Capítulo 81: Cê Disse Que Era Bom e as Favelas Ouviram
Naquela manhã nublada, o ar estava pesado com a expectativa do que estava por vir. A entrevista que eu tinha gravado na semana passada seria exibida hoje no programa mais visto da TV. O produtor, um cara que tinha um olho para o talento das ruas, acreditava em mim. “Cê disse que era bom e as favelas ouviram,” ele sempre dizia. Agora, era a hora de mostrar ao mundo que eu era mais do que apenas um garoto da quebrada.
Acordei cedo, o coração acelerado, minha mente girando em torno das possíveis reações. O que eu ia dizer? Como eu ia representar minha gente? Cada vez que a lembrança da câmera me pegava, eu me lembrava da minha mãe, dos dias difíceis e de como cada passo que eu dava era para honrar a luta dela. Seria um momento para inspirar outros, como eu sempre sonhei.
Sentei na frente da TV enquanto a introdução do programa começava. O apresentador, um rosto familiar, começou a falar sobre os desafios da vida na favela, os preconceitos e as vitórias que surgiam em meio ao caos. Então, chegou a minha vez. Eu, ali, na tela, representando milhões de vozes que nunca tiveram espaço para serem ouvidas. O produtor me disse que esse era o momento de transformar as palavras em ação.
Assim que a câmera focou em mim, o nervosismo se transformou em determinação. Falei sobre minha vida, sobre como o futebol e a música eram minha forma de escapar da realidade dura. Falei sobre os amigos que perdi, as batalhas que enfrentei, e o que significava crescer na periferia. O que mais me movia era a necessidade de mostrar que a nossa história é cheia de vida, resistência e, principalmente, amor.
"Eu não sou só mais um, eu sou a voz de muitos que não têm chance de falar," eu disse, e naquele instante, percebi que as palavras reverberavam além da tela. As mensagens começaram a chegar. "Tô torcendo por você!" “É isso, Gabriel! Representando a quebrada!” As redes sociais começaram a explodir com o meu nome. A favela ouviu. O Brasil ouviu.
A repercussão foi instantânea. No dia seguinte, já havia jornalistas batendo na porta da minha casa, querendo saber mais sobre minha história. A fama veio como um furacão. Entrevistas, convites para eventos, até mesmo propostas para gravar músicas. Tudo parecia surreal. Eu não era mais apenas um garoto perdido na favela; eu estava começando a ser visto como alguém que poderia fazer a diferença.
Logo, eu estava na cena, cercado por produtores e empresários que queriam transformar minha história em algo maior. Era tentador. O glamour das festas, os aplausos da plateia e as luzes brilhantes davam uma sensação que eu nunca tinha sentido antes. Mas ao mesmo tempo, eu não podia esquecer de onde eu vinha.
Em cada passo que eu dava em direção ao sucesso, eu fazia questão de levar a minha quebrada comigo. Comecei a organizar eventos na comunidade, trazendo artistas locais e promovendo shows que valorizavam os talentos que surgiam ao nosso redor. Cada vez que alguém subia ao palco, eu lembrava que não era apenas sobre mim, mas sobre todos nós. "Cê disse que era bom, e as favelas ouviram," eu repetia para mim mesmo, lembrando que o que eu tinha conquistado era apenas o começo.
E assim, com a fama crescendo, eu mantinha a cabeça erguida. Nas redes sociais, sempre que um novo seguidor entrava, eu retribuía com mensagens de incentivo para que eles também acreditassem que poderiam realizar seus sonhos. A música, o futebol e a luta por um futuro melhor tornaram-se minha missão.
Por trás das câmeras e dos holofotes, a batalha pela verdade continuava. Eu não poderia deixar que a fama apagasse a essência da minha jornada. A luta não era só minha; era de todos que carregavam o peso das histórias não contadas, das vozes silenciadas, dos sonhos enterrados.
Naquele momento, enquanto olhava para a cidade que sempre me acolheu e me desafiou, eu sabia que minha história estava apenas começando. E que, no fundo, o que realmente importava era o impacto que eu poderia ter na vida dos outros. Afinal, fama e sucesso não são nada se não usados para elevar aqueles que ainda estão lutando na escuridão.
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Negro DRAMA
Ficção Histórica"O Peso do Silêncio" é um romance visceral que mergulha nas profundezas da vida na periferia, inspirado no icônico "Negro Drama" dos Racionais MC's. A história acompanha Gabriel, um jovem negro que luta contra o sistema opressor que já o condenou de...