Capítulo 70: Solitária na Floresta de Concreto e Aço
Na imensidão da floresta de concreto e aço, onde os prédios se erguiam como titãs e as ruas eram labirintos de incertezas, minha mãe era uma figura solitária. Ela caminhava com um propósito, entre os carros e as pessoas apressadas, como uma guerrilheira em uma batalha constante pela sobrevivência. Seus passos firmes ressoavam nas calçadas, e, mesmo que o mundo a cercasse, havia uma luz inextinguível em seu olhar.
Ela sempre dizia que a vida na cidade era como viver numa floresta densa, cheia de armadilhas e perigos escondidos. "Gabriel, aqui as pessoas estão tão ocupadas com suas próprias lutas que muitas vezes esquecem de olhar para os lados", ela me ensinava, enquanto atravessávamos a rua movimentada. "Mas sempre tenha em mente que, mesmo na solidão, você não está sozinho. Lembre-se de que o amor é uma força poderosa."
Havia momentos em que eu a via de longe, sentada em uma calçada, vendendo seus quitutes. A fumaça do fogão improvisado se misturava ao cheiro do asfalto quente, e os passantes se dividiam entre os que paravam para experimentar suas delícias e os que apenas passavam apressados. O olhar da minha mãe era de determinação, mas por trás daquela força havia uma fragilidade que só eu conseguia ver.
Ela carregava os pesos do mundo nos ombros, e, muitas vezes, chegava em casa cansada, com o corpo dolorido. Mas mesmo assim, nunca deixava de cuidar de mim. Havia noites em que eu acordava e a encontrava na cozinha, preparando algo para comer, com o olhar perdido na distância. "Estou aqui, mamãe", eu dizia, e ela respondia com um sorriso cansado, como se meu carinho fosse a única coisa que a mantinha firme.
Na floresta de concreto e aço, minha mãe também era um exemplo de resiliência. Lembro de uma vez, quando um grupo de meninos da vizinhança tentou intimidá-la por causa da sua aparência, sua cor de pele e a forma como se vestia. Ela, porém, não se deixou abalar. Em vez de recuar, levantou a cabeça e enfrentou aqueles meninos, suas palavras cortando o ar como uma espada. "Se eu sou negra, se eu sou pobre, isso não me torna inferior. Eu sou forte e digna, e você, que tenta me humilhar, não passa de uma sombra em meu caminho."
Aquela cena ficou gravada em minha memória. A coragem dela sempre foi um combustível para mim. Enquanto os outros meninos olhavam para ela com desdém, eu vi um brilho nos olhos dela que falava mais alto do que qualquer insulto. Era a certeza de que, mesmo diante do desprezo, a dignidade e a força eram o que realmente importavam.
E assim, dia após dia, eu via minha mãe lutando, não só pela nossa sobrevivência, mas pela preservação da nossa identidade. Ela me ensinou que, mesmo em meio ao desespero e à solidão, era possível encontrar beleza na luta. Cada comida que ela preparava, cada história que contava antes de eu dormir, eram traços de uma herança que eu carregaria comigo.
A floresta de concreto e aço pode ter sido implacável, mas, no coração daquela mulher, havia um jardim florido. Uma mulher que, em cada passo dado, em cada luta enfrentada, não só buscava a sobrevivência, mas a vida digna para seu filho. Eu era uma extensão dela, e em cada vitória, em cada conquista, a história dela reverberava em mim.
Quando olho para trás, vejo não apenas as dificuldades, mas também a força de uma mãe que, mesmo solitária na selva urbana, conseguiu criar um filho com o coração pulsando forte, preparado para enfrentar o que viesse pela frente. A luta dela era a minha luta, e seu amor era o alicerce que me mantinha de pé.
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Negro DRAMA
Historical Fiction"O Peso do Silêncio" é um romance visceral que mergulha nas profundezas da vida na periferia, inspirado no icônico "Negro Drama" dos Racionais MC's. A história acompanha Gabriel, um jovem negro que luta contra o sistema opressor que já o condenou de...