Homem Morto

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[• Corumbá (MS), 1991 •]
- Eu não acredito que você tá me vendendo de novo. Gritou. Não é possível que você só saiba me ver como moeda de troca. Andou por toda a casa, inconformada.
- Cala a boca. Ordenou. Cala essa boca, Irene. Eu já te falei, você faz o que eu mando. Eu sou o seu pai.
- É nada. Negou. É um estranho. Um estranho qualquer pra mim. Pai não faz o que você faz. Pai não troca a filha por um copo de cachaça barata no bar da esquina. Gritou. Eu tenho nojo de você. Nojo.
- Tá. Tá bom. Pega ali a camisinha que eu não quero sustentar mais ninguém. Agiu com a mesma frieza de sempre. A não ser que você tenha uma menina né. Se for ter uma menina, não é má ideia não...
- Pois o dia que eu tiver uma filha eu mando matar você, Leonardo. Ameaçou. Quando a minha filha nascer, você é um homem morto.

Irene On:
Eu tive muitos traumas durante toda a minha infância. Traumas estes causados pelo homem que mais deveria me proteger no mundo: Meu pai. Desde então, eu sempre desejei ter filhos. Mas, não para ser como ele. Pelo contrário, eu sempre desejei ter filhos para que fosse uma mãe de verdade. Quando Daniel nasceu, eu pude admirar Antônio e entender o pai que ele era. O pai que eu sempre quis ter, e com quem eu me senti segura o bastante para ter um segundo filho ou filha. Consequentemente, até mesmo uma menina.
Desde que Antônio me disse sobre o quanto a nossa filha é tudo o que ele tem agora e como eu devo cuidar dela, eu não paro de pensar nas medidas que tomei para proteger Petra, há alguns anos atrás. Eu tinha uma bebê de dez dias nos braços quando me lembrei das ameaças que fiz no passado e gelei ao recordar que deveria cumprir minhas promessas o mais rápido possível.

- Irene?! Chamou. Eu já cheguei. Avisou. Fui lá ver aquele tal delegado. Atirou o celular e as chaves na mesa ao lado do sofá, se sentando em seguida. Impressionante como é insuportável ter um guarda costas. Como é que pode em? Não aguento mais andar com o Silvério pra cima e pra baixo e ... Irene?! Chamou novamente, tá me ouvindo? Você parece distante. Tá tudo bem? Se aproximou, enquanto a mulher viajava no tempo.

[• Nova Primavera (MS), 1997 •]
- Licença, pois não Dona Irene, mandou chamar? Entrou na sala da fazenda, enquanto diminuia o tom de voz, respeitando o fato de que existia uma bebê de dez dias na casa dos patrões.
- Como vai Sidney? Mandei. Mandei te chamar sim. Encarou um dos peões mais certeiros de Antônio. Pode me acompanhar até o escritório, por favor?
O homem seguiu a patroa, enquanto encarava os cantos da bela casa de Antônio. Quase nunca era convidado a entrar e por isso, sempre acreditava ser um evento estar lá.
- Sidney, eu preciso que você faça um serviço pra mim. Foi direto ao ponto, enquanto se sentava na cadeira do marido. Preciso que você faça um serviço.
- E... Que tipo de serviço a madame quer?
- Eu quero que você vá até uma cidade vizinha chamada Corumbá, e mate um homem. Ordenou. Mas, é claro que o Antônio não pode saber de nada. Pediu.
- Claro madame. Concordou. E qual é o nome do sujeito? Diminuiu o tom de voz.
- Leonardo Rodrigues Aldrava. Decretou. Eu vou te passar todas as informações. Olhe bem Sidney. Advertiu. Você não pode falhar.

[• Nova Primavera (MS), 2023 •]
- Irene?! Insistiu. Tá com a cabeça onde mulher? Tô te chamando e você não responde. Parece que tá em outro planeta...
- Eu tava. Encarou o homem. Acabei de fazer uma viagem ao passado Antônio. Foi sincera, enquanto se levantou para andar por toda a sala.
- Que que foi Irene? Tocou o ombro da mulher. Pelo visto você lembrou de algo ruim. Afirmou. Tá perturbada, ansiosa, incomodada. Aquele cara voltou a te ameaçar? Indagou preocupado. Ele disse alguma coisa que...
- Eu mandei matar o meu pai. Revelou.
- Como é? Soltou seu ombro, boquiaberto.
- Eu te disse que não queria que você fosse atrás dele. Lembrou. Disse que queria esquecer essa história mas... Quando a Petra nasceu eu... Eu não consegui. Esclareceu. Ela tinha dez dias quando eu mandei o Sidney acabar com ele.
- Irene, você...
- Eu sei. Afirmou. Eu sei que você deve tá me achando um monstro. Sei que deve tá se perguntando quem é de fato essa mulher com quem você foi casado por trinta anos. Mas, eu precisava proteger a minha filha daquele homem. Deixou uma lágrima escorrer. E eu só me arrependo de não ter mandado acabar com o Dirceu junto. Revelou.

Antônio On:
A Irene é a mãe mais leoa que eu já conheci. Como ela, eu também não tive um bom pai. Sofri muitas coisas, fui bastante renegado, torturado e obrigado a me tornar o homem violento que eu fui todo esse tempo. Mas, eu reconheço que, ser uma mulher, não deve ser nada fácil. Eu sei que é difícil pra Irene confiar em qualquer pessoa. E só eu sei, o quanto foi difícil convencê-la de que eu jamais tocaria num fio de cabelo da nossa filha. Eu sei quantas noites ela passou acordada alimentando esse ódio que sempre sentiu do pai por tê-la feito tanto mal. E eu sou capaz de entender as suas ações. Sou capaz porque... Eu quis matar Dirceu quando soube que ele tinha tirado a inocência da minha filha. A filha que eu acabo de descobrir que a mãe, lutou tanto pra proteger.

- Você foi muito corajosa. Entendeu finalmente. Não sei se teria tido a coragem que você teve, Irene. A abraçou.
- Você não acha que eu sou um monstro? Não acha que eu mereça morrer realmente? Antônio?! Ele era meu pai. O encarou. Ele era o meu pai e eu não consigo sentir remorso por isso.
- Ele já tinha morrido. Consolou. O homem que é capaz de ver a mulher dele dar a luz a uma criança, uma menina, parte dele, e não sentir vontade de proteger ela do mundo inteiro, cuidar, amar... Irene?! Ele era um homem morto. Compreendeu. Só não entendo por que você nunca me contou.
- Por que eu tinha medo de te perder. Declarou. Medo que você me julgasse. Medo que...
- Xiu.. A abraçou novamente. Você fez o que achou que deveria fazer pra proteger a sua cria. Já passou. Beijou sua testa. Você fez um favor pro mundo, mandando matar aquele homem. Aquele desgraçado que machucou tanto você. Que machucou a mulher que eu amo. Afirmou, deixando a mulher em choque.
- Antônio, você... Você disse que me ama? Se livrou dos braços dele.

Antorene: The After Onde histórias criam vida. Descubra agora