Sempre a Provar

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Gabriel:

A vida na favela era um teste constante, uma provação a cada esquina. Sempre a provar, sempre a lidar com as dificuldades que apareciam como sombras em cada passo que dávamos. Acordar todos os dias era como entrar em um ringue de luta livre, onde as regras eram feitas para serem quebradas e a sobrevivência era o único objetivo.

Naquela manhã, o sol estava escaldante. O cheiro do café fresco se misturava com o aroma da comida que a dona Maria preparava na casa ao lado. Mas, mesmo em meio aos cheiros que costumavam ser reconfortantes, eu sentia que algo não estava certo. O ambiente estava carregado de uma tensão que parecia ter sido criada por anos de dor e luta. “Hoje vai ser mais um dia de provações,” pensei, enquanto observava os meninos jogando bola na rua.

A favela estava viva, mas havia algo sombrio por trás da energia. As conversas nos becos e esquinas sussurravam sobre os últimos acontecimentos. A guerra entre as facções tinha se intensificado, e cada notícia que chegava era um lembrete de que a vida era frágil. Entre o café da manhã e o almoço, havia sempre uma provação à espera.

“Gabriel, você ouviu o que aconteceu com o Jota?” perguntou a Lúcia, enquanto passava por mim com o olhar preocupado. “Dizem que ele foi pego em uma emboscada. E nem era pra ser com ele.” A notícia me atingiu como um soco no estômago. Jota era um mano que sempre estava com a gente, um cara que sabia se virar e tinha um sorriso no rosto, mesmo nas piores situações. “Sempre a provar,” murmurei, e o peso da realidade apertou meu peito.

Reuni os manos no bar do Seu Joaquim para discutir a situação. O lugar estava lotado, com as conversas misturadas ao som do rádio. “Se continuar assim, vamos perder mais gente. Temos que nos unir e proteger nosso próprio,” eu disse, tentando ser a voz da razão em meio ao caos.

O que eu não sabia era que a provocação estava prestes a se transformar em um conflito direto. O clima ficou mais pesado quando um grupo rival entrou no bar, todos com olhares desafiadores. Não era só a nossa quebrada em risco; era o orgulho que estava em jogo. O ambiente se tornou um campo de batalha silencioso, e eu percebi que a situação estava prestes a explodir.

“Olha quem chegou! Os corajosos da quebrada!” um dos caras disse, rindo sarcástico. “Sempre a prova, né? Mas hoje não vai ser fácil.” O tom de deboche no ar era evidente, e a tensão crescia a cada segundo. Eu olhei para os meus manos, e eles estavam prontos para revidar. Mas o que realmente queríamos era paz, e a cada provocação, essa paz parecia mais distante.

Decidi intervir. “Vamos manter a cabeça fria, galera. A gente não precisa disso,” eu disse, tentando acalmar os ânimos. O que eu realmente queria era evitar que mais um nome se juntasse à lista de quem havia sido perdido para essa guerra sem fim. Mas a provocação era forte, e o orgulho falava mais alto.

As palavras voavam como flechas, e antes que eu pudesse pensar em uma forma de resolver a situação, um empurrão transformou o bar em um palco de confronto. A adrenalina disparou, e a luta começou. Cada golpe trocado era uma prova de que a vida na favela não perdoava. O caos tomou conta, e o que antes era um lugar de conversa e risadas agora se tornava um campo de batalha.

Entre socos e gritos, eu me perguntava se era isso que queríamos. “Sempre a provar” era um lema que poderia nos desmantelar, mas ao mesmo tempo era uma marca da resistência. Aquela luta não era apenas por nós, mas por todos que vieram antes e por todos que ainda viriam. A favela precisava de voz, e a única maneira de fazer isso era através da luta.

A briga se alastrou, e o som das sirenes começou a ecoar ao longe. A tempestade, que já estava no ar, agora se aproximava a passos largos. “A gente precisa sair daqui!” gritei, e todos correram para a saída, o medo nos guiando. Mas enquanto corríamos, eu sabia que essa prova não terminaria ali. A vida na favela era um ciclo interminável de lutas, e sempre que pensávamos que tínhamos superado uma, outra surgia.

Naquela noite, enquanto tentava dormir, não consegui. A cabeça estava cheia de pensamentos. Jota, o bar, as provocações, e aquela luta que parecia nunca ter fim. “Sempre a provar,” eu repetia para mim mesmo. Era uma frase que se tornara um mantra. O que significava ser forte em um mundo que constantemente testava nossas forças? O que significava realmente lutar por algo que poderia ser arrancado de nós a qualquer momento?

A verdade era que a vida na favela não oferecia respostas fáceis, mas ela sempre nos desafiava a encontrar o significado de resistência. E mesmo que eu não soubesse o que o amanhã traria, sabia que, de uma forma ou de outra, teríamos que continuar lutando. Sempre a provar. Sempre em busca de uma saída, de uma luz, em meio à escuridão.

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