Pra ser, se for, tem que ser

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Gabriel:

Na favela, as coisas acontecem de um jeito que não tem como explicar. Pra ser, se for, tem que ser. Essa frase ecoava na minha mente enquanto eu observava o movimento ao meu redor. A vida não dava trégua, e o cotidiano era uma luta constante para se manter em pé. Se você não estiver disposto a encarar, é melhor sair de cena, porque a vida aqui não perdoa fraqueza.

Acordei cedo, como sempre, com o sol batendo na janela. O cheiro do café fresco subia pela casa e, mesmo com a correria do dia a dia, era um alívio saber que, pelo menos, havia café. O rádio tocava uma música qualquer, mas era o tipo de som que te lembra que a vida continua, mesmo quando tudo parece desmoronar. Ouvia os gritos das crianças brincando na rua e o barulho dos carros passando. Era como se a favela tivesse um coração que nunca parava de bater.

“Hoje é dia de correria,” pensei, já me preparando para sair. Na rua, vi o Zé, um cara que conhecia desde pequeno. Ele sempre teve uma mente rápida e, apesar da vida dura, tentava se manter firme. “E aí, mano, tá ligado que hoje é dia de fazer o corre?” ele disse, com um sorriso no rosto que não escondia a preocupação.

“Se for, tem que ser,” respondi, e nós dois rimos, mas era um riso nervoso. O corre era a busca por grana, e essa busca não tinha descanso. A pressão do dia a dia na favela era constante, e cada um tinha sua estratégia para sobreviver. Uns trabalhavam com honestidade, mas a maioria sabia que o que importava era o resultado. O dinheiro, que podia vir de qualquer canto, era o que movia a roda da vida.

A favela era cheia de armadilhas e cada esquina escondia uma história. Cada um ali tinha que se adaptar, aprender a navegar entre os riscos. Se você não se tornasse forte, ia acabar se perdendo. O drama que vivíamos não era só sobre dinheiro; era sobre dignidade, respeito e sobrevivência. “Pra ser, se for, tem que ser,” ressoava como um mantra em cada esquina que eu passava.

A gente costumava encontrar um lugar para se reunir e trocar ideias, discutir os planos e as estratégias de sobrevivência. Nesse dia, sentamos no boteco do Tio Nelsinho, que sempre tinha uma palavra amiga e um café quente. Enquanto conversávamos, o clima mudava. O medo e a desconfiança eram palpáveis, e a realidade da favela te empurrava pra baixo, mesmo quando você tentava se erguer.

“Hoje eu ouvi falar que a situação tá complicada na favela vizinha,” disse Dani, com a expressão preocupada. “Os manos tão se enfrentando de novo, e quem acaba pagando o pato é a gente, que só quer viver em paz.” E era verdade. O que acontecia em uma comunidade rapidamente afetava a outra. A violência não tinha limites, e as brigas entre facções eram comuns.

Se for, tem que ser, pensei novamente. Era isso que nos mantinha em pé. O entendimento de que, independentemente da situação, você tinha que se virar. Mas a realidade era que essa luta não trazia apenas desafios; ela também levava a perdas.

Lembrei do Júnior, um amigo que se foi no meio dessa batalha insana. Ele tinha tentado sair do tráfico, mas o passado o perseguia. “Parece que nunca é suficiente,” eu murmurei para mim mesmo, sentindo o peso da realidade que carregávamos. Júnior tinha acreditado que poderia mudar, mas na favela, a crença era como papel na chuva; escorregava pelas mãos e se desfazia rapidamente.

A música do rádio estava mais alta, e as risadas se misturavam com a angústia que permeava o ambiente. Era como se a favela estivesse em constante ebulição, uma mistura de sentimentos, sonhos, e desilusões. “Se for, tem que ser,” disse Tiago, quebrando o silêncio. E, naquela hora, todos nós sabíamos que, para continuar, teríamos que enfrentar o que viesse pela frente, sem saber se teríamos força suficiente.

As vidas que se entrelaçavam naquelas vielas eram como um mosaico de dor e resiliência. E no final das contas, mesmo com todo o drama, o que restava era a luta pela dignidade, pelo respeito. Se ser forte significava sofrer, então estávamos todos prontos para o que viesse. Essa era a realidade da favela, e nós éramos os protagonistas dessa história insana.

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