O Drama da Cadeia e Favela

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A cadeia é o destino que muitos dizem estar reservado para quem nasce na favela. Não importa o que você faça, o que tente ou o quanto lute para escapar desse ciclo, a cela fria, com grades enferrujadas, sempre parece ser a sombra que paira sobre a sua cabeça. O medo constante de perder a liberdade, de ser mais um número no sistema carcerário, é uma realidade para muitos como eu.

Eu nunca estive preso, mas conheço a cadeia tão bem quanto conheço as ruas que piso todos os dias. É o mesmo drama. Na favela, todo mundo tem uma história de alguém que foi levado. Irmãos, primos, amigos. Vão e voltam, ou às vezes, nem voltam. Para eles, a cadeia é só uma continuação do inferno que já viviam do lado de fora, só que agora cercados por muros de concreto e sem o céu para olhar.

Davi sempre falou sobre isso. Seu tio foi preso quando ele tinha apenas oito anos, por um crime que ele nem cometeu. Acusado de roubo, levado pela polícia como se fosse um animal, jogado dentro de uma cela imunda. Davi nunca superou. Para ele, a cadeia se tornou uma sentença que pairava sobre todos nós. "Uma hora ou outra, eles vêm buscar a gente," ele dizia. E quando ele falava, havia uma verdade amarga nas palavras, algo que me gelava o sangue.

A favela, essa, é uma prisão sem grades, mas com barreiras invisíveis que te cercam de todos os lados. Aqui, o drama é diário. O som das balas, o eco dos gritos, as sirenes que cortam o ar durante a noite. São sons que você se acostuma a ouvir, mas nunca se acostuma a sentir. Todo dia é uma roleta russa — hoje você pode estar vivo, amanhã não.

Eu me lembro bem da primeira vez que vi um corpo caído no chão. Era um garoto, devia ter uns quinze anos. Eu também tinha quinze na época. Ele estava estirado na rua, com os olhos abertos, mas sem brilho. Aquela cena ficou gravada na minha memória como uma cicatriz que nunca se fecha. Ali, eu percebi que a vida na favela era essa: um jogo constante entre a vida e a morte, onde o mais forte, ou o mais rápido, sobrevive. E nem sempre é justo.

A cadeia e a favela estão conectadas. As grades que prendem nossos corpos dentro das celas são as mesmas que prendem nossas mentes dentro da realidade da pobreza. A diferença é que, na cadeia, você sabe que está preso. Na favela, muitos nem percebem que estão vivendo numa prisão maior, onde os muros são a falta de oportunidade, a violência, o preconceito. Onde a chave está na mão de um sistema que nunca quis que a gente saísse.

O drama da cadeia, para muitos, começa muito antes de entrar nela. Começa nas abordagens violentas, nas batidas policiais que não perguntam seu nome, só te encurralam como se você fosse culpado por existir. A qualquer momento, alguém pode ser levado, algemado no meio da rua, sem chance de se explicar. "Você estava no lugar errado, na hora errada," dizem. Mas a verdade é que, para eles, a favela inteira é o lugar errado, e quem mora aqui, bom, está sempre no horário errado.

Lucas, um amigo que cresceu comigo, foi preso assim. Levaram ele no meio de uma batida, junto com outros moleques. Acusaram de tráfico, de ser olheiro. Ninguém se deu ao trabalho de perguntar se era verdade. Não importa. Ele era preto, pobre, e estava na favela. Isso já bastava.

A vida dentro da cadeia, segundo Lucas, era pior do que qualquer um podia imaginar. O sistema lá dentro não era diferente do lado de fora. O mais forte, o mais esperto, sempre sobrevivia. Mas lá, não havia para onde fugir. As paredes de concreto, a comida que mais parecia ração, os guardas que tratavam todos como animais — era como viver num inferno onde cada dia era uma batalha para não perder a humanidade.

Lucas voltou depois de dois anos. Mas o Lucas que eu conhecia não voltou mais. Ele era só uma sombra do que foi um dia. Os olhos, antes cheios de vida, agora estavam vazios. A cadeia levou tudo dele, menos o corpo. E eu sabia, olhando para ele, que aquilo poderia ser o destino de qualquer um de nós. Porque aqui, na favela, é uma questão de tempo até a próxima batida, até a próxima injustiça. Até a próxima vida ser arruinada.

O drama da cadeia e da favela é o mesmo: a luta pela sobrevivência, a falta de saída, o peso constante da violência e da opressão. Mas é também a luta contra um destino que parece inevitável, a vontade de provar que podemos ser mais do que isso. Mais do que corpos aprisionados, mais do que números nas celas ou nas ruas.

Eu olho ao meu redor e sei que o jogo é pesado, mas enquanto houver vida, haverá luta. Porque eu me recuso a ser mais um nesse drama que a sociedade insiste em nos impor.

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