Passageiro do Brasil, São Paulo, Agonia

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As luzes da cidade brilhavam ao longe, distantes, inalcançáveis. São Paulo pulsava como um organismo gigante, suas ruas e avenidas se estendendo em todas as direções, cheias de vidas que corriam de um lado para o outro, tentando escapar da agonia que permeava cada esquina. Para quem olhava de fora, a cidade parecia vibrante, cheia de oportunidades. Mas, para quem vivia nas entranhas dela, era um campo de batalha.

Eu me sentia como um passageiro perdido nesse Brasil, nessa São Paulo, mergulhado em uma agonia sem fim. Os dias passavam como borrões, e a realidade se tornava mais opressiva a cada minuto. A favela era uma pequena ilha nesse oceano de concreto e asfalto, um lugar esquecido por todos, exceto por quem vivia aqui.

Subi no ônibus naquela tarde, a caminho de outro dia de trabalho. O veículo estava lotado, como sempre, cheio de rostos cansados, olhos fundos que mal se cruzavam. O ar era pesado, um cheiro de suor misturado com frustração pairava no ar. Gente apertada, sem espaço para respirar, como se todos fossem comprimidos pela própria vida. Ninguém falava muito; todos pareciam estar em um estado de letargia, presos em suas próprias mentes, remoendo suas próprias dores.

O ônibus balançava pelas ruas esburacadas, cada solavanco arrancando suspiros de cansaço dos passageiros. Era como se estivéssemos todos em um limbo, presos entre o caos da cidade e a desesperança da favela. O que nos esperava do outro lado? Trabalho mal pago? Mais uma noite sem dormir? Ou talvez, para alguns, o medo de nunca voltar para casa?

Eu olhava pela janela, o cenário se misturando com meus pensamentos. São Paulo parecia infinita, mas ao mesmo tempo claustrofóbica. Prédios, fábricas, favelas, viadutos... tudo parecia se fundir em uma massa cinzenta e sem vida. O futuro aqui era incerto, sempre pendurado por um fio. Um dia, você está correndo para pegar o ônibus. No outro, seu nome pode ser mais um no cortejo de velas.

Meu celular vibrou. A mensagem era curta, mas cada palavra carregava um peso esmagador:

"Richard sumiu."

Meu peito apertou. Não era a primeira vez que recebia esse tipo de notícia. Não era o primeiro amigo que desaparecia na noite, levado pelas promessas fáceis de dinheiro rápido ou pela pressão das circunstâncias. Richard, sempre tão sorridente, sempre falando sobre sair dessa vida, era agora mais um passageiro dessa agonia. A cada esquina, cada viela, a violência nos rondava, pronta para nos tragar sem aviso.

A agonia que eu sentia naquele momento era maior que a minha. Era a agonia coletiva de toda uma geração. Era o medo constante de ser o próximo, de não voltar para casa, de acabar com uma vela acesa em seu nome, como tantos outros antes de mim. O ônibus avançava lentamente pelas ruas congestionadas, mas dentro de mim, o desespero crescia com cada metro percorrido.

Richard. Ele era mais que um amigo. Era o tipo de cara que trazia esperança quando o mundo ao redor parecia desmoronar. Ele tinha sonhos, assim como eu, assim como Davi, assim como todos nós. Mas os sonhos, na favela, são frágeis. Eles podem ser despedaçados com uma bala, com uma escolha errada, com a simples crueldade do destino.

Naquela tarde, enquanto o ônibus seguia seu caminho, me senti esmagado pela sensação de impotência. Eu não sabia onde Richard estava, nem se ele ainda estava vivo. Tudo que me restava era a agonia da espera. Esperar por uma notícia, esperar por um sinal, esperar que, de alguma forma, ele voltasse. Mas, no fundo, eu sabia. Aqui, quando alguém desaparece, a esperança é um luxo que poucos podem se dar ao luxo de ter.

Ao longe, as luzes de São Paulo continuavam a brilhar, indiferentes à nossa dor. A cidade seguia seu curso, engolindo mais vidas, mais sonhos, mais esperanças. Eu era apenas mais um passageiro nesse ciclo interminável de agonia.

Quando o ônibus parou, desci na minha parada habitual. As ruas estavam agitadas, como sempre, mas o peso que carregava em mim era quase insuportável. Ao caminhar pelas vielas estreitas de volta para casa, não pude evitar pensar: quanto tempo ainda nos restava? Quantos de nós sobreviveriam a mais uma noite?

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