Choros

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O som dos choros preenche o ar pesado da favela como uma melodia melancólica, sem fim. Os choros são sempre os mesmos, mesmo quando mudam as vozes. Eles vêm nas noites quentes, quando o calor aperta o peito e a realidade se torna insuportável. Vêm nas madrugadas, depois que a sirene cessa, quando o corpo que ficou estirado no chão é finalmente recolhido, e a dor, que antes estava suspensa, toma conta de quem ficou.

Os choros aqui não são contidos. São profundos, rasgados, como se cada lágrima fosse uma parte da alma sendo arrancada à força. Não há como esconder o desespero, não há como disfarçar a perda. Quando o choro começa, é uma catarse coletiva, uma dor compartilhada por todos, porque aqui, quando um cai, é como se todos caíssem juntos.

A mãe de Richard era quem chorava hoje. O filho dela, mais uma vez, tinha desaparecido no meio da noite, levado por um caminho que ela já conhecia bem demais. Ela gritava o nome dele entre os soluços, com uma voz rouca, como se o grito pudesse trazê-lo de volta, como se as lágrimas fossem capazes de lavar os pecados que ele cometera, as decisões erradas que ele tomara. Mas o choro não tem esse poder. As lágrimas só deixam o rosto molhado, mas a dor permanece intacta, crua.

O choro, aqui, não é apenas tristeza. É um grito por justiça que nunca vem, um clamor por paz em meio ao caos. Cada lágrima que escorre pelo rosto de uma mãe, de uma irmã, de um amigo, carrega o peso de uma história interrompida, de sonhos que jamais serão realizados. Os choros são a trilha sonora da perda, do luto que nunca parece ter fim.

Eu já vi muitos chorarem. Vi homens, antes considerados fortes, desmoronarem sob o peso de uma perda. Vi crianças, que mal entendiam o que estava acontecendo, soluçarem em desespero diante da ausência repentina de um pai, de uma mãe, de um irmão mais velho. Vi mulheres, como a mãe de Richard, ajoelhadas no chão, implorando a Deus por uma resposta, qualquer resposta que pudesse explicar por que o destino era tão cruel com elas. E, enquanto isso, o mundo seguia em frente, alheio aos gritos, alheio às lágrimas.

O choro, muitas vezes, é a única coisa que resta quando todas as outras formas de resistência falham. É um momento de fraqueza, sim, mas também de força. Porque quem chora é quem ainda sente, quem ainda está vivo o suficiente para carregar o peso da dor.

Mas, na favela, não se pode chorar por muito tempo. A vida não para para esperar que as lágrimas sequem. Aqui, o luto é breve, porque o próximo dia já traz novas batalhas, novas perdas. O choro é sufocado, engolido, transformado em raiva, em resistência. As lágrimas são limpas do rosto, e os pés seguem, porque não há espaço para fraqueza. A vida continua, mesmo quando tudo dentro de você pede para parar.

Eu aprendi a segurar o choro. Aprendi que, embora as lágrimas venham, elas não podem ser vistas. O mundo aqui não dá espaço para quem é vulnerável. Os choros têm seu tempo e seu lugar, mas logo são substituídos pela luta. O que dói hoje se transforma em combustível para resistir amanhã.

No entanto, em silêncio, quando ninguém está olhando, os choros ainda escapam. Nas noites mais solitárias, quando o mundo está quieto e os pensamentos começam a pesar, as lágrimas voltam. Elas vêm sem aviso, silenciosas, mas intensas. E cada vez que caem, trazem com elas o peso de cada vida perdida, de cada sonho não realizado, de cada amigo que eu nunca mais vou ver.

O choro é uma forma de lembrar que, apesar de tudo, ainda somos humanos. Mesmo quando a favela nos endurece, mesmo quando a realidade nos obriga a ser fortes, o choro nos lembra que a dor ainda está lá, que a perda ainda nos toca. E, às vezes, é preciso deixar as lágrimas caírem, mesmo que só por um momento, para que possamos seguir em frente.

Porque aqui, no fim, o choro não é o fim da luta. Ele é apenas uma pausa antes da próxima batalha.

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