De Esgoto a Céu Aberto e Parede Madeirite

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De Esgoto a Céu Aberto e Parede Madeirite

Era uma tarde ensolarada, mas o calor não parecia suficiente para aquecer os corações na favela onde Gabriel cresceu. Ele caminhava pelas vielas conhecidas, com o cheiro do esgoto misturado ao aroma das comidas vendidas nas barracas, um cheiro que parecia uma assinatura da comunidade. O contraste entre o céu azul e a realidade dura de suas ruas nunca deixou de impressioná-lo. “Aqui, a gente vive de esgoto a céu aberto e parede de madeirite”, ele pensava, enquanto observava os moradores lutando contra a rotina pesada.

As casas eram feitas de qualquer material que se pudesse encontrar, e a madeira compensada era a escolha favorita para aqueles que tentavam manter o frio do mundo lá fora. Parede de madeirite que, por um lado, oferecia proteção, mas, por outro, expunha as fragilidades de quem habitava ali. Gabriel sempre soube que aquele lugar não era só uma casa; era um símbolo de luta, de resistência e de sonho.

Ele se lembrou de quando era mais novo, quando tudo o que desejava era um mundo diferente, um lugar onde as paredes não fossem feitas de restos e o esgoto não invadisse suas brincadeiras. Mas a vida lhe ensinou que mesmo em meio ao caos, havia beleza. Havia música, risadas e histórias que moldavam a identidade da favela. Cada criança que corria pelas ruas, cada riso que ecoava nas esquinas, contava uma parte da história que, embora marcada por desafios, era também repleta de conquistas.

“A gente não é só o que aparece na TV, cê tá ligado?”, Gabriel disse a um amigo, Felipe, que o acompanhava naquela caminhada. “A gente tem cultura, talento e força. Olha pra essas crianças, elas são o futuro, e a gente precisa mostrar isso pra todo mundo.”

Felipe concordou, balançando a cabeça. “E é por isso que a gente tem que fazer esse evento acontecer. As paredes de madeirite podem não ser o ideal, mas elas seguram nossa história, nossa luta. E hoje, elas vão ser palco pra nossa voz.”

Os dois decidiram que precisavam reunir mais amigos, mais manos e minas da favela, e todos se uniram para começar a trabalhar nas apresentações. Eles queriam mostrar que, mesmo em meio a esgoto e paredes improvisadas, a favela tinha muito a oferecer. Músicas que falavam da realidade, danças que celebravam a cultura, e poesias que expressavam sentimentos. Tudo isso precisava ser visto, ouvido e sentido.

O planejamento do evento avançava, e a cada dia mais jovens se juntavam à ideia. Nos ensaios, as vozes ecoavam pelas vielas, misturando-se ao som da cidade. Com a música, eles sonhavam com um futuro onde poderiam ser mais do que a estatística de uma sociedade desigual. Gabriel e seus amigos começaram a se sentir como verdadeiros artistas, não apenas da música, mas da vida.

Quando o grande dia finalmente chegou, o céu estava claro e azul. As ruas estavam decoradas, as mesas eram preenchidas com comidas típicas, e o som de risadas se misturava ao ritmo dos tambores que batiam como corações pulsantes. O espaço que antes era um simples lugar de madeirite e esgoto se transformava em um palco onde eles contariam sua história.

Gabriel subiu ao palco e olhou para a multidão. Ele viu rostos conhecidos, mas também viu novos, aqueles que vieram para sentir a energia do evento. Com o coração acelerado, ele pegou o microfone e começou a falar, não só como um artista, mas como um filho da favela. “Hoje, estamos aqui pra mostrar que a gente não é só o que a sociedade quer que a gente seja. Nós somos resistência, somos cultura, somos alegria, e somos luta!”.

As palmas e os gritos da plateia ecoaram, e naquele momento, Gabriel soube que aquele dia seria lembrado como um marco na vida de todos. Ele continuou a cantar, a dançar e a celebrar a vida, e a favela, que antes parecia um lugar de limitações, agora se transformava em um céu aberto, onde a liberdade e a esperança eram as estrelas que brilhavam mais forte.

E assim, a história de Gabriel, das paredes de madeirite e do esgoto a céu aberto, se tornava uma narrativa de superação e de amor pela sua comunidade, mostrando que mesmo nas circunstâncias mais difíceis, a luz da cultura e da arte poderia brilhar intensamente.

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