
Ela levantou-se, como se guiada por uma força maior, e caminhou até o quarto de Aruna. As mãos trêmulas abriram a porta devagar, e o cheiro suave de talco e leite materno a envolveu. Era como se o tempo tivesse parado ali, na noite passada, quando ela colocou a pequena para dormir ao som de sua voz, como têm feito desde que ela nasceu.
O berço estava vazio.
Era a primeira vez que Irene voltava ao quarto da filha desde o desaparecimento. Tudo parecia igual, mas ao mesmo tempo, completamente diferente. A chupeta ainda estava caída perto da janela, o cobertor favorito de Aruna ainda estava pendurado no berço e ela começou a ajeitar tudo rapidamente. Como se a filha fosse voltar quando ela terminasse. De repente, Irene ajoelhou-se ao lado do berço, os braços se apoiando na madeira. Tentou não desfalecer todo esse tempo. Mas, a saudade e a preocupação que sentia, castigavam.
― Meu Deus, onde ela está? ― murmurou, com a voz embargada.
As lágrimas começaram a cair. Não eram apenas lágrimas de tristeza, mas de culpa, de impotência. Ela passou os dedos pelo colchão do berço, como se pudesse sentir o calor do corpinho da filha que, até pouco tempo atrás, dormia ali tranquilamente, segura e quentinha.
― Eu não devia ter deixado ela sozinha. - se culpou. - Não devia ter feito amor com Antônio essa noite. - lembrou, por mais que estar nos braços do marido tenha sido seu maior alento. - Eu acabei me distraindo. Acabei não vendo quando a levaram daqui. ― sussurrou. - Eu não soube cuidar de você, minha filha. Não soube.
Ela apertou o travesseirinho da filha contra o peito. Aquele travesseiro ainda tinha o cheiro dela, um cheiro que fazia Irene lembrar de noites tranquilas, das primeiras risadas, do sorriso desdentado que iluminava seus dias. Irene se lembrava do tempo que passou ali, planejando esse quarto e pensando no conforto da recém nascida. Ela se lembrava da conexão verdadeira ao amamentar e dos olhos vidrados da bebê, tão linda, enquanto sua voz embalava seu sono inocente.
Cada lembrança era uma pintada no coração. Uma ficha caindo de que a menina estava sumida e ela dependia das notícias de um bandido perigoso. Tinha medo de tudo. Tinha medo, mesmo que não quisesse ter. Imaginar que Damião estava com a menina, que antes do parto dizia ser a filha que tiveram juntos, em um delírio assustador, a amendrontava. Tinha pavor de imaginar que talvez ele fosse sim, capaz de fugir com Aruna nos braços.
― Mãe? ― A voz de Petra veio da porta.
Irene virou-se lentamente, os olhos vermelhos de tanto chorar. A expressão abatida, nem parecia vir da mulher que estava sempre impecável e alinhada. Largada ao chão, ela sofria de forma estridente. Era evidente o quanto era uma boa mãe e como se preocupava com o sumiço da caçula. Sempre muito intensa quando o assunto são seus filhos.
― Você precisa descansar. Comer alguma coisa. Se acalmar. - tentou convencê-la que o melhor seria sair dali e ter fé - Ficar aqui não vai trazer a Una de volta. - foi realista. Talvez, até um pouco demais.
Irene sentiu uma pontada de dor no coração. Petra não estava sendo cruel; ela apenas tentava ajudar, mas aquelas palavras ecoaram como uma sentença.
― E se eu nunca mais a vir, Petra? ― disse Irene, soluçando. ― E se ela estiver lá fora, com frio, com fome... O Damião não vai saber cuidar dela. - voltou a chorar. - Ninguém tem como saber que ela gosta que alisem o narizinho para dormir, ou que ela sempre dorme com um paninho nos olhos porque não gosta da claridade. Ninguém sabe que ela sente muito frio nos pezinhos e que o soluço a irrita. Eu sou a mãe dela. Só eu sei cuidar dela.
Petra entrou no quarto e ajoelhou-se ao lado da mãe, segurando suas mãos.
― A polícia está procurando por ela. Vão encontrá-la. - acreditou. - Luigi, Caio, Papai e tio Ademir também estão lá, fazendo tudo o que podem para encontrá-la. A gente tem que acreditar que eles vão conseguir trazer ela de volta mãe.
― Mas e se não encontrarem? ― Irene ergueu os olhos para a filha. ― Como eu vou viver sem ela?
Petra não respondeu. Ela também não sabia o que dizer. As duas ficaram ali, em silêncio, abraçadas no chão do quarto de Aruna, cercadas por lembranças que agora eram uma fonte de dor.
O silêncio também era uma forma efêmera de auxiliar alguém na dor. A filha e a mãe se abraçavam em uma conexão que há muito tempo não existia entre elas. Eram parceiras. Amigas. E por algumas vezes, Petra era até mesmo a mãe, de sua mãe.
Depois de alguns minutos, a mais nova começou a se levantar do chão, tentando convencer a mãe de que talvez realmente fosse melhor sair dali do que continuar cutucando a dor. Mas, ao fazê-lo, sentiu um leve desequilíbrio, escorando na parede ao lado do berço.
Irene percebeu o desconforto da filha e a segurou rapidamente pelos braços.
― O que foi, Petra? O que você tem?
― Nada, mãe... só fiquei um pouco tonta. - respirou fundo - Deve ser cansaço, tenho trabalhado muito na expansão do grupo La Selva para o exterior. Além disso, desde que eu soube da morte do Dirceu, não consegui ter paz. - revelou.
Irene ajudou a filha a sentar-se na poltrona de amamentação, ainda segurando suas mãos.
― Você precisa se cuidar também, filha. Não quero que você fique doente. - a encarou sincera e preocupada.
― Estou bem, mãe... só quero que você fique bem também. - desejou, ao aceitar o afago da mãe. - É só um mal estar, já vai passar.
O olhar de Irene pousou novamente no berço vazio, e ela sentiu uma dor profunda no peito. Mas, ao olhar para Petra, também precisando dela, percebeu que, mesmo no meio de todo aquele caos, precisava ser forte. Não só por Aruna, mas também pela filha mais velha, que estava ali, tentando ser sua fortaleza, mesmo que também não estivesse nos seus melhores dias.
Com um esforço enorme, Irene enxugou as lágrimas e beijou a testa da filha.
― Vamos para o seu quarto. A mamãe vai cuidar de você. - a amparou. - Vou te ajudar a dormir, quando fazia quando morava aqui. - tentou sorrir.
Encarou o berço uma última vez antes de apagar as luzes. O peito flamejava pela dor.
- Nós vamos encontrar a sua irmã. Ela vai voltar pra casa. Eu te prometo isso.
Mas, no fundo, Irene sabia que era uma promessa que talvez não pudesse cumprir.
Eram as palavras de uma mãe desesperada, tentando encontrar esperança em meio à escuridão.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Antorene: The After
FanfictionE se Irene decidisse fugir da polícia? E se fosse obrigada a deixar Antônio para trás? E se Antônio fosse condenado a pagar por todos os crimes que cometeu, preso dentro de seu próprio império? Sozinho, como sempre temeu estar, até mesmo durante as...